O Estado de São Paulo, n. 45351, 17/12/2017. Economia, p.B1

 

 

 

 

Proposta mais branda de Previdência beneficia metade dos servidores federais

Aposentadoria. 380 mil funcionários públicos federais, ou 52% do total, vão se aposentar com o último salário da carreira e com reajustes iguais aos da ativa se o governo voltar atrás e permitir regras mais leves para esse grupo nas negociações da reforma

Por: Adriana Fernandes / Idiana Tomazelli

 

Adriana Fernandes

Idiana Tomazelli /BRASÍLIA

 

Se o governo ceder à pressão do funcionalismo público para abrandar a proposta de reforma da Previdência, vai beneficiar 52% dos servidores federais. São 380 mil servidores que ainda estão em atividade e que vão se aposentar com o último salário da carreira e reajustes iguais aos dos funcionários da ativa. Eles ingressaram no serviço público até 2003 e têm o direito às chamadas integralidade e paridade – privilégios que o governo quer acabar ao aprovar a reforma, mas que as categorias pressionam para manter.

Caso precisasse pagar hoje todos os benefícios futuros para esses servidores, a União teria de desembolsar R$ 507,6 bilhões (a valores atuais), segundo cálculos feitos pela Secretaria de Previdência a pedido do Estadão/Broadcast. A previsão é que haverá concessão desses benefícios por mais 30 a 40 anos, com os pagamentos se estendendo por cerca de 80 anos.

Para tentar ampliar o apoio da população à reforma, o governo tem investido pesado na propaganda de que a proposta põe fim aos privilégios. Com a aprovação do texto, servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada seguirão regras iguais para se aposentar.

Boa parte dos que têm direito a esses privilégios poderá solicitar o benefício na próxima década. Dos mais de 267 mil servidores que vão se aposentar até 2026, cerca de 91% fazem jus à regra de paridade e integralidade, segundo o Ministério do Planejamento.

Já os servidores que ingressaram a partir de 2013 e se aposentarão pelo teto do INSS (R$ 5.531,31) são apenas 15,3% dos ativos atualmente, ou 112,1 mil. Foi nesse ano que passaram a vigorar novas regras para aposentadoria do funcionalismo que acabaram com a possibilidade de benefícios acima do teto de aposentadoria do INSS. Quem quiser ganhar mais tem de contribuir para um fundo de previdência complementar.

A proposta em tramitação na Câmara quer reduzir o peso dessa fatura a ser bancada nos próximos anos ao cobrar dos servidores as idades mínimas de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres para manter a integralidade e a paridade. Mas a pressão crescente das categorias leva o governo a considerar uma alternativa mais leve para esse grupo. Uma última cartada para tentar aprovar a reforma em fevereiro na Casa.

O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende propor uma regra intermediária, que não seja forçar o servidor a desistir do salário maior ou a trabalhar até as idades finais da reforma, sem transição. Se quiser se aposentar antes, pela proposta atual de reforma, o funcionário abre mão da integralidade e receberá um benefício equivalente à média dos 80% maiores salários. Esse valor pode ser inclusive maior que o teto do INSS, mas fica abaixo do último salário antes da aposentadoria.

 

Folha de pagamento. Algumas categorias do funcionalismo federal têm remuneração no final de carreira acima de R$ 20 mil mensais. Os procuradores, por exemplo, ganhavam R$ 28,9 mil em 2016, e consultores legislativos do Senado, R$ 30,5 mil. Segundo informações do boletim de gastos com pessoal do Ministério do Planejamento de janeiro de 2017, a despesa média dos aposentados do Legislativo e Judiciário Federal foi de R$ 28.882 e R$ 22.336 respectivamente.

O governo também considera privilégio receber mais de um benefício e pretende limitar essa possibilidade ao teto de dois salários mínimos para acúmulo de aposentadoria e pensão. Segundo a Secretaria de Previdência, existem situações de funcionários públicos com remunerações elevadas, na faixa dos R$ 20 mil a R$ 30 mil, que ainda ganham outro benefício. Entre eles estão juízes, promotores, procuradores, advogados públicos, auditores fiscais, de acordo com o órgão.

“A reforma da Previdência, na versão atual, afetará 9,5% da população, justamente as pessoas de maior renda”, diz o secretário de Previdência, Marcelo Caetano. Para tentar diminuir resistências dos parlamentares, o governo deu sinal verde à exclusão de trechos da proposta que mudavam regras de aposentadoria rural, benefícios assistenciais para a baixa renda e no tempo mínimo de contribuição para o INSS (que permanecerá em 15 anos). A avaliação do governo é de que isso livra os mais humildes do alcance da reforma.

Igualdade. Integrantes do governo negam que a proposta atual represente uma perseguição ao funcionalismo. “A reforma da Previdência propõe tratar os iguais de forma igual. Não se trata de culpar os servidores públicos pelo déficit fiscal, mas de corrigir a maior distorção do nosso regime previdenciário, pois o déficit per capita dos servidores foi 18 vezes maior do que dos trabalhadores do setor privado em 2016”, afirma o assessor especial do Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima Junior.

Para o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, é importante aprovar a mudança na regra para os servidores que ingressaram até 2003. Segundo ele, muitos desses servidores estão entre os 5% mais ricos do País, ou até no 1% mais abastado. “Aposentar com salário integral não existe no resto do mundo. O sistema não aguenta isso, não tem como arcar com esse custo.”

 

Conta pesada

R$ 507,6 bi é quanto o governo teria de desembolsar para pagar hoje os benefícios futuros para os 380 mil servidores que ainda estão em atividade e que vão se aposentar com o último salário da carreira e manter reajustes iguais aos dos que estão na ativa

 

Cenário

“A reforma da Previdência, na versão que está hoje, afetará 9,5% da população brasileira, justamente as pessoas de maior renda.”

Marcelo Caetano

SECRETÁRIO DE PREVIDÊNCIA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

 

 

 

 

A estratégia de quem não quer a reforma

Pressão/ Se cada um dos 267 sindicatos ligados a servidores conseguir um voto, proposta não passa na Câmara
Por: Adriana Fernandes / Idiana Tomazelli

 

BRASÍLIA

 

sobre os deputados na última semana para tentar desidratar ainda mais a proposta de reforma da Previdência, mantendo o direito à aposentadoria com o último salário da carreira. Eles dizem que a mudança nas regras para quem ingressou até 2003 viola um direito adquirido.

O corpo a corpo incluiu protestos barulhentos na quadra 302 norte, em Brasília, onde ficam imóveis funcionais usados por deputados, na Câmara e no aeroporto. Na sessão em que o relator da reforma, deputado Arthur Oliveira Maia (PPSBA), discursou sobre a proposta, parlamentares da oposição cantaram vitória e atribuíram à pressão das categorias o fato de o governo ter adiado a votação para fevereiro de 2018.

“O governo insiste em demonizar o serviço público e está desconsiderando um direito adquirido”, diz o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal (Sindifisco), Claudio Damasceno.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, é “bode expiatório” a propaganda do governo que taxa a aposentadoria dos servidores como privilégio. Ele vê, porém, como um aceno positivo a disposição do governo de reabrir a negociação. “Esse tipo de argumento parece ser apenas uma cortina de fumaça para outros interesses, para aprovar uma reforma que vai ser nociva para o conjunto dos trabalhadores”, afirma o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso.

Os servidores têm grande poder de pressão sobre os parlamentares por conta da representatividade sindical. São 267 sindicatos e associações para cuidar dos interesses dos funcionários públicos da União. Se cada uma conseguir atrair o voto de um deputado, já há apoio de mais da metade da Câmara para a defesa de suas causas.

Servidores estaduais também marcam de perto os parlamentares de suas regiões, já que a reforma também atingirá Estados e municípios. Recém-empossado no posto de articulador político, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, reafirmou a intenção do governo de continuar negociando, mas adiantou que não há compromisso de mais flexibilizações. “O governo não aceita mudança na espinha dorsal, que é o fim dos privilégios.”/ A.F. e I.T.

 

 

 

 

 

 

Campanhas contra proposta usam 'fake news'

Por: Douglas Gavras

 

Ao longo do ano, as discussões sobre a reforma da Previdência ganharam as redes sociais com informações questionadas pelos economistas. “Querem que você morra sem se aposentar”, dizia um vídeo narrado pelo ator Wagner Moura. Na animação, do movimento Povo sem Medo, era criticada a determinação de uma idade mínima para aposentadoria mais alta do que a expectativa de vida em Estados do Norte e Nordeste.

Paulo Tafner, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), diz que as diferenças regionais de expectativa de vida ao nascer não são relevantes nesse caso. “Um cidadão do Piauí e um de Santa Catarina, quando nascem, têm uma diferença de dez anos na esperança de vida. Mas aos 60, a diferença é de três anos.”

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) também divulgou vídeos e textos contrários à reforma. Um deles apontava mais de 500 empresas, fundações, Estados e municípios com dívidas com a Previdência Anúncio questiona números da Previdência de R$ 426 bilhões – quase três vezes o déficit em 2016, de R$ 149,7 bilhões.

O professor da PUC-Rio José Márcio Camargo, lembra que a conta é alta por incluir dívidas de empresas falidas, como a Vasp. “É um processo longo na Justiça e resolveria o déficit por um ano, mas o problema voltaria em seguida.” Vanderley Maçaneiro, da Anfip, rebate. “A maioria das devedoras está em atividade e a cobrança seria educativa para que menos empresas devessem à Previdência.”

Os anúncios não vieram apenas de quem era contra a reforma. No perfil do PMDB no Facebook, uma postagem dizia que se a reforma não passasse, o Bolsa Família e o Fies seriam cortados. Segundo o especialista em finanças públicas Raul Velloso, mesmo com déficit, o governo pode realocar recursos para manter os programas. / DOUGLAS GAVRAS