O Estado de São Paulo, n. 45351, 17/12/2017. Economia, p.B5

 

 

 

 

 

 

A Odebrecht que Marcelo encontrará fora da prisão

Em 2,5 anos, grupo perdeu mais da metade da carteira de projetos e 100 mil funcionários

Por: Renée Pereira / Renata Agostini

 

Renée Pereira

Renata Agostini

 

Quando a Polícia Federal prendeu Marcelo Odebrecht em 19 de junho de 2015, o império da família baiana prosperava. Sob o comando do empresário, o grupo ultrapassara R$ 100 bilhões de faturamento pela primeira vez. As receitas seguiam em alta apesar do avanço da Lava Jato. Eram 170 mil funcionários espalhados por quase 30 países.

Na terça-feira, o herdeiro do grupo deixará o cárcere em Curitiba rumo à sua casa em São Paulo. A alguns quilômetros da residência, a realidade é outra na sede da Odebrecht. Forçada pelas investigações a confessar um dos maiores esquemas de corrupção já vistos, o prestígio ostentado pelo grupo se perdeu, os contratos minguaram e a dívida ficou grande demais.

Para honrar compromissos e não quebrar, a Odebrecht foi obrigada a vender tudo que podia. Até agora já conseguiu embolsar R$ 7,4 bilhões. Quer achar comprador ainda para outros R$ 4,5 bilhões em ativos.

Parte mais visível da crise, a construtora, origem do conglomerado, é uma fração do que já foi e tem futuro incerto. A carteira de projetos recuou para menos da metade. A empreiteira entrou 2015, com um estoque de trabalhos que somava US$ 33,8 bilhões. Agora, é de pouco mais de US$ 14 bilhões.

Com empresas vendidas e menos obras para tocar, a Odebrecht demitiu aos montes. Hoje são 100 mil funcionários a menos do que em meados de 2015.

O comando do grupo tem se desdobrado para convencer o mercado de que sua postura mudou. Gastou milhões de reais para implementar um programa de conduta e ética, colocou profissionais do mercado no Conselho de Administração e abriu as portas para monitores externos.

Mas a saída de Marcelo da prisão tem gerado ruídos na família e na empresa. Ele está proibido de ocupar cargos na companhia até 2025, quando terminará sua pena. Por ter cometido crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, ele foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão, mas seu acordo de delação reduziu a pena para dez anos, sendo dois anos e meio em regime fechado.

Apesar da restrição, quem conhece o executivo classifica seu comportamento como imprevisível. Há temor de que ele constranja antigos aliados a informálo sobre o dia a dia do grupo. Não à toa, Emílio Odebrecht tomou medidas públicas às vésperas da saída do filho da prisão: anunciou sua saída antecipada do comando do conselho de administração e a decisão de que os Odebrecht não mais ocuparão a presidência do grupo. As medidas reforçam a tentativa de acelerar o soerguimento do grupo e sinalizam um esforço para blindar os negócios da influência do filho.

 

Articulação. O Estado apurou que, mesmo dentro da prisão, Marcelo articulou para conseguir apoio para derrubar o pai da presidência da Kieppe, empresa da família Odebrecht que controla a Odebrecht S.A., e indicar alguém de confiança. Segundo fontes, tentou convencer tios e primos a ficar do seu lado. Marcelo, bem como o pai, é minoritário na Kieppe. A tentativa de articulação, porém, não deu certo. Desde que foi preso, o empreiteiro se indispôs com a família. Teve atrito com o pai, a irmã e o cunhado.

A preocupação de Emílio e da cúpula da Odebrecht é de ordem prática. A avaliação é que a Odebrecht deu passos importantes em sua tentativa de reestruturação, ao rolar dívidas e vender ativos. Mas a situação é delicada e qualquer fato que mine ainda mais sua reputação pode atrapalhar negociações.

O grupo esperava, por exemplo, encerrar as atividades da OTP, de concessões, até o fim do ano. O atraso na venda das concessões impossibilitou o plano. As conversas com a Brookfield, que tem interesse em levar rodovias, estão demorando mais que o esperado. Vendas de outros ativos como as hidrelétricas Chaglla, no Peru, e Santo Antônio, no Brasil, também emperraram.

Na construtora, foi traçado um plano agressivo para disputar contratos. O sucesso da empreitada é decisivo para que ela afaste o risco de ter de renegociar com credores internacionais parte de sua dívida. Mas, para que tenha chance de voltar a rechear sua carteira de obras, a Odebrecht não pode sofrer novos abalos na imagem. Mesmo clientes privados receiam esse tipo de exposição. E notícias de que Marcelo voltou a ter voz e ouvidos na empresa atrapalhariam a tentativa de manter os negócios de pé.

Bancos nacionais já avisaram que, caso percebam movimentações do ex-presidente em direção à companhia, vão endurecer nas negociações e cortar de vez o crédito. Um dos principais credores da empresa, um banco nacional diz que acompanha de perto a governança da Odebrecht e há apreensão sobre quem comandará o grupo com a saída de Emílio Odebrecht. O “vácuo no poder” já deixa banqueiros preocupados.

Procurada, a Odebrecht não se manifestou. O advogado de Marcelo, Nabor Bulhões, que o defende nas ações penais, classificou as informações sobre interferência de seu cliente na empresa como especulações desvairadas. No tempo em que ficou preso, disse Bulhões, Marcelo teve uma conduta exemplar. “Ao sair, ele vai focar na sua família. Não há nenhum objetivo de constranger ninguém na empresa.”

 

Restrição. Marcelo Odebrecht está proibido de ocupar cargos na companhia da família até 2025, quando termina sua pena

 

Carteira assinada

US$ 33,8 bi

era o estoque de trabalho da empreiteira, origem do conglomerado, no início de 2015

 

US$ 14 bi

é o estoque de trabalho que a Odebrecht tem atualmente

 

 

 

 

 

Com acordo de leniência da SBM, TCU deve destravar negociações

Há entre 25 e 35 empresas negociando com a CGU e a AGU, muitas delas alvos da Operação Lava Jato
Por: Breno Pires

 

Breno Pires/BRASÍLIA

 

A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de aprovar o acordo de leniência da SBM Marketing com a Controladoria-Geral da União (CGU) deve destravar a fila de negociações em andamento no âmbito do governo federal. Há entre 23 e 25 empresas negociando com a CGU e a Advocacia-Geral da União, muitas delas alvo da Operação Lava Jato. A Odebrecht e a Andrade Gutiérrez acreditam estar próximas do fechamento do acordo, após já terem conseguido no Ministério Público Federal.

Neste fim de semana, a AGU está revisando o acordo da SBM Marketing, após aprovação do TCU, e a assinatura poderá ocorrer já no início da próxima semana. O julgamento serviu para demarcar a atuação de cada órgão do governo nos acordos de leniência – espécies de delações premiadas de empresas.

O TCU reconheceu a eficácia imediata dos acordos da AGU, que, por sua vez, reconheceu que não pode dar a quitação do dano das empresas, prerrogativa do tribunal de contas. O TCU reafirmou que deve fazer uma análise prévia dos termos e condições dos acordos assinados, mas uma vez que isso é feito, a assinatura do acordo pela CGU/AGU não deve ser contestada.

Os órgãos concordam que, em relação às empresas, se o TCU constatar superfaturamento e outros tipos de dano, as companhias terão de fazer o pagamento complementar.

Na negociação de acordos de empreiteiras da Lava Jato, como Odebrecht e Andrade – que já têm acordo no Ministério Público Federal (MPF), há uma série de pontos travados. O principal deles é a forma como será paga a diferença entre os acordos do MPF e da CGU.

“A partir do momento que a gente se acerta, e esse passo começa a ser travado de um modo mais alinhado, de certo ponto isso acaba elevando também a visão do nosso País em relação a essa política que é efetivamente uma política de Estado. Não é política de governo, da instituição A, B, C ou D, é uma política do Estado Brasileiro”, disse a advogada-geral da União, Grace Mendonça.

O caso SBM passa a ser visto no TCU como um manual para o fechamento de acordos de leniência, segundo um ministro.

O ministro do TCU Bruno Dantas afirmou que a decisão foi importante para desmitificar o discurso de que há uma disputa entre órgãos. “A decisão mostra que, quando os acordos são bem feitos e bem negociados, o TCU jamais será um entrave”, disse. Ele lembrou que a equipe técnica do TCU recomendou a rejeição do acordo, mas os ministros por unanimidade decidiram aprovar, acompanhando o Ministério Público no TCU.

 

Valores. Um dos desafios que restam para o fechamento de novos acordos é quanto aos valores a serem pagos. Não apenas o volume total de recursos, mas em relação à especificação da natureza jurídica dos recursos. Por exemplo, acordos do MPF não especificam quanto é multa, quanto é indenização.

Diante de notícias de que a CGU teria estipulado um valor de R$ 40 bilhões para fechar acordo com a Andrade Gutierrez, que teve de pagar R$ 1 bilhão no acordo com o MPF, o advogado da empresa, Sebastião Tojal, disse que a construtora “continua no seu processo de negociação e que ele está avançando”.

 

Ação. Grace, da AGU, vê em acordos uma política de Estado

 

Entrave

“A decisão mostra que, quando os acordos são bem feitos e bem negociados, o TCU jamais será um entrave.”

Bruno Dantas

MINISTRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO