Correio braziliense, n. 19980, 05/02/2018. Opinião, p. 11

 

A nova Previdência e o processo original 

Rogério Rosso

05/02/2018

 

 

Estamos entrando no segundo ano de discussões em torno da Reforma da Previdência. Provavelmente uma boa parte do povo brasileiro já tem hoje um maior conhecimento sobre o tema se compararmos quando do inicio dos debates, ainda em 2016. A Câmara priorizou este assunto, a imprensa divulgou em tempo real cada movimentação da matéria e o governo federal deu início a uma campanha publicitária de alcance nacional defendendo a importância da reforma para o ajuste das contas públicas e consequentemente a expansão virtuosa da economia brasileira para os próximos anos e gerações.

O texto inicial alterava os artigos 37, 40, 109, 149, 167, 195, 201 e 203 da Constituição Federal. Após análise jurídica preliminar da Comissão de Justiça da Câmara (sem discussão do mérito), foi criada, conforme determina o Regimento da Casa, uma Comissão Especial destinada a analisar minuciosamente o projeto, promover os debates necessários para elucidação dos impactos advindos da mesma, discutir as centenas de emendas e sugestões apresentadas ao texto original e proferir parecer de mérito à PEC 287/16. O relator, deputado Arthur Maia, teve o seu o parecer aprovado na Comissão Especial em maio de 2016. Este relatório já apresentava importantes mudanças em relação ao texto original, porém “preservando” os fundamentos apontados pelo governo como imprescindíveis e intocáveis, tais como uma nova idade mínima para aposentadoria, regras de transição, paridade/isonomia para servidores públicos e privados, dentre outras questões.

Mesmo com resistências de centenas de parlamentares da oposição e do próprio governo ao teor do relatório, o governo trabalhava intensamente para incluir o mais rápido possível a PEC 287/16 para votação no Plenário da Câmara.

Acompanho diariamente a tramitação da Reforma da Previdência. Como líder do meu partido por dois anos consecutivos pude conhecer e conviver com as características e estilo de cada uma das diversas bancadas, frentes e blocos parlamentares que formam o Congresso.

Afirmo que, mesmo antes do surgimento da gravação da JBS, que certamente paralisou por meses os trabalhos da Câmara em razão da análise e votação das denúncias, o governo não chegava nem perto dos mínimos 308 votos necessários para alterar a Constituição. Por óbvio, depois da análise da segunda denúncia e o desgaste advindo do processo e com uma base bem menor daquela existente quando da aprovação da PEC do Teto dos Gastos Públicos, em 2016, o governo passou a ter ainda maior dificuldade em construir uma maioria para a Reforma da Previdência.

Alguns claros equívocos foram cometidos em todo esse período.

O texto original não foi debatido com a sociedade e com os parlamentares. Foi fruto de uma visão estritamente fiscal e baseada em projeções, cenários e histórico de “terra arrasada”, como por exemplo os resultados do PIB de 2015 e 2016. Muito mais producente teria sido colocar o texto sob análise preliminar e consulta pública a todos os segmentos organizados do país, sob a forma de um anteprojeto da Reforma da Previdência.

Com a extinção do Ministério da Previdência, que teve as atribuições incorporadas ao Ministério da Fazenda, confesso que fiquei preocupado com uma possível visão e ação do governo puramente fiscalista em relação a Previdência, lembrando sempre que o sobrenome e o DNA da Previdência brasileira é social.

Portanto, começamos errado, na forma e no conteúdo. Se é verdade que a primeira impressão é a que fica, então ficou mesmo o sinal negativo perante a maioria esmagadora da sociedade.

O governo e o relator precisaram fazer uma série alterações e flexibilizações, customizando o texto para chegar nas mínimas 308 adesões. O texto original falava no deficit da aposentadoria rural, no BPC, no deficit do serviço público, fora outros argumentos tecnicamente discutíveis. A pressão da bancada ruralista por exemplo fez sumir do texto qualquer menção a aposentadoria rural. E de fato os ruralistas tinham razão no mérito.

No último trimestre de 2017, a campanha publicitária do governo passou a carregar em cima dos servidores, generalizando o conceito de privilegiados. Outro grave erro. No país podemos identificar mais de 12 milhões de servidores municipais, estatuais e federais, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que prestam os mais essenciais serviços a Nação. Privilégios de uma minoria podem e devem ser corrigidos.

É evidente que os brasileiros estão vivendo mais tempo, felizmente. O IBGE faz precisas projeções para as próximas décadas. Alterar as regras da Previdência para adequar essa realidade é absolutamente urgente e necessário. Defendo a instituição de uma nova idade mínima, tempo de contribuição e a paridade servidor público e privado para quem ingressar a partir de agora no sistema previdenciário.

Lembrando que essa equiparação está vigente desde 2013.

As regras de transição para os servidores que ingressaram no serviço público antes de 2003 foram ignoradas e desconsideradas. Elas simplesmente não existem no texto. A própria exposição de motivos da proposta colocava como premissa regras de transição para todos. E a pactuação da transição dos servidores entre 2003 e 2013, vigente há anos, está sendo alterada pelo relator e não constava na proposta original do governo. O relatório sugere a ‘ transição da transição’ o que aponta para uma fragilidade jurídica e constitucional evidente e certamente será questionada no STF caso aprovada. Destaco também a proposta de pensão por morte que julgo ser uma piada de mau gosto ou um equívoco de redação.

Outra questão que aponto é de setores da sociedade, de parte do “mercado” e do próprio governo que tentam vender a ideia de que a reforma da previdência é a única solução para os problemas do Brasil. De fato as normas dos regimes previdenciários precisam ser atualizadas e padronizadas em razão da realidade fiscal que vivemos e das perspectivas de curto e médio prazos. Devemos registrar todavia que a economia vem apresentando resultados positivos nesses últimos 18 meses, fruto de um ajuste fiscal sério conduzido pelo presidente Temer.

O país insiste em não enfrentar o principal obstáculo ao seu crescimento, incremento da produção e geração de oportunidades de trabalho – a implantação de um novo sistema tributário e de custos, com ênfase na criação de condições fiscais e tributárias favoráveis e que permitam o país voltar a ser competitivo. Nosso sistema tributário é ultrapassado e trabalha contra a própria produção.

A nova Previdência deve ser tratada, também, como uma das prioridades nacionais. É notório que o governo ainda não reúne os votos necessários para aprová-la em razão do equívoco do texto proposto originalmente que “assustou” a sociedade bem como de todo o processo de discussão, intransigência nas negociações e do ambiente político que se deteriorou em 2017.

Defendo o adiamento da votação caso o governo e o relator não alterem substancialmente o atual texto pois o mesmo seria amplamente derrotado na Câmara, desperdiçando assim uma oportunidade importante. De outra forma acredito que o momento ideal para o debate sobre a previdência seja durante a campanha eleitoral deste ano. Saberemos o que cada candidato a presidente pensa sobre a Previdência, seu comprometimento com as contas públicas e com o ajuste fiscal, mas principalmente seu compromisso com a Constituição, com os direitos e garantias dos cidadãos, com a promoção da justiça social e com o fortalecimento do setor produtivo.

A especulação sempre será inimiga da produção. E isso vamos combater a qualquer custo.