O Estado de São Paulo, n. 45352, 18/12/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

TJs gastam R$ 890 mi com ‘penduricalhos' para juízes

Judiciário. Despesa dos tribunais de Justiça com indenizações como o auxílio-moradia e outros amplia em até 30% o vencimento dos magistrados estaduais além do teto salarial

Por: Daniel Bramatti / Marianna Holanda

 

Daniel Bramatti

Marianna Holanda

 

A concessão generalizada de auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde faz com que 26 tribunais estaduais de Justiça gastem cerca de R$ 890 milhões por ano com esses pagamentos. Na última folha salarial publicada, 13.185 juízes dos TJs (mais de 80% do total) tiveram o contracheque inflado por esses benefícios ou itens similares.

O Estadão Dados mediu pela primeira vez o impacto dos “penduricalhos” nos contracheques do Judiciário graças à publicação detalhada e padronizada de dados salariais, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Dos TJs estaduais, apenas o do Amapá ainda não abriu a caixa-preta da folha de pagamentos. Com os auxílios, juízes obtêm um ganho de até 30% em relação ao salário básico. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, o salário médio é de R$ 28,2 mil, e os benefícios recebidos garantem um acréscimo médio de quase R$ 8,4 mil.

As médias, porém, ocultam os casos mais extremos. Em novembro, 69 juízes de nove Estados receberam mais de R$ 10 mil a título de auxílio. Por ter caráter de “verba indenizatória”, e não de salário, esses recursos não são levados em conta no cálculo do teto de vencimentos dos magistrados, de R$ 33.763, nem são descontados quando o limite é atingido.

Além dos R$ 890 milhões, há outros custos na folha, de caráter eventual. Em novembro, eles somaram R$ 9 milhões. Os salários básicos, sem contar os extras, consomem quase R$ 6 bilhões por ano. Por causa dos auxílios e outros extras, um terço dos juízes estaduais teve rendimento líquido superior ao teto. No topo do ranking, um contracheque de R$ 227 mil, em Rondônia.

O auxílio-moradia começou como vantagem restrita – uma “ajuda de custo, para moradia, nas comarcas em que não houver residência oficial para juiz, exceto nas capitais”, segundo a Lei Orgânica da Magistratura. Em 1986, a restrição às capitais foi abolida. O que era exceção passou a ser regra. Leis estaduais estenderam o pagamento a todos os integrantes de determinados TJs. O Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu o benefício a todos os juízes federais e, depois, a todos os TJs estaduais e aos ramos militar e trabalhista do Judiciário. Há ações que reivindicam o “direito” também aos juízes aposentados.

Atualmente, três em cada quatro juízes estaduais recebem auxílio-moradia, independentemente da cidade onde trabalham e do fato de possuir ou não residência própria. Apenas o auxílio-alimentação atinge uma parcela maior: 78%.

Na semana passada, o ministro Luiz Fux, do STF, negou seguimento a uma ação popular contra decisão sua de autorizar pagamento de auxílio-moradia a juízes, promotores e conselheiros de tribunais de contas. Foi Fux, em decisão provisória de 2014, quem estendeu o benefício a todos os juízes federais, mesmo os que atuam na cidade de origem.

Para o ex-presidente do STF e do CNJ Carlos Ayres Britto, não faz sentido excluir os auxílios do cálculo do teto. “Sempre entendi, em meus votos, que teto é um limite máximo, não admite sobreteto, ultrapassagem. Na medida em que há claraboia nesse teto, perde-se a noção.”

Todos os tribunais estaduais foram procurados pela reportagem. Os 19 que responderam até a conclusão desta edição (SP, DF, CE, PR, MS, MA, MG, PI, TO, AM, ES, RR, BA, SE, RO, SC, PA, RS e GO) ressaltaram que os pagamentos dos salários estão dentro do teto constitucional e que demais auxílios e indenizações constam de legislações estaduais ou resoluções do CNJ, e, portanto, são legais.

 

 

 

 

 

TJs devem pagar vencimentos acima do teto?

 

PEDRO SERRANO

SIM

Na questão dos vencimentos de juízes é necessário, antes de tudo, ponderar que é muito relevante para a cidadania ter uma magistratura eficiente. Não se deve cair em demagogias. Entre um Poder Judiciário composto por magistrados nomeados politicamente ou por integrantes de uma carreira profissional, optamos pelo segundo caminho, o que implica boa remuneração. Um juiz não deve ganhar menos que um gerente jurídico de uma grande empresa ou de um advogado de grande escritório, pois trata de questões complexas de alto relevo público. Existem casos de remunerações excessivas, o que deve ser corrigido de pronto, mas não é um fenômeno geral.

PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL PUC-SP

 

 

DANIEL FALCÃO

NÃO

A Constituição prevê que qualquer agente público deva receber no máximo, a título de remuneração (verba de caráter salarial) o que recebe um ministro do STF. Ficam de fora desse teto as verbas de caráter indenizatório. Mesmo diante da altíssima remuneração recebida por membros da Magistratura e do Ministério Público em face dos salários da maior fatia da população, a saída encontrada pelos fortes grupos de pressão foi a criação de auxílios a título de indenização. Alguns são justificáveis, mas outros só existem para que estes agentes públicos consigam aumentar seus soldos mensais acima do teto, tornando-se verdadeiros e indefensáveis penduricalhos.

PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL DA USP E IDP