Correio braziliense, n. 19978, 03/02/2018. Cidades, p. 17

 

Total de adoções cresce a cada ano

Isa Stacciarini 

03/02/2018

 

 

João Felipe chegou à casa da família Marques com 1 ano e 1 mês. Aos 5, aguarda com ansiedade a chegada da irmã mais nova. Em meio às fábulas infantis, ele sonha com as brincadeiras ao lado da menina. “Eu vou ser o cavalheiro e o herói dela”, conta aos pais com personalidade. O casal Wanda e António Marques, 53 e 51 anos, adotaram o primogênito em 2013 e, desde 2014, esperam a segunda filha. Assim como eles, em todo o Distrito Federal, existem 520 famílias cadastradas para adoção e 120 crianças e adolescentes à espera de um lar. Na prática, o número de pais na fila é cinco vezes maior do que a quantidade de meninos e meninas no aguardo de uma acolhida.

Há três anos, aumenta o total de adotados no DF. Em 2015, 54 conseguiram traçar uma nova história. Um ano depois, o número cresceu para 77 e, em 2017, para 82. Um salto de 51,85% em três anos. Segundo a Vara da Infância e da Juventude (VIJ), o perfil mais procurado continua o de recém-nascidos saudáveis e sem irmãos — essa espera específica varia de 5 a 7 anos. Por isso, a quantidade de crianças e adolescentes nos abrigos é alta.

Wanda e o marido não tinham preferência de gênero, mas queriam um filho de até 3 anos que poderia ter irmão. O casal iniciou o processo em 2009 e, em 21 de novembro de 2013, levou o pequeno para casa. “Uma criança exige, sobretudo, vitalidade dos pais. Quando a demora é muito grande, tudo fica mais complicado. Lidar, educar e estar presente se torna mais difícil. Para a segunda filha, começamos na 438ª posição e, hoje, estamos na 278ª”, destaca a servidora pública aposentada. A expectativa da família é de que a menina chegue até o início de 2019. “Como nos casamos mais tarde, procuramos a gravidez assistida, mas chegamos à conclusão de que, em razão dos riscos e das dúvidas, não era viável. Até que partimos para o processo de adoção”, revela Wanda.

A primeira palavra que João Felipe balbuciou foi “mamãe”. Uma alegria para a servidora pública que sonhava com esse momento ao lado do marido português. O menino sabe da adoção. Certa vez, perguntou à mãe se havia morado na barriga dela. Mas Wanda compartilha, com emoção, o momento em que se sentiu mais completa ao lado do filho: “Ele estava brincando com outra criança, até que o coleguinha começou a chutar os brinquedos dele. O João Felipe disse que não podia fazer isso. E o amiguinho falou: ‘Mas você nem morou na barriga da sua mãe’. Eu fiquei estática, esperando a resposta dele. E ele disse: ‘Eu morei na cabeça da minha mãe, no coração dela. Morei na minha mãe inteirinha’. E, depois, pediu para ir embora. Foram as maiores alegria e emoção da minha vida”, diz emocionada.

Vulnerabilidade

Hoje, a maioria dos que esperam a chance de um lar têm de 10 a 18 anos incompletos. São 74 adolescentes nessa faixa etária. Depois, aparecem 42 crianças, de 3 a 9 anos. O último grupo disponível é o de bebês e meninos e meninas de até 2 anos — os mais procurados. São quatro candidatos nessa faixa de idade.

O perfil das famílias habilitadas para adoção é heterogêneo. Há pais com e sem filhos biológicos, solteiros, divorciadas ou viúvas, casais heterossexuais e homoafetivos e também casados pela segunda vez. O supervisor da área de adoção da VIJ, Walter Gomes, credita o aumento do número de adoções ao curso de preparação psicossocial e jurídica. Desde 2010, a nova Lei da Adoção (Lei nº 12.010/2009) determinou como obrigatório as famílias passarem por esse treinamento para serem consideradas habilitadas ao processo (leia O que diz a lei). “Adoção não é aventura nem a procura de um objeto de desejo, mas um instrumento jurídico a quem deseja exercer as funções parentais a uma criança e adolescente abandonados”, alerta. A habilitação demora de 6 meses a 1 ano e meio depois do curso.

Walter esclarece que, ao completar 18 anos, o jovem perde a tutela jurídica da VIJ. Dessa forma, há um incentivo ao trabalho. A equipe formada por 14 servidores, entre psicólogos e assistentes sociais, atua na tentativa de colocação da pessoa no mercado de atuação e a auxilia em uma moradia a fim de estimulá-las pela independência. “Muitas vezes, essas crianças vêm de uma família marcada pela vulnerabilidade socioeconômica, na qual a dependência química dos pais é presente de maneira ostensiva”, esclarece.

Veja o passo a passo para adoção

Fase 1

» Constituir um advogado particular ou procurar a Defensoria Pública. O interessado precisará providenciar uma lista de documentos para o defensor preparar uma petição inicial, que deverá ser apresentada no cartório da Vara da Infância e da Juventude (VIJ). Logo depois, a ação se transforma em processo.

 

Fase 2

» Com a autorização do juiz, o candidato participa dos cursos de preparação psicossocial e jurídico para dar início ao processo de habilitação. A pessoa é avaliada por uma equipe de psicólogos e assistentes sociais, que também visitam a casa da família.

 

Fase 3

» Depois de analisar o candidato, a equipe elabora um laudo psicossocial, informando ao juiz se a família tem perfil compatível com a adoção e se pode ou não ser habilitada ao processo. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também precisa se manifestar. Depois, o juiz profere a sentença de habilitação ou não.

 

Fase 4

» Com a sentença favorável à habilitação, o candidato terá o nome incluído nos cadastros local

e nacional de adoção. Quando aparece alguma criança com o perfil desejado, a equipe técnica apresenta o histórico dela e todas as informações. Depois, são agendados dia e horário para a apresentação da criança.

Fase 5

» É iniciado o estágio de convivência, que dura até 3 meses. A família faz visitas à instituição de acolhimento em que está a criança. Com o vínculo afetivo de ambas as partes, a equipe sugere a liberação da criança ao candidato.

 

Fase 6

» Começa o processo de adoção, e a equipe técnica faz um acompanhamento da criança no lar da nova família para verificar se ela foi, de fato, integrada como filho.