Correio braziliense, n. 19977, 02/02/2018. Política, p. 2

 

Um recado claro a Lula e ao PT

Bernardo Bittar e Renato Souza 

02/02/2018

 

 

Em um discurso forte e cheio de recados, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu as atividades do Judiciário em 2018 com o discurso de que não vai tolerar ataques à instituição. Sem citar casos específicos, mas fazendo clara referência ao PT, cujos dirigentes declararam que vão “radicalizar” as manifestações após a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância, a ministra disse que “é perfeitamente possível não concordar com a Justiça”, mas que, para ela, “o inadmissível é desacatá-la”.

Cármen Lúcia afirmou que qualquer crítica sobre a atuação do Judiciário deve ser feita formalmente nos recursos previstos em lei. “Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desatacar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”, disse a presidente do Supremo.

A avaliação de advogados e de parlamentares é de que o recado tenha sido enviado ao PT, que, desde a condenação de Lula, em 24 de janeiro, subiu o tom das críticas à Justiça. O ex-presidente pegou 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP), por decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Após a sentença, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), escreveu em seu Twitter que “a Justiça brasileira perdeu o fôlego”. Também disse que o “Judiciário é diferente para ricos e pobres” e que “a decisão contra Lula foi o que faltava para a desmoralização total da Justiça”.

O primeiro julgamento do ano no Supremo ocorreu após a sessão solene, na parte da tarde. Em pauta, a proibição da venda e da produção dos cigarros saborizados — conhecidos como cigarros de bali —, vetados por resolução da Anvisa, em 2012. O ministro Luís Roberto Barroso declarou-se suspeito. Após o voto dos outros 10 integrantes da Corte, empatou em cinco a cinco. Decidiu-se, então, pelo voto de minerva em manter a proibição.

Os questionamentos giravam em torno do poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir a adição de sabores e aromas nos cigarros. Segundo a resolução do órgão, o tratamento de folhas de tabaco com menta, cravo ou canela, por exemplo, tinha a intenção de fazer com que os cigarros fossem mais atrativos para os jovens, os principais consumidores dos produtos em questão.

O processo seguiu para o Supremo em 2013, após questionamentos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A relatora, ministra Rosa Weber, concedeu uma liminar suspendendo a resolução e liberando a produção e a venda dos cigarros de sabor. Ontem, no entanto, ela se mostrou contrária ao entendimento e apoiou a Anvisa. “O risco à saúde associado a tais atividades justifica a sujeição do seu mercado à intensa regulação sanitária, tendo em vista o interesse público na proteção e na promoção da saúde”, afirmou Weber. A ministra ressaltou não haver liberdade plena do fumante, preso ao vício, e considerou o tabagismo uma doença. Por isso, defendeu a pertinência da portaria da Anvisa.

 

Lava-Jato

Diversas autoridades investigadas pela Lava-Jato estiveram presentes durante a cerimônia de abertura dos trabalhos no Judiciário. Entre eles estavam os presidentes da República, Michel Temer; do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE); e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Temer tinha sido denunciado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot por participação em organização criminosa, obstrução da Justiça e corrupção passiva. A investigação contra ele acabou rejeitada pela Câmara e só deve continuar em 2019, se ele, de fato, deixar a chefia do Executivo.

Eunício responde pelo suposto recebimento de R$ 5 milhões em propinas para usar na campanha para o governo do Ceará, em 2014. O senador foi citado na delação do executivo Nelson José de Mello, ex-diretor de relações institucionais do grupo Hypermarcas. Maia, por fim, é réu em inquérito que tramita no Supremo depois de também ser citado por delatores da Lava-Jato. No caso dele, foram ex-diretores da Odebrecht que o acusaram de receber dinheiro para as campanhas de 2008, 2010 e de 2012. O Ministério Público Federal (MPF) acredita que o montante seja de mais ou menos R$ 1 milhão. Eles negam as acusações.

 

Frase

“Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial pela qual se aplica o direito. Pode-se buscar reformar a decisão judicial pelos meios legais e pelos juízos competentes. O que é inadmissível e inaceitável é desatacar a Justiça, agravá-la ou agredi-la”

Cármen Lúcia, presidente do STF