Título: Protesto nas ruas e nas redes sociais
Autor: Franco, Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 31/03/2012, Politica, p. 2

Protesto nas ruas e nas redes sociais

Movimentos sociais programam um tuitaço e manifestações em São Paulo, Fortaleza, Rio e BH contra o golpe militar. Grupos cobram instalação da Comissão da Verdade JÚNIA GAMA

No fim de semana em que o golpe militar de 1964 completa 48 anos, movimentos sociais articulados por familiares de vítimas da ditadura, estudantes e grupos em defesa dos direitos humanos se unem para protestar contra comemorações da caserna e pressionar o governo a instalar a Comissão da Verdade.

O grupo Levante Popular da Juventude, um dos protagonistas do protesto ocorrido em frente ao Clube Militar do Rio de Janeiro na tarde de quinta-feira, usa uma página na internet para conclamar um tuitaço e mensagens em mídias sociais contra a ditadura. Pede ainda que sejam enviados emails à presidente Dilma Rousseff "exigindo a instalação imediata da Comissão da Verdade". "Nossa intenção é contrabalançar esse pêndulo que estava resultando em um recuo do governo por causa das pressões dos setores de direita", aponta o educador Lúcio Centeno, da coordenação estadual do grupo, em Porto Alegre. Na capital gaúcha, os jovens realizam hoje uma intervenção teatral no Parque da Redenção, representando cenas de tortura.

Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo, relata que, amanhã os manifestantes irão se reunir em um uma espécie de bloco carnavalesco chamado Cordão da Mentira, no centro da cidade. Será, segundo Marcelo, uma discussão "bem-humorada" contra o golpe militar e em apoio à Comissão da Verdade. A reunião será na Rua Tutoia, sede da Operação Bandeirantes (Oban), um dos principais centros de informação do regime militar.

Iara Xavier, coordenadora do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal, afirma que, ao contrário de outras capitais como São Paulo, Fortaleza, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, não estão previstas ações de protesto neste fim de semana em Brasília. "A juventude de Brasília infelizmente ainda não despertou para a importância disso", justifica.

Confronto Na quinta-feira, as comemorações de militares da reserva pelos 48 anos do golpe militar acabaram em tumulto no Rio de Janeiro. Cerca de 300 representantes de movimentos sociais contra a ditadura bloquearam a entrada principal do Clube Militar, no centro da cidade, e tentaram impedir a saída de oficiais da reserva. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, referindo-se aos militares como "torturadores" e "assassinos". Houve confronto físico e um jovem, que tentou agredir um dos oficiais reformados, foi levado à delegacia para prestar depoimento.

Uma foto do jornalista Vladimir Herzog foi projetada em um dos muros do Clube Militar pelos manifestantes. Eles jogaram também tinta vermelha na escadaria principal da entidade para representar "o sangue derramado durante a ditadura" e cartazes com dizeres como "Ditadura não é revolução" e "Onde estão nossos mortos e desaparecidos do Araguaia?" fizeram parte do manifesto. A tropa de choque da PM usou bombas de efeito moral e spray de pimenta para dispersar os participantes e formou um cordão de isolamento entre o clube e uma estação de metrô próxima ao local para viabilizar a saída dos militares.

Integrante da diretoria do grupo Tortura Nunca Mais, Victória Lavínia Grabois afirma que o confronto era esperado. "Os jovens querem a memória e a justiça, com punição para aqueles que cometeram crimes de lesa-humanidade. A manifestação dos militares foi provocativa, não se pode comemorar um golpe que matou e torturou", avalia. Na tarde de ontem, participantes do Encontro Latino-Americano de Memória, Verdade e Justiça, ocorrido em Porto Alegre, aprovaram moção de repúdio à ação da Polícia Militar do Rio de Janeiro pelo que consideraram "agressões" contra os manifestantes que protestaram em frente ao Clube Militar durante o evento 1964 –A Verdade.

Associados do Clube Militar programaram uma reunião ontem para estudar que medidas podem ser tomadas contra os manifestantes que agrediram os oficiais da reserva. A intenção é processar criminalmente aqueles que sejam identificados como autores das agressões. Oficiais da reserva devem prosseguir com comemorações pelos 48 anos do golpe. Serão palestras sobre o tema e missas em homenagem aos militares mortos na luta armada. Em Brasília, está programada uma missa, a partir das 20h30, na Paróquia São Camilo de Léllis, na 303 Sul, a pedido da ONG Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), seguida de um coquetel para os militares. A Secretaria de Direitos Humanos, o Ministério da Defesa e o Palácio do Planalto não se manifestam sobre o assunto.

Comissão em Pernambuco

O Governo de Pernambuco encaminhou, na tarde de ontem, projeto de lei à Assembleia Legislativa para criar a Comissão Estadual da Memória e Verdade. De acordo com o texto da matéria, o colegiado, formado por nove integrantes, pelo menos seis deles da sociedade civil, vai investigar violações aos direitos humanos ocorridas no estado entre os anos de 1946 e 1988. O projeto determina que a investigação se estenda por, no mínimo, dois anos. A proposta deve tramitar em regime de urgência. A expectativa é de que, em 15 dias, seja votada no plenário da Casa. Em São Paulo, uma comissão semelhante foi aprovada e já deu início aos trabalhos de resgate da memória.