Correio braziliense, n. 20025, 19/03/2018. Política, p. 5

 

R$ 1 bi em créditos extraordinários

Vera Batista

19/03/2018

 

 

GUERRA URBANA » Durante reunião, Temer define remanejamento de verba de ministérios para a intervenção no Rio. Carro que teria sido usado na execução é encontrado em Minas

O governo vai editar uma medida provisória (MP) e abrir crédito extraordinário para a segurança no Rio de Janeiro. O anúncio foi feito ontem pelo ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, após reunião com o presidente Michel Temer e cinco ministros. Sem especificar valores ou a origem do dinheiro, ele disse que os recursos extras devem ultrapassar R$ 1 bilhão. De acordo com Oliveira, o governo ainda vai definir de quais ministérios será remanejada a verba para a segurança. “Temos uma semana para finalizar a identificação das fontes e enviar para o Congresso”, disse, ao destacar que Temer quer uma definição até sexta-feira. Parte da verba irá para o Rio de Janeiro e o restante para as forças federais. O anúncio ocorre um dia depois de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ter insistido, durante entrevista ao Correio, sobre a necessidade de orçamento para a intervenção.

O aumento dos recursos ocorreu no dia em que houve suspeitas de que um carro que teria sido usado no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Pedro Gomes foi encontrado pela polícia na cidade de Ubá, Zona da Mata de Minas Gerais, após uma denúncia anônima. O Logan de cor prata com placa do Rio de Janeiro foi deixado, de acordo com as informações, na quinta-feira, próximo à ponte interditada na Rua Nossa Senhora Aparecida. A denúncia só chegou até a polícia no sábado e o veículo foi apreendido por volta das 21h. A parlamentar foi atingida por quatro disparos na cabeça após sair do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, na Rua dos Inválidos, no centro do Rio.

Os criminosos estavam em dois carros, segundo imagens de câmeras de segurança do Centro do Rio, e a seguiram até a Rua Joaquim Palhares, no Estácio. Eram um Cobalt prata com placa clonada, onde estava o atirador, e um Logan, que deu cobertura — provavelmente o abandonado no Bairro Industrial de Ubá. Policiais civis de Minas acionaram os investigadores da Divisão de Homicídio (DH) do Rio, encarregada das apurações do assassinato de Marielle e Anderson. Juntos, peritos mineiros e cariocas foram até o local na madrugada de domingo. Até o final da noite de sábado, o Disque Denúncia havia recebido 27 denúncias sobre as mortes dos dois.

A polícia investiga também se os assassinos monitoraram a vereadora pelas redes sociais, já que ela fez convocação na internet um dia antes do evento. Outro ponto que tem avançado nas investigações é em relação às armas e munições dos assassinos. O crime foi cometido com uma pistola 9mm que pertencia a um lote vendido para a Polícia Federal de Brasília, em 2006, pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), com as notas fiscais número 220-821 e 220-822. As munições são do mesmo lote das balas usadas na maior chacina de São Paulo (17 pessoas assassinadas), em Barueri e Osasco, em 2015. Também houve balas desse lote usadas em crimes envolvendo facções rivais de traficantes que resultaram na morte de cinco pessoas em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, entre 2015 e 2017.

Em seu site oficial, Marielle Franco se apresentava: “Sou mulher, negra, mãe e cria da favela da Maré”. Era assim que a carioca gostava de ser reconhecida. Flamenguista e funkeira, começou a trabalhar aos 11 anos para pagar seus estudos. Teve a filha Luyara aos 19 anos. Iniciou a militância política em 2000, após a morte de uma amiga vítima de bala perdida. Foi quando começou a fazer parte do “bonde dos intelectuais da favela”. Nascida no Complexo da Maré, zona norte do Rio, em 27 de julho de 1979, era referência na luta pelos direitos humanos. Com bolsa integral, após ser aluna do Pré-Vestibular Comunitário da Maré, graduou-se em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi eleita vereadora com 46.502 votos, a quinta maior no estado para o cargo, com expressiva votação nos bairros de Catete e Jardim Botânico (Zona Sul) e Tijuca (Zona Norte).

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Delegado afastado em Pernambuco

19/03/2018

 

 

O delegado da Polícia Civil de Pernambuco Jorge Ferreira foi afastado dos plantões na Delegacia da Mulher, acusado de publicar no Facebook comentários maldosos sobre a vereadora Marielle Franco. Em seu perfil, apareceu a seguinte mensagem: “Se envolve com o narcotráfico, vira mulher de bandido, troca de facção criminosa, é assassinada pelos ‘mano’, aí vem a esquerda patética colocar a culpa nas instituições policiais. Vá se fu, dona Marielle. Já foi tarde. Detesto bandido e quem os defende odeio mais ainda.”

Imediatamente, a Secretaria de Defesa Social (SDS) do estado, em nota oficial, no final da manhã, informou o afastamento do delegado Jorge Ferreira do plantão da Delegacia da Mulher de Santo Amaro, Pernambuco, alegando que o teor das afirmações é incompatível com a filosofia do governo. “Até a conclusão do procedimento administrativo, o servidor ficará à disposição do setor de recursos humanos da PCPE”, diz o texto.

Em vídeo de dez minutos, o delegado garantiu não ser o autor da postagem. “Fui informado por um amigo sobre a publicação. Quando eu saí da rede social, eu vi que tinham vários aparelhos logados na minha conta e eu nem sabia. Tinha inclusive um no Crato, mas eu nunca estive lá. Eu saí imediatamente de todos, mas não sei como postaram isso”, disse. Segundo ele, suas posições políticas são claras. Ele defende a ideia de que, antes de acusar alguém ou alguma instituição, que se apure os fatos. “Mal aconteceu o homicídio e já se começou a acusar a Polícia Militar. Eu defendo que não, que seria interessante antes ver todas as possibilidades”, argumentou.

Outras iniciativas tentam manchar a imagem da vereadora recentemente assassinada. Na sexta-feira, a desembargadora Marilia Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), acusou Marielle, que havia denunciado abuso de autoridade de policiais militares, de estar “engajada com bandidos”. Ela publicou no Facebook: “Conheçam o novo mito da esquerda, Marielle Franco. Engravidou aos 16 anos, ex-esposa do Marcinho VP, usuária de maconha, defensora de facção rival e eleita pelo Comando Vermelho, exonerou recentemente 6 funcionários, mas quem a matou foi a PM”. Criticada, apagou a postagem. A acusadora de Marielle, em novembro do ano passado, recebeu salário de R$ 74.790.

Questionada, a desembargadora afirmou que nem sequer tinha ouvido falar de Marielle Franco até o dia de sua morte. “Eu postei as informações que li no texto de uma amiga”, afirmou. O PSol, partido ao qual a vereadora era filiada, vai entrar com uma representação oficial no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e com uma ação criminal por calúnia e difamação contra a desembargadora do TJRJ. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio também está colhendo informações sobre as postagens da desembargadora para se manifestar oficialmente.