Correio braziliense, n. 19976, 01/02/2018. Brasil, p. 5

 

Ensino médio: menos inscrição, mais evasão

Deborah Fortuna e Letícia Cotta 

01/02/2018

 

 

SOCIEDADE » Censo Escolar, do Ministério da Educação, mostra que matrículas tiveram queda histórica nesta etapa do estudo: caíram de 8,1 milhões em 2016 para 7,9 milhões no ano passado. Alto índice de reprovação é considerado fator que desestimula estudantes

Aos 16 anos, Viviane Monteiro largou o terceiro ano do ensino médio e começou a trabalhar. Ela saiu da casa dos pais dois anos antes e foi morar com uma tia. “Foi uma fase difícil, a gente não se dava tão bem, e ela já não conseguia me sustentar”, contou. Pela primeira vez sozinha, Viviane já não conseguia mais conciliar os estudos com o novo emprego, e a opção foi priorizar a renda e conseguir pagar pelas próprias contas. Essa é a história de Viviane e de outros milhões de alunos no Brasil. Segundo o Censo Escolar, divulgado ontem pelo Ministério da Educação (MEC), a taxa de matrícula no ensino médio diminuiu, e a evasão chegou a 11,2%.

No caso de Viviane, os estudos foram colocados de lado para que o lado profissional pudesse crescer mais cedo. “(A escola) era muito longe da minha casa, e eu não conseguia estágios e coisas do gênero para conseguir me sustentar. Então, eu larguei a escola e comecei a trabalhar em uma academia”, desabafa. Mas essa não é uma realidade única. Segundo o MEC, a taxa de matrículas no ensino médio teve uma queda histórica. Enquanto em 2016, houve 8,1 milhões de inscrições, no ano passado, esse número atingiu 7,9 milhões. Em 2013, no entanto, as matrículas foram de 8,3 milhões.

“O ensino médio vem sendo apontado como o grande gargalo da educação brasileira há muito tempo. Para quem trabalhava na área de educação na década de 1990, era um problema. Iniciamos o século 21 e o problema permanece”, afirmou a ministra em exercício da Educação, Maria Helena de Castro. Além da evasão e da queda de matrícula, essa etapa também mostra uma grande taxa de distorção idade-série do ensino médio. Ou seja, 28,2% dos alunos do ensino médio estão com idade errada no período escolar.

No ensino fundamental, essa taxa é de 18,1%. “E o que isso mostra? Que boa parte dos alunos que concluem o 9° ano não continuam o ensino médio. Eles desistem. Eles já têm atraso escolar, mais de 17 anos, e vão embora. Ou seja, o número de alunos que nem estudam e nem trabalham é alto. E essa tendência, aqui no Brasil, chama a atenção pela quantidade”, comentou a ministra.

Um dos motivos para que os alunos estejam na idade escolar errada é a alta taxa de reprovação. Para a ministra, é necessário que as escolas conversem com os coordenadores e professores para que essas taxas diminuam. “É inacreditável que, na primeira série do Ensino Médio, tenhamos mais de 28% das taxas de insucesso (reprovação e abandono) na rede pública e no setor privado apenas 8%”, comentou a ministra.

Para a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, há uma cultura de reprovação na sociedade, e isso faz com que o aluno fique ainda mais desmotivado e abandone o colégio. “É uma crença de que a reprovação agrega conhecimento. E é o contrário. Temos uma difusão da ideia de que a escola boa é a escola que reprova, mas não é. Escola boa é aquela que ensina a todos os alunos diferentes, na idade prevista, aquilo que eles têm que aprender”, comentou Fini.

Para a doutora em educação e professora da Universidade de Brasília (UnB) Edileuza Fernandes da Silva, o aluno do ensino médio teve uma mudança de perfil nos últimos anos, e a escola não acompanhou isso. “A escola passa a ser desinteressante, não é um espaço de informação, eles entram, mas não ficam”, avaliou. “Outros aspectos são os sociais e os econômicos. Esses alunos estão em um estágio de desenvolvimento da adolescência para a vida adulta. Às vezes, tem a situação econômica das famílias, que também pode influenciar. Muitos têm que abandonar para buscar o mundo do trabalho”, explicou a professora.

A especialista também concorda que os altos níveis de reprovação possam influenciar na evasão escolar. “A lógica da escola não deve ser a reprovação. A lógica da instituição escolar tem que ser a aprendizagem. A cultura da reprovação faz com que haja uma polarização entre aprovar e reprovar. Mas, na verdade, a preocupação tem que ser com a aprendizagem”, comentou a especialista. Segundo ela, é necessário que haja condições para professores, como qualidade salarial, infraestrutura nas escolas, recursos e formações. Com as altas taxas de reprovação, segundo a professora, muitos largam o ensino médio para realizarem a Educação para Jovens e Adultos (EJA). “A EJA é uma modalidade para atender público específico que não tive oportunidade. Não pode ser a alternativa para o aluno que evade do ensino médio, mas ela acaba sendo’. Segundo o MEC, a taxa de matrículas da EJA teve uma alta de 3,48 milhões em 2016 para 3,59 milhões em 2017.

 

Raio X das escolas

67% estão em áreas urbanas

71,5% oferecem ensino fundamental

15,5% oferecem ensino médio

19,4%  oferecem creche

32,1% na educação infantil têm banheiro adequado para alunos com deficiência

3,8% na educação infantil não são abastecidas com água

54,3% no ensino fundamental têm biblioteca ou sala de leitura

46,8% no ensino fundamental têm laboratório de informática

65,6% no ensino fundamental possuem acesso à internet