Se o resultado pela revogação da prisão dos deputados era esperado, o placar da votação de ontem na Alerj foi mais apertado do que supunham aliados de Jorge Picciani e mesmo oposicionistas. Uma virada que não constava das previsões de lado a lado foi a dos deputados da chamada bancada evangélica da Alerj, que se posicionaram pela manutenção da prisão dos parlamentares. Já no PR e no PSOL, o apoio a Picciani, contrariando a orientação partidária, gerou processos de expulsão de três deputados.
O momento mais insólito e inesperado, porém, veio de um deputado do qual não se tinha a menor dúvida do voto. Secretário estadual de Cultura, André Lazaroni reassumiu o mandato para votar e defender Picciani. Aliado de primeira hora do presidente da Casa, foi escalado para subir à tribuna e argumentar pela revogação da prisão. Era melhor que não tivesse ido. Empolgado, decidiu terminar o discurso citando o dramaturgo alemão Bertold Brecht e escorregou:
— Como dizia Bertoldo Brecha: ‘Ai do povo que precisa de heróis’ — declamou, trocando o nome do poeta germânico pelo do personagem satírico da “Escolinha do Professor Raimundo”, num gafe que disparou gargalhadas no plenário e em minutos se espalhou pela internet.
Assim que o painel foi liberado para a votação, o número de 36 votos, que garantia a liberdade para os deputados, foi atingido em poucos minutos, mas a vitória por larga margem não ocorreu — apenas três votos acima do necessário.
Para isso, além da ausência de sete deputados, colaborou o não previsto posicionamento da bancada evangélica. Samuel Malafaia (DEM), irmão do pastor Silas Malafaia, e Benedito Alves e Carlos Macedo, ambos do PRB, partido controlado pela Igreja Universal, votaram contra a revogação da prisão. A terceira integrante da bancada do PRB, Tia Ju, não foi à Alerj, o que representou outro voto a menos para Picciani.
O desgaste eleitoral, num período em que lideranças religiosas têm feitos discursos incisivos anticorrupção, foi apontada por outros deputados como principal motivo para a decisão dos parlamentares do PRB e por Malafaia. Um deputado governista reclamou que “faltou coragem” para ir contra a opinião pública.
A atitude dá também discurso ao prefeito do Rio, Marcello Crivella, que vinha recebendo críticas por se aliar politicamente a vereadores do PMDB na Câmara Municipal. Crivella, sobrinho do líder da Universal, Edir Macedo, elegeu-se prefeito com forte discurso contra o PMDB, e vinha sendo acusado de incoerência.
Houve ainda casos de deputados que não seguiram a orientação de suas legendas. O PSOL anunciou que abriu processo de expulsão do deputado Paulo Ramos, único da bancada de cinco deputados a votar a favor de Picciani.
A nota divulgada pelo PSOL afirma que Ramos “se colocou ao lado da máfia dos transportes e das empreiteiras” e que “perdeu as condições de permanecer nas nossas fileiras”.
Paulo Ramos desdenhou da punição e reagiu com críticas aos ex-colegas:
— Eu já estava fora. Eles queriam um pretexto para me expulsar e agora têm. Acho ótimo. Só espero que o PSOL não continue a pegar carona assinando projetos de lei junto do Picciani e agora, perante a opinião pública, façam isso.
No PR, o ex-governador Anthony Garotinho, presidente estadual da legenda e inimigo de Picciani, havia prometido expulsar quem votasse a favor do peemedebista. (M. C., M. G., F. K. e J. C.)