Correio braziliense, n. 20013, 07/03/2018. Mundo, p. 14

 

Kim admite renunciar às armas atômicas, diz Seul

Rodrigo Craveiro

07/03/2018

 

 

COREIA DO NORTE » Depois de reunião e jantar com ditador, emissário do presidente sul-coreano garante que Pyongyang se dispõe a negociar com Washington a desnuclearização do país comunista. Autoridades das duas nações vizinhas marcam cúpula histórica para abril

Foram 23 mísseis lançados somente em 2017, alguns deles cruzaram os céus do Japão e atraíram condenação internacional. Em setembro passado, o sexto teste nuclear — quatro deles durante o atual regime — envolveu uma bomba de hidrogênio. Depois de desafiar o Ocidente com um programa bélico considerado orgulho nacional, a Coreia do Norte estaria, segundo Seul, disposta a negociar diretamente com os Estados Unidos o fim do arsenal atômico. “O Norte expressou o seu desejo de manter um diálogo de todo o coração com os EUA sobre os temas da desnuclearização e normalizar relações com os EUA. Deixou claro que, enquanto o diálogo se mantiver, não tentará nenhuma provocação estratégica, tais como testes nucleares e de mísseis balísticos”, afirmou comunicado divulgado pelo gabinete do presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Washington colocava o desmantelamento nuclear como premissa para qualquer possibilidade de diálogo.

As Coreias também acordaram celebrar uma histórica cúpula, no fim do próximo mês, em Panmunjom, na Zona Desmilitarizada (DMZ), lado sul da fronteira. Antes do evento, o terceiro do gênero (veja quadro), o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e Moon deverão conversar por telefone. A Casa Branca cobrou medidas “credíveis, verificáveis e concretas” do regime comunista e prometeu manter a pressão sobre Pyongyang. Por sua vez, o presidente americano, Donald Trump, admitiu um “possível progresso” nos diálogos, mas adotou a cautela. “Pela primeira vez em muitos anos, um esforço sério está sendo feito por todas as partes envolvidas. O mundo está observando e esperando! Talvez seja falsa esperança, mas os EUA estão prontos para entrarem duro em qualquer direção!”, escreveu no Twitter.

Mais tarde, em entrevista com o premiê da Suécia, Stefan Löfven, o republicano abordou o tema. “Eu quero ver o que acontece. Estamos em contato muito próximo. (…) (A desnuclearização) Seria uma ótima coisa para o mundo”, admitiu, ao considerar as declarações vindas dos dois países como “muito positivas”. Um alto funcionário da Presidência dos EUA assegurou que Washington pretende seguir adiante com os exercícios militares conjuntos com Seul.

Às 18h de segunda-feira (6h30 em Brasília), Kim Jong-un recebeu uma delegação de 10 autoridades de Seul — comandada por Chung Eui-yong, conselheiro de Segurança do presidente Moon. De acordo com o emissário, o encontro sem precedentes, ocorrido na sede do Partido dos Trabalhadores, foi “satisfatório”. “O Norte claramente afirmou o compromisso com a desnuclearização da Península Coreana e disse que não teria motivos para possuir armas nucleares, caso a segurança do regime fosse garantida, e as ameaças contra a Coreia do Norte, removidas”, declarou Chung. Em outro desdobramento, Seul e Pyongyang decidiram reabrir uma linha de comunicação de emergência entre os dois líderes.

Sobrevivência

Especialista em Coreia do Norte e diretor do Programa sobre Política EUA-Coreia do Norte do Conselho de Relações Exteriores (CFR), Scott Snyder explicou ao Correio que Kim buscará garantias de sobrevivência do regime e o fim da “hostilidade” dos EUA, em troca de passos rumo à desnuclearização. “A desescalada atômica aliviará as perspectivas de estrangulamento econômico, atraindo mais recursos para a Coreia do Norte do que o investimento em armas nucleares. O objetivo deveria ser a desnuclearização pacífica”, comentou.

Tong Kim, analista do Instituto de Estudos Coreano-Americanos da Universidade da Coreia e professor visitante da Universidade de Estudos Norte-Coreanos, acredita que Kim Jong-un reforça a posição do pai, Kim Jong-il, de que Pyongyang não tem motivos para manter o programa nuclear se houver preservação do regime. “Durante as eventuais negociações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, é necessário ‘confiar e verificar’”, disse à reportagem, ao propor que o governo Trump converse com o regime para aferir se a desnuclearização seria uma medida possível.

Para Tong, o anúncio da terceira cúpula intercoreana é “impressionante”. “Trata-se da maior façanha desde 2007. Além do simbolismo, a rodada de negociações será o ponto de virada nas relações Norte-Sul em direção à meta de uma Península Coreana desnuclearizada.”

TUITADA

“Possível progresso sendo feito em conversas com a Coreia do Norte. Pela primeira vez em muitos anos, um esforço sério está sendo feito por todas as partes envolvidas. O mundo está observando e esperando! Talvez seja falsa esperança, mas os Estados Unidos estão prontos para entrarem duro em qualquer direção!”

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

Tentativas de diálogo

As Coreias do Sul e do Norte realizaram duas reuniões de cúpula do mais alto nível desde a interrupção da Guerra da Coreia (1950-1953)

14 de junho de 2000

Kim Jong-il (D), pai do atual ditador Kim Jong-un, se reuniu com o presidente sul-coreano, Kim Dae-jung, em Pyongyang, capital da Coreia do Norte. Ambos assinaram um acordo no qual se comprometeram a trabalhar pela reunião de milhares de famílias separadas pela guerra. Seul se dispôs a fornecer ajuda financeira para a economia decadente de Pyongyang e, eventualmente, se esforçar pela reunificação da Península Coreana.

4 de outubro de 2007

O presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun (E), e Kim Jong-il selaram, com um brinde, a segunda cúpula histórica entre os países, também em Pyongyang. Os dirigentes firmaram uma declaração em prol do desenvolvimento das relações intercoreanas, e da paz e da prosperidade. O documento apelou por diálogos internacionais para substituir o armistício que pôs fim à Guerra da Coreia com um tratado de paz permanente.

Eu acho...

“Qualquer progresso em eventuais negociações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte exigirá concessões. Kim Jong-un provavelmente busca o alívio das sanções, a redução de ameaça representada pelos militares americanos e, se os diálogos progredirem, ele demandará um acordo de paz e a normalização de laços com os EUA, como requisitos finais para a desnuclearização.”

Tong Kim, especialista do Instituto de Estudos Coreano-Americanos da Universidade da Coreia e professor visitante da Universidade de Estudos Norte-Coreanos

“O julgamento dos Estados Unidos sobre como responder à oferta de diálogo de Pyongyang dependerá do que o presidente Donald Trump ouvirá de Chung Eui-yong — chefe do Escritório de Segurança Nacional e negociador-chefe da Coreia do Sul — e de qualquer comunicação direta adicional entre Washington e Pyongyang. Ao se encontrar com Trump e com Kim, Chung duplicará o número de pessoas que estão nos círculos sociais de ambos os líderes.”

Scott Snyder, especialista em Coreia do Norte e diretor do Programa sobre Política EUA-Coreia do Norte do Conselho de Relações Exteriores (CFR)