Correio braziliense, n. 20019, 13/03/2018. Política, p. 4

 

Supremo de canetas isoladas

Bernardo Bittar 

13/03/2018

 

 

JUSTIÇA » Apesar de a presidente Cármen Lúcia ser criticada por colegas pelo comportamento “centralizador”, números mostram que, no ano passado, 90% das decisões tomadas pela Suprema Corte foram monocráticas

Enquanto decisões monocráticas são, praticamente, a regra do Supremo Tribunal Federal (STF), a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, é criticada por colegas por ter uma posição “individualista”. Ministros acreditam que três hábitos dela dificultam a convivência: avocar decisões importantes, evitar conselhos dos outros e, raramente, priorizar os debates de temas que dizem respeito ao colegiado. A postura evidencia o isolamento dela, qualificada como “muito centralizadora”. Entretanto, a prática se repete em todos os gabinetes. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 26,5 mil julgamentos de mérito realizados pelo STF em 2017, 13,6 mil, 51,3% do total, foram realizados por um único ministro, sem a participação dos demais membros da Corte. E, quando incluídos diferentes tipos de recursos judiciais, as decisões monocráticas corresponderam a 90% das 113,6 mil proferidas no ano passado.

“As decisões monocráticas, sejam elas da presidente, do vice, ou dos demais ministros, como vemos acontecer, os aproximam ainda mais do poder. O STF é uma instância extraordinária e o plenário não tem condição de analisar tudo aquilo que é levado à discussão. Aí a gente esbarra nas decisões individuais. A diferença é que a presidente tem caneta suficiente para impedir a análise de assuntos que prefere evitar, é superpoderosa. E isso acaba desagradando aos outros”, explica o advogado Tony Chalita, especialista em direito constitucional.

No último fim de semana, o ministro Marco Aurélio Mello falou à coluna Brasília-DF, do Correio, que “o clima na Corte está muito ruim” por causa da “distância” de Cármen Lúcia dos outros magistrados. “Temos que ter dados mais concretos e objetivos quanto à definição da pauta. À esta altura, a nossa presidente está muito poderosa. Não conversa, não reúne o colegiado para debater. Está ruim. Muito ruim. Num colegiado de cúpula, o entendimento é o que deve prevalecer”, disse o ministro, alertando que as críticas são construtivas. Marco Aurélio é um dos poucos integrantes do Supremo que fala abertamente sobre a personalidade da presidente.

O motivo da crítica é porque a presidente do STF se recusa a pautar duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), a 43 e a 44, que questionam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O assunto ganha mais visibilidade porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a se enquadrar nesse caso, após a condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pode ser preso até o fim deste mês. Outros ministros até conversam com a imprensa, mas preferem não se envolver publicamente com os assuntos tratados. “Enquanto você está sentado naquela cadeira (a da presidência), ninguém vai comprar uma briga”, declarou um ministro que pediu para não ser identificado. “A personalidade muito centralizadora faz com que os assuntos de interesse público fiquem perdidos. Se o presidente conversa com os pares e pondera um entendimento, tem mais chances de acertar. Quando isso não acontece, voa-se sozinho”, disse outro.

 

Mapeamento

De acordo com dados do Supremo Tribunal Federal (STF), cerca de 90% das decisões, em 2017, foram monocráticas. Confira números:

No ano passado, o STF recebeu 103,6 mil processos, pouco mais de 10% que no ano anterior, quando foram registrados 90,3 mil.

Em um panorama mais amplo, com a inclusão dos diferentes tipos de recurso judicial, as decisões monocráticas corresponderam a 90% das 113,6 mil proferidas em 2017.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos 26,5 mil julgamentos de mérito realizados pelo STF em 2017, 13,6 mil, 51,3% do total, foram feitos por um único ministro, sem a participação dos demais membros da Corte.

Os 11 ministros da Corte recebem ajuda de 25 magistrados requisitados de outros tribunais.

 

Fonte: Conselho Nacional de Justiça (CNJ)