O globo, n.30783 , 17/11/2017. PAÍS, p.3

NOITE NA CADEIA

JULIANA CASTRO

MIGUEL CABALLERO

MARCO GRILLO

 

 

Picciani, Melo e Albertassi se juntam a Cabral, em Benfica, após TRF- 2 decretar suas prisões

 

No dia em que se completa um ano de sua prisão, o ex- governador do Rio Sérgio Cabral acordou hoje com a companhia de mais três aliados na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte: o presidente da Assembleia Legislativa do Rio ( Alerj), Jorge Picciani, o ex- presidente da Casa Paulo Melo e o líder do governo, Edson Albertassi, todos do PMDB. Os três se entregaram à Polícia Federal num intervalo de uma hora na tarde de ontem, após o Tribunal Regional Federal da 2 ª Região ( TRF- 2) determinar as prisões, pedidas pelo Ministério Público Federal ( MPF) na Operação Cadeia Velha.

A decisão é um marco nas investigações contra a corrupção no Rio sob diversos aspectos. Pela primeira vez, o presidente do Legislativo do Rio é preso no exercício do cargo. Picciani é o personagem mais influente do partido que detém a hegemonia da política fluminense nas últimas décadas. Comanda a Alerj com mão de ferro e é chamado de “chefe” por vários de seus colegas. Assim como Cabral e Picciani, Paulo Melo também já presidiu a Alerj. Desde 1995, a cadeira principal do Legislativo do Rio só foi ocupada por Cabral, Picciani e Melo, todos presos.

Foi, ainda, a primeira vez que a LavaJato no Rio levou à cadeia autoridades com mandato. A lei determina que prisões de parlamentares no exercício do mandato precisam ser submetidas ao Legislativo, e é justamente a Alerj que terá o poder de manter ou derrubar a prisão dos três deputados, em votação marcada para hoje. O mais provável é que os colegas livrem seus pares do presídio.

Os três se apresentaram logo após o fim do julgamento, evitando o constrangimento de serem buscados em casa pela Polícia Federal.

Ao receber do MPF o pedido de prisão dos deputados, o relator da LavaJato no TRF- 2, desembargador Abel Gomes, decidiu levar a questão ao colegiado da Corte, em vez de decidir sozinho. O que se viu no tribunal foi uma sucessão de duras declarações dos juízes, unânimes em seguir o voto de Abel — apenas a desembargadora Simone Schreiber, em férias, não votou.

O relator concordou com a tese do MPF de que havia motivos para prisão em flagrante, uma vez que os acusados continuavam praticando o crime de lavagem de dinheiro. Pela lei, parlamentares só podem ser presos em flagrante. A 1 ª Seção Especial decidiu ainda que a decretação da prisão dos três peemedebistas ocasionava automaticamente o afastamento deles do mandato.

— Fazer política não é criar regras capazes de beneficiar estruturas financeiras mediante pagamento de propina — afirmou Abel Gomes.

Em seu voto, o relator lembrou que as acusações de que os deputados recebiam propina da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro ( Fetranspor) foram corroboradas por depoimentos de cinco delatores: o doleiro Álvaro José Novis; seu funcionário Edmar Dantas; o ex- executivo da Odebrecht Benedicto Júnior; o empresário de ônibus Marcelo Traça; e o ex- presidente do Tribunal de Contas do Estado ( TCE- RJ) Jonas Lopes.

O presidente da Alerj é acusado de receber propina de R$ 76 milhões, enquanto Paulo Melo teria ficado com R$ 54 milhões da Fetranspor para beneficiar as empresas. De acordo com as investigações, Albertassi recebia R$ 60 mil por mês até maio de 2017.

Seguiram o voto do relator os desembargadores Messod Azulay Neto, Paulo Espírito Santo, Marcelo Granado e Ivan Athié. Azulay Neto responsabilizou autoridades como os três deputados pelas crises financeira e mesmo de segurança por que o Rio tem passado.

— Entendo que o Rio de Janeiro está sem paz, carece de paz, a sociedade do Rio não tem paz e atribui isso a essas pessoas. Lamentavelmente, estas pessoas precisam ser afastadas do convívio da sociedade — assegurou. — O conjunto probatório é vasto. Eles não legislam em favor de quem os colocou lá, mas para as empresas. Estas condutas não constituíam fatos isolados, elas se encaixavam em um padrão estabelecido há mais ou menos 30 anos.

Paulo Espírito Santo também seguiu “na íntegra” o voto de Abel Gomes. Para o desembargador Marcelo Granato, o quarto a votar, “a prisão é adequada e necessária”:

— A reiteração criminosa é evidente. A prisão se torna, assim, adequada e necessária. Os sujeitos não param. Quem sabe a prisão possa pará- los.

A procuradora regional da República Silvana Batini, uma das representantes do MPF no julgamento, disse que a decisão foi histórica:

— A gente considera essa decisão histórica, importante e absolutamente necessária, porque o enfrentamento à criminalidade organizada no Rio precisa de decisões corajosas e que enxerguem a realidade dessa situação. Estamos contentes porque a decisão atende aos reclames da sociedade.

 

À ESPERA DA DECISÃO DA ALERJ

O advogado de Jorge Picciani, Nélio Machado, disse que a prisão de seu cliente é fruto de uma decisão “errada” e “ilegal” do tribunal e que recorrerá à Justiça nos próximos dias se a Alerj não derrubar a decisão. Paulo Melo divulgou nota: “Lamento profundamente, mas tenho a convicção de que ao analisar os documentos com tranquilidade no decorrer do processo, os desembargadores irão notar a inexistência de qualquer ilegalidade praticada e verão claramente a minha inocência. Sempre votei contra a pauta dos empresários dos transportes no Rio”. A assessoria de Edson Albertassi afirmou que ele “aguarda com tranquilidade a decisão do plenário da Alerj”, que “sempre exerceu seu mandato com seriedade e espirito público”.

 

 
 
TRÊS DÉCADAS NO PODER
 

 

- 1990

Calouro na Alerj

Picciani é eleito deputado estadual pela primeira vez

 

- 1993

Secretário de Brizola

Assume a secretaria de Esportes no governo de Leonel Brizola

 

- 2003

Presidente Picciani

Sucede a Cabral na presidência da Alerj no governo Rosinha

 

- 2010

Derrota nas urnas

Apoiado por Cabral, perde disputa pelo Senado e fica sem mandato

 

- 2014

A volta à Alerj

Com 76.590 votos, é eleito para o sexto mandato na assembleia

 

- 2015

5 vezes presidente

É reconduzido à presidência da Alerj com voto de 65 dos 70 deputados

 

- 2017

Cadeia Velha

Picciani é preso acusado de receber R$ 77 milhões em propina