Correio braziliense, n. 20022, 16/03/2018. Mundo, p. 14

 

Agora, sanções dos EUA

16/03/2018

 

 

RÚSSIA » Um dia depois de ser punido pelo Reino Unido e às vésperas de reeleger o presidente Vladimir Putin, o país tem 19 cidadãos e um grupo de agências oficiais sujeitos a represálias pela interferência na eleição do sucessor de Barack Obama

A três dias da eleição de domingo, em que Vladimir Putin deve conquistar o quarto mandato como presidente da Rússia, o cerco de países ocidentais a Moscou se intensificou, com a aplicação de novas sanções. Os Estados Unidos anunciaram ontem medidas contra 19 pessoas e cinco organizações russas acusadas de interferir na eleição presidencial de 2016 e de cometer ataques cibernéticos à infraestrutura norte-americana. Na véspera, a premiê britânica, Theresa May, tinha suspendido os contatos bilaterais de alto nível e expulsado 23 diplomatas da embaixada da Rússia em Londres. Ela acusa o Kremlin pelo envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal e de sua filha, Yulia, encontrados inconscientes no banco de um parque de Salisbury, sul da Inglaterra. Moscou nega as acusações e promete retaliar.

O anúncio de Washington ocorreu depois que líderes do Reino Unido, dos Estados Unidos, da Alemanha e da França condenaram, em nota conjunta, o envenenamento de Skripal, responsabilizando a Rússia pelo ataque, realizado com um agente neurotóxico.

“O governo enfrenta e resiste à atividade cibernética maligna da Rússia, incluindo a tentativa de interferência nas eleições americanas, os ataques virtuais destrutivos e as intromissões dirigidas à infraestrutura essencial”, afirmou, em comunicado, o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin.

Entre as 19 pessoas atingidas pelas sanções, 13 foram indiciadas recentemente pelo promotor especial Robert Mueller, que investiga a suposta interferência da Rússia na eleição presidencial, vencida pelo republicano Donald Trump. As medidas incluem o congelamento de ativos mantidos nos EUA, a proibição de acesso a propriedades em território americano e o veto a transações com empresas do país. Entre os alvos está a Internet Research Agency (IRA), empresa de informática russa acusada de usar perfis americanos falsos para produzir uma série de postagens nas redes sociais sobre as eleições americanas, com o objetivo de influenciar os eleitores.

Yevgeniy Viktorovich, o patrocinador da IRA,ligado ao presidente Putin, também foi penalizado. A lista inclui ainda duas agências de inteligência — o Serviço Federal de Segurança e a Direção Principal de Inteligência.

Primeiro pacote

Esse é o primeiro conjunto de sanções impostas à Rússia pelos EUA desde a aprovação, em junho do ano passado, de uma lei que atinge também, por razões diversas, o Irã e a Coreia do Norte. Com os votos de democratas e republicanos, ela foi assinada a contragosto pelo presidente Trump, interessado em uma aproximação com Moscou.

Em diferentes ocasiões, o republicano questionou a conclusão de agências de inteligência americanas de que a Rússia interferiu na campanha de 2016. Após críticas pela demora, somente agora o governo efetivou as medidas, as mais duras impostas à Rússia no contexto dessas acusações.

Segundo o Departamento do Tesouro, o governo russo tem promovido, pelo menos desde março de 2016, ciberataques a entidades estatais e a diversos setores sensíveis da infraestrutura dos EUA, sobretudo no setor de energia. O órgão acrescentou que continuará pressionando Moscou, devido a seus esforços contínuos para desestabilizar a Ucrânia e ocupar a Crimeia, além de atos de corrupção e de abusos dos direitos humanos.

Alguns parlamentares criticaram o que consideram uma retaliação inadequada para a alegada interferência russa nas eleições e os ataques cibernéticos. “As sanções de hoje (ontem) são uma decepção dolorosa e estão muito aquém do que é necessário para responder a esse ataque à nossa democracia”, declarou Adam Schiff, o democrata mais graduado no Comitê de Inteligência da Câmara dos Deputados.

O republicano Ed Royce, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, disse que “a ação de hoje (ontem), usando a autoridade conferida pelo Congresso, é um passo importante do governo. Mas é preciso fazer mais”.

Frase

“O governo enfrenta e resiste à atividade cibernética maligna da Rússia, incluindo a tentativa de interferência nas eleições americanas”

Steven Munchin, secretário do Tesouro dos EUA

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Bola na área para Putin

Silvio Queiroz

16/03/2018

 

 

Vladimir Putin chega às urnas para disputar o quarto mandato no Kremlin, no domingo, com uma situação que parece sob medida para emoldurar uma campanha que teve na confrontação com o Ocidente um dos seus carros-chefes. Não por acaso, ele recebeu a decisão britânica de expulsar diplomatas e desconvidar o chanceler Sergei Lavrov durante uma visita à península da Crimeia. Com extensa cobertura da mídia oficial, o presidente celebrava o quarto aniversário da anexação do território, até então ucraniano, à Federação Russa.

A pressão conjunta do Reino Unido e dos aliados da Otan, em resposta ao alegado atentado com arma química contra um agente duplo libertado há anos em uma troca de espiões, não é isenta de impactos para o Kremlin. Mas, ao menos no momento do anúncio, o retorno de um ingrediente clássico da Guerra Fria dá contornos apropriados ao discurso de um presidente formado na escola da antiga KGB soviética e determinado a recolocar a Rússia na primeira fila das disputas geopolíticas internacionais.

Um exemplo eloquente da estratégia eleita por Putin foi dado na semana passada, durante a apresentação de um novo conjunto de armas estratégicas ditas “invencíveis” — entre elas, um míssil hipersônico que teria sido testado com sucesso dias atrás. Sintomaticamente, no evento em que revelou ao mundo as novas joias de seu arsenal, o presidente russo exibiu uma animação que simulava um ataque ao estado americano da Florida, onde o presidente Donald Trump costuma passar fins de semana.

O novo mandato do chefe do Kremlin deve começar na contramão do clima de confraternização global que costuma marcar acontecimentos como as Copas do Mundo. O torneio da Rússia, em junho e julho, não terá a presença de representantes oficiais britânicos — nem diplomatas, nem integrantes da família real. Mas o milenar império euro-asiático, calejado desde a era soviética por embaraços como o boicote ocidental aos Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980, no ano seguinte à invasão do Afeganistão, aposta na memória curta da mídia.

Moscou aposta que os 90 dias que restam até o pontapé inicial serão o bastante para que o futebol se sobreponha à política.