Correio braziliense, n. 20016, 10/03/2018. Política, p. 2

 

Lava-Jato chega à conta de Delfim

Renato Souza 

10/03/2018

 

 

Casa e escritorio do economista foram alvo de mandados de busca. Ele é acusado por urn delator de ter recebido dinheiro a partir de esquema nas obras da Usina de Belo Monte. Defesa afirma que os recursos são fruto de honorários por consultoria

O ex-ministro e economista Antônio Delfim Neto foi um dos alvos da 49ª Fase da Operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal na manhã de ontem. Batizada de Operação Bouna Fortuna, a investigação apontou desvios de R$ 135 milhões nas obras da Usina de Belo Monte, próximo a Altamira, no sudeste do Pará. A investigação descobriu o envolvimento de agentes públicos e políticos no esquema. De acordo com o Ministério Público Federal, dos valores movimentados ilegalmente, R$ 60 milhões foram destinados ao PT; R$ 60 milhões, para o MDB e R$ 15 milhões para Delfim.

As investigações apontaram que o ex-ministro recebia o dinheiro por meio de empresas ligadas diretamente ou indiretamente a ele. A casa e o escritório de Delfim Neto foram alvos de mandados de busca, em São Paulo. O investigado foi citado na delação de Flávio Barra, ex-executivo da empreiteira Andrade Gutierrez, que faz parte do consórcio que atuou nas obras da hidrelétrica. Foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão em São Paulo e no Paraná. As autorizações judiciais foram expedidas pelo juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.

O MPF informou ao juiz Sérgio Moro que rastreou R$ 4 milhões ligados a Delfim. O procurador da República Athayde Ribeiro Costa informou que os valores foram bloqueados por ordem do magistrado. “As provas indicam que o ex-ministro recebeu 10% do percentual pago pelas construtoras a título de vantagens indevidas, enquanto o restante da propina foi dividido entre o PMDB e o PT, no patamar de 45% para cada partido”, afirmou.

A denúncia aponta que o consórcio Norte Energia, que contratou as empresas para a execução da obra, foi favorecido por servidores do governo federal. Fazem parte do grupo de empreiteiras contratadas a Andrade Gutierrez, a Camargo Correa, a Odebrecht, OAS e a J. Malucelli, que pela primeira vez, aparece na Lava-Jato. No esquema, o consórcio teria que depositar propina no valor de 1% de cada contrato para políticos e demais envolvidos. Informações prestadas pela Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e executivos ligados ao setor de construção, fundamentaram o trabalho das equipes que atuaram para descobrir o esquema.

Parte das investigações corre na Procuradoria-Geral da República, por envolver pessoas com foro por prerrogativa de função. O restante está em tramitação na Justiça Federal do Paraná. As autoridades precisaram quebrar o sigilo telefônico, telemático, fiscal e bancário de suspeitos para comprovar as informações prestadas em acordos de leniência.

A defesa de Delfim Neto alegou, em nota, que “o professor não ocupa cargo público desde 2006 e não cometeu nenhum ato ilícito em qualquer tempo. Os valores que recebeu foram honorários por consultoria prestada”. A Camargo Corrêa ressaltou que “foi a primeira grande empresa do setor a firmar acordo de leniência para corrigir irregularidades e colaborar de forma permanente com as autoridades”. Ainda, de acordo com a companhia, “o referido acordo permitiu ampliar as investigações com avanços importantes para a consolidação de ambiente de negócios baseado na ética e na competência técnica”.

O professor
Nas planilhas da Odebrecht Delfim Neto foi identificado com o codinome “o professor”. Ele foi ministro da Fazenda durante o regime militar e ficou conhecido por executar um “milagre econômico” no país (leia mais abaixo). O ex-ministro também é professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP).  No ano passado, Delfim foi citado no escândalo Panamá Papers. De acordo com documentos revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, ele tinha ao menos duas contas abertas nas Ilhas Virgens Britânicas, que são consideradas paraísos fiscais. Os documentos confidenciais, que foram vazados do escritório Mossack Fonseca, revelaram que nenhuma das contas tiveram movimentações financeiras.

Em nota, a Andrade Gutierrez informa que apoia toda iniciativa de combate à corrupção, e que visa a esclarecer fatos ocorridos no passado. “A companhia assumiu esse compromisso público ao pedir desculpas em um manifesto veiculado nos principais jornais do país e segue colaborando com as investigações em curso dentro do acordo de leniência firmado com o Ministério Público Federal.” Por fim, a empresa diz que “incorporou diferentes iniciativas nas suas operações para garantir a lisura e a transparência de suas relações comerciais, seja com clientes ou fornecedores, e afirma que tudo aquilo que não seguir rígidos padrões éticos será imediatamente rechaçado pela companhia”.