Valor econômico, v. 18, n. 4443, 16/02/2018. Brasil, p. A2.

 

 

Especialistas criticam planos de segurança que não saem do papel e novo ministério

Fabio Murakawa, Vandson Lima, Andrea Jubé e Ligia Guimarães

16/02/2018

 

 

Na reta final de seu mandato e um ano depois de anunciar um novo Plano Nacional de Segurança Pública que não saiu do papel, o anúncio de que o governo estuda criar um novo ministério para a Segurança Pública foi recebido com ceticismo por especialistas no tema. "Parece muito mais algo de marketing político", disse o pesquisador André Zanetic, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP, que não vê impacto positivo da iniciativa para a segurança pública".

A criação do novo ministério, a ser decidida nos próximos dias pelo presidente Michel Temer, faz parte da estratégia sinalizada ontem pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR): vendo minguar as chances de aprovação de reforma da Previdência, o governo deve voltar o foco à segurança pública, uma das questões que mais preocupam a população. "Se depender de mim, esse será o foco central do governo a partir do mês que vem", disse Jucá.

O esboço de uma medida provisória instituindo a nova pasta foi entregue a Temer em dezembro, mas o presidente ainda avalia prós e contras. O Ministério da Segurança seria também uma forma de atender a uma demanda da bancada da bala no Congresso, que almeja indicar o ministro, como mostrou reportagem do Valor ontem.

"Segurança hoje é um tema em que o governo federal precisa se aprofundar. E esse tema está sendo cobrado pela sociedade. A criação do Ministério da Segurança ajuda a coordenar ações de Estados e municípios", afirmou Jucá. "Mas não está batido o martelo ainda."

O sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca que a criação de um ministério pode fazer pouco sentido também do ponto de vista fiscal. "Hoje, com o teto dos gastos, não adianta criar o ministério sem ter dotação orçamentária", afirma. "O Brasil chegou em um patamar de gasto público que vai ter que transformar custo em investimento, que é o grande desafio do governo federal. E como faço isso? Racionalizando atividades. Não é concentrando o gasto em um ministério e pulverizando outras atividades da União ", diz.

"A Polícia Federal vai abrir mão do controle de armamentos? A Anatel vai abrir mão do bloqueio de celulares? Um ministério tende a ser sugado para mais do mesmo: gerenciar ações pontuais de polícia e assessoria técnica para os Estados", prevê Lima.

As novas medidas de combate à violência, se confirmadas, serão a terceira tentativa em nível nacional de ter uma estratégia de segurança: só nos governos Dilma Rousseff e Temer, já foram dois planos nacionais de segurança pública que acabaram engavetados. No segundo governo Dilma, a criação de um plano de segurança pública era apontada como uma das principais metas da presidente, mas não chegou a ser colocado em prática.

Quando assumiu o Ministério da Justiça, em 2016, Alexandre Moraes, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciou que novo plano seria desenhado do zero. As medidas foram anunciadas em janeiro de 2017, quando 56 detentos morreram em um presídio de Manaus. O plano previa a construção de cinco presídios e a adoção de penas alternativas para crimes menos graves a fim de reduzir a superlotação.

"A dificuldade do governo federal em assumir o protagonismo na segurança pública não é de hoje. Embora tenham sido feitos avanços tímidos na política de segurança pública no governo FHC, Lula e Dilma, todos falharam nessa questão", afirma Zanetic, da USP.

Embora a violência ganhe cada vez mais espaço entre as preocupações dos eleitores, Estados e União "empurram" há décadas a responsabilidade pela solução do problema. A Constituição atribui aos Estados o papel de gerir as polícias, mas não detalha o papel de cada ente federativo no combate ao crime, como acontece na saúde e na educação, por exemplo.

Jucá negou que a criação do novo órgão esvaziará o Ministério da Justiça, ao retirar de sua alçada a Polícia Federal. Também negou que a nova pasta seja um artifício melhorar os baixíssimos índices de aprovação do governo. "Se entender que deve criar, é para melhorar a atuação. E se melhorar a atuação do governo, melhora a imagem", afirmou.

No Senado, a segurança pública também deve ganhar espaço. A pauta da semana que vem prevê a votação de medidas voltadas ao endurecimento de penas, como dois projetos que alteram o Código Penal.

Paralelamente, o governo tenta lidar com uma crise migratória em Roraima, onde há cerca de 40 mil refugiados venezuelanos em situação de vulnerabilidade. Ontem, foi divulgada o texto da MP que será publicada hoje e estabelece procedimentos relativos à situação de "emergência social" no Estado.

O documento determina a criação de comitê formado por 12 ministros, que coordenará as ações, prevê a liberação de recursos emergenciais, sem mencionar o valor, e abre possibilidade para a distribuição dos migrantes no território nacional.

O texto também estabelece que os órgãos governamentais deverão priorizar as transferências de recursos. O documento diz que as ações de caráter emergencial "correrão à conta dos orçamentos dos órgãos e das entidades participantes", com a ressalva de que a execução das ações "fica sujeita às disponibilidades orçamentárias".