Valor econômico, v. 18, n. 4443, 16/02/2018. Brasil, p. A3.

 

 

Governo estuda mudança em antidumping

Daniel Rittner

16/02/2018

 

 

Um novo foco de polêmica em torno da aplicação de medidas antidumping está à beira de instalar-se no governo. A equipe econômica quer mudanças nos processos de investigação contra fornecedores estrangeiros acusados pela indústria nacional de avançar no mercado brasileiro adotando práticas desleais de comércio. Para o Ministério da Fazenda, é preciso resistir à tentação de medidas protecionistas e integrar mais rapidamente o país às cadeias globais de produção.

Hoje, quando uma empresa alega ser vítima de dumping, ela pede abertura de investigação ao governo contra os seus concorrentes externos. O Departamento de Defesa Comercial (Decom) - subordinado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) - mobiliza então sua equipe para verificar a existência de três fatores: dumping (a empresa exporta ao Brasil um produto por preço inferior ao praticado em seu mercado de origem), dano àquele setor por causa da competição desleal e relação direta entre as duas coisas.

O que chega às mãos dos oito integrantes do conselho de ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), máxima instância decisória do governo, é uma recomendação do Decom com base em suas investigações. Caso tenha achado evidências de dumping, o departamento sugere uma sobretaxa à tarifa de importação normalmente aplicada para aquele produto. A sobretaxa vale para o fornecedor ou grupo de fornecedores alvo do processo e tem até cinco anos de vigência.

A mudança desejada por auxiliares do ministro Henrique Meirelles é ter em todas investigações um segundo parecer, conduzido pelas secretarias de Promoção da Produtividade e de Assuntos Internacionais (ambas da Fazenda), com análise mais ampla: impactos potenciais sobre a inflação, sobre o ambiente concorrencial no país, sobre o risco de represálias comerciais a exportações brasileiras. Seria uma manifestação técnica mais encorpada do que a existente hoje e com peso semelhante ao do documento elaborado pelo Decom.

"É para equalizar os argumentos levados ao conselho da Camex", diz uma pessoa familiarizada com as discussões, que ainda estão sendo feitas pelos técnicos e não chegaram ao nível de ministros. Para outra fonte, hoje os ministros ficam "reféns" de um único parecer e isso cria dificuldades para suas deliberações.

A Confederação Nacional de Indústria (CNI) teme que o cerco às medidas antidumping seja ainda maior. A entidade desconfia que esteja em curso um movimento, patrocinado pela equipe econômica, para embarreirar logo de cara o início de investigações. De acordo com os industriais, a abertura de pesquisa para detectar existência de práticas desleais de comércio deixaria de ser uma decisão autônoma do Decom e migraria para a própria Camex. Se isso ocorrer, a investigação dependeria de uma manifestação prévia do grupo de trabalho encarregado da análise do "interesse público" na medida.

O presidente da CNI, Robson Andrade, demonstra contrariedade. "Setores do governo correm o risco de prejudicar a indústria e destruir empregos se continuarem confundindo antidumping com protecionismo", afirma o empresário. Para ele, as medidas já passam por uma análise técnica adequada sob responsabilidade do Decom. "Criar uma aprovação prévia pela Camex só tornaria o processo politizado, burocrático e lento. O antidumping é um instrumento do qual nem governo, nem indústria podem abrir mão."

Andrade lembra que, no Brasil, menos de 1% das importações são afetadas por medidas do gênero. Além disso, segundo a CNI, trata-se de um "mito" afirmar que o país tem excesso de investigações. O número de petições da indústria analisadas pelo Decom diminuiu de 125 em 2011, em meio à guerra comercial deflagrada pela crise financeira mundial, para 30 em 2016. Do total de investigações abertas, 53% transformam-se efetivamente em direito antidumping. A proporção é muito maior em países como Turquia (90%), China (80%), Índia (72%), Estados Unidos (65%), Europa (63%) e África do Sul (57%).

O "interesse público" foi a justificativa do governo para rejeitar a aplicação imediata de sobretaxa aos laminados planos de aço da China e da Rússia no mês passado. Três siderúrgicas brasileiras - CSN, ArcelorMittal e Gerdau Açominas - sustentavam que fornecedores dos dois países exportavam ao Brasil com preços artificialmente baixos. O Decom comprovou a acusação e identificou risco de dano. A Fazenda entendia que a adoção de sobretaxa era prejudicial à economia como um todo. Essa posição acabou prevalecendo no conselho da Camex.

O ministro interino da Indústria, Marcos Jorge de Lima, classifica o sistema de defesa comercial como "criterioso" e lembra que as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) são seguidas à risca. "Nosso objetivo continua sendo um só: coibir práticas desleais. Qualquer tentativa de interferir nesse procedimento é um risco grande e poderá causar insegurança jurídica."