Valor econômico, v. 18, n. 4443, 16/02/2018. Brasil, p. A4.
Recurso 'empoçado' explica gasto menor em 2017
Ribamar Oliveira
16/02/2018
O governo gastou R$ 30 bilhões a menos do que tinha programado em 2017 porque "os recursos ficaram empoçados", segundo explicação de fonte da área econômica ao Valor. De agosto a dezembro, segundo a fonte, os ministérios e demais órgãos públicos gastaram menos do que foi autorizado pelos decretos de programação orçamentária e financeira.
"Não houve controle de pagamento na boca do caixa para a despesa ficar abaixo do programado", explicou uma autoridade. "Os recursos simplesmente ficaram empoçados", disse. "Os órgãos tinham autorização para gastar e, durante todo o segundo semestre do ano passado, as despesas realizadas ficaram abaixo dos limites autorizados".
No fim de 2017, o Ministério da Saúde foi quem ficou com mais dinheiro em caixa (R$ 4,4 bilhões), de acordo com dados do Tesouro aos quais o Valor teve acesso. Um total de R$ 4,8 bilhões das emendas parlamentares não foi pago, mesmo com o dinheiro estando à disposição dos ministérios.
Segundo o Tesouro, o Ministério da Justiça ficou com R$ 1,2 bilhão em caixa e o Ministério da Educação, com R$ 900 milhões, entre outros. No total, os ministérios deixaram de gastar R$ 14,2 bilhões liberados para despesas discricionárias e R$ 2,6 bilhões para pagar despesas obrigatórias com controle de fluxo.
Não houve, no entanto, economia efetiva. As despesas foram empenhas, mas não foram pagas. O empenho é a autorização para o gasto, que precisa ter sua realização comprovada para somente depois ser pago. Como foram empenhadas, as despesas terminaram inscritas em restos a pagar no Orçamento de 2018. Ou seja, pressionarão o Orçamento deste ano.
Quando a receita começou a melhorar, a partir de agosto do ano passado, a fonte explicou que o governo deu início a um processo de descompressão dos gastos, liberando as despesas que estavam bloqueadas. "Não faltou dinheiro no segundo semestre, mas, mesmo assim, o gasto ficou abaixo do autorizado", afirmou. "O dinheiro era liberado, mas não era gasto. Ficou empoçado", disse.
Segundo os dados do Tesouro, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público da União (MPU) também não usaram todo os seus limites legais, pois deixaram de gastar R$ 2,2 bilhões. No total, R$ 8 bilhões liberados para despesas obrigatórias não foram utilizados.
Várias foram as razões para o menor gasto em 2017, de acordo com a autoridade. Diante da redução expressiva da projeção para a receita da União, que provocou um contingenciamento de R$ 42,1 bilhões das dotações orçamentárias, anunciado pelo governo no início do ano, os gestores públicos partiram para ajustes das contas dos seus órgãos. Os ajustes foram feitos por meio de revisões de contratos, corte de gastos e outras medidas de economia, disse a fonte.
Outra razão apontada é a dificuldade de execução de despesas com receitas vinculadas, mas que tem a sua execução descentralizada. Esse é o caso, por exemplo, dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), que são transferidos aos Estados e municípios, de acordo com uma série de critérios que precisam ser cumpridos. A dificuldade de pagar as emendas parlamentares decorre do fato de que o governo federal é obrigado a assinar convênios com municípios, o que demanda tempo.
Houve também, de acordo com a fonte, desvio nas estimativas feitas para algumas despesas importantes. O gasto com abono salarial e com seguro-desemprego ficou R$ 2,7 bilhões abaixo da previsão encaminhada ao Tesouro pelo Ministério do Trabalho. A despesa com subsídios e subvenções foi R$ 1,5 bilhão menor do que o projetado.
Outra razão é a maneira como algumas despesas são contabilizadas. Uma parte do gasto com benefícios previdenciários só é pago no início de janeiro, mas precisam ser empenhadas em dezembro do ano anterior. Para fazer o empenho, o gestor precisa ter limite financeiro, ou seja, ter autorização para pagar o gasto.
Mas como só impacta o caixa do Tesouro no ano seguinte, quando a despesa é efetivamente paga, o gasto com benefícios previdenciários executado fica menor do que o programado. Em 2017, a diferença foi de R$ 4,2 bilhões, segundo o Tesouro. Esse método é conhecido na área técnica como "pagamento de fronteira". Ele é utilizado também para parte da despesa com pessoal relativa a dezembro, que só é efetivamente paga em janeiro. Assim, o gasto efetivo com pessoal fica menor do que o programado. A diferença em 2017 foi de R$ 1 bilhão.
Consultado sobre a existência de disponibilidade de R$ 4,4 bilhões em seu caixa no fim de 2017, o Ministério da Saúde informou que "o valor é o resultado de uma gestão austera para o melhor planejamento do gasto público e a expansão dos serviços à população".
Segundo nota da assessoria do ministério, "a partir da revisão e renegociação de contratos reduzindo seus preços sem perder escopo, o Ministério da Saúde economizou R$ 4,5 bilhões. Isso permitiu que novas habilitações pudessem ser realizadas".