Valor econômico, v. 18, n. 4454, 05/03/2018. Brasil, p. A2.

 

 

BNDES deveria se concentrar em estimular a inovação, indica estudo

Ana Conceição

05/03/2018

 

 

A fim de resgatar o papel de indutor do desenvolvimento, o BNDES deveria reformular sua política de crédito partindo de quatro metas: incentivo à inovação, aumento da produtividade, da competitividade e da inserção internacional das empresas brasileiras, sobretudo as pequenas e médias. A proposição é de João Furtado, doutor em Economia pela Universidade Paris 13 e diretor da Elabora Consultoria. Tendo como partida essas metas, o economista, especializado em estratégias e políticas industriais, escreveu um estudo em que faz dez propostas para um "novo" BNDES.

O texto de Furtado é o segundo de uma série apoiada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) com o propósito de discutir o papel do banco no futuro do país. O primeiro, divulgado em janeiro, escrito pelo economista Ernani Teixeira, professor da UFRJ e ex-superintendente da instituição, propunha o fim da relação entre o BNDES e o Tesouro Nacional.

Algumas das principais propostas de Furtado envolvem mudanças no Finame, programa de financiamento para produção e aquisição de máquinas e equipamentos novos de fabricação nacional. "O Finame deveria se orientar pela promoção da inovação, do desenvolvimento tecnológico", afirma. Ele diz que a linha, a mais antiga do BNDES, precisa financiar a modernização da indústria e de outros setores, aumentando a competitividade das empresas nos mercados interno e externo.

O cadastro de produtos que podem ser financiados hoje pelo Finame é "velho e estático", diz o estudo, muito voltado para produtos como caminhões e ônibus, por exemplo, e incapaz de orientar a evolução da produção e da tecnologia. A ideia que a linha passe a financiar itens como serviços tecnológicos, design, consultorias de engenharia, programas de manufatura avançada, entre outros. Outra proposta dentro do escopo do Finame seria a criação de linhas subsidiadas em três eixos: exportação, bens de consumo e infraestrutura, este com uma vertente para estimular a chamada indústria 4.0.

O BNDES tem atualmente programas voltados à inovação, como o Finem e o Criatec, mas são de pequena escala, dão poucos incentivos e são muito seletivos, diz Furtado.

As proposições do estudo ainda incluem a criação de um fundo para investimento em companhias de base tecnológica, que possam contribuir para aumentar a produtividade da economia. Também preveem a elaboração de um programa de internacionalização de empresas, financiamento de incubadoras tecnológicas para pequenas e médias empresas no exterior, apoio à economia de baixo carbono, desenvolvimento de tecnologias para conciliar a agricultura familiar e serviços ambientais e apoio a novas formas de geração de energia.

Um ponto importante dessa política é estimular pequenas e médias empresas inovadoras, que têm dificuldade de conseguir crédito em bancos comerciais. "Não há quem aposte nelas. E a missão do BNDES é apoiar o que é novo. Para apoiar o que existe, o que já dá certo, existe o mercado", afirma Furtado. O estudo não exclui o crédito a grandes empresas, desde que seus projetos atendam aos critérios de inovação, produtividade e competitividade. Mas ele pondera que o desafio é não privilegiar o que chama de "núcleo superior", a elite empresarial.

"São as pequenas e médias empresas que vão rejuvenescer o tecido empresarial brasileiro", afirma. Esse "rejuvenescimento" é essencial para o desenvolvimento da economia, diz.

Furtado reconhece que tais propostas não são compatíveis com a Taxa de Longo Prazo (TLP), que passou a remunerar os empréstimos do BNDES e que se aproxima das taxas de juros praticadas pelo mercado. "Se vou financiar mil pequenas empresas que não conseguem crédito privado, tenho que emprestar mais barato. Isso tem que ser colocado no orçamento [da União]", diz. Mas a conta fecha no longo prazo, defende, por meio do efeito multiplicador sobre a economia. "Apoiar empresas com alto potencial de crescimento gera um impacto fiscal positivo no futuro", afirma o economista, que também defende a extinção de garantias para os empréstimos a empresas inovadoras. "A exigência de garantias é a maior restrição ao rejuvenescimento do meio industrial do país", diz. A equipe do BNDES tem conhecimento suficiente para fazer análise de risco de empresas com alto potencial de crescimento, afirma. "Alguém precisa se preocupar com o investimento que não cabe na lógica do crédito privado, mas que gera benefícios socioeconômicos".

Por fim, o economista sugere que o banco de fomento desenvolva a capacidade de apoiar projetos de cooperação entre grupos de empresas, de um lado, e instituições de pesquisa públicas ou privadas, fundações de amparo à ciência e fundos, de outro.