O globo, n. 30789, 23/11/2017. País, p. 3

 

Todos presos - Os três ex-governadores do Rio eleitos desde 1998 estão na cadeia

Marco Grillo

23/11/2017

 

 

Todos os donos do poder político do Estado do Rio nas últimas duas décadas dormiram ontem na prisão. Já estavam atrás das grades, na cadeia de Benfica, o ex-governador Sérgio Cabral e os deputados estaduais afastados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos da cúpula do PMDB fluminense. Agora eles têm a companhia do ex-governador Anthony Garotinho, exaliado e o maior adversário de Cabral e de seu grupo. A ex-governadora Rosinha Garotinho também foi e deve passar por Benfica. O casal foi detido na Operação Caixa d’Água, da Polícia Federal e do Ministério Público Eleitoral de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.

Garotinho e Rosinha são acusados de integrarem uma organização criminosa que arrecadava recursos ilícitos para o financiamento de campanhas eleitorais próprias e de aliados, inclusive mediante extorsão. Entre as doações suspeitas, está um repasse de R$ 2,6 milhões da JBS para a campanha de Garotinho ao governo em 2014. A negociação foi concretizada por meio de um contrato de fachada com uma empresa chamada Ocean Link. O pagamento foi revelado pelo delator Ricardo Saud, executivo da JBS que prestou depoimento em agosto na Superintendência da PF no Rio. Sócio da Ocean Link, o empresário André Luiz Rodrigues, também delator, confirmou a triangulação.

No pedido de prisão preventiva, o Ministério Público (MP) argumenta que a organização criminosa ainda está em atividade, tentando intimidar testemunhas e obstruir as investigações. É a terceira vez, em um ano, que o ex-governador é preso — foi solto pelo Tribunal Superior Eleitoral anteriormente.

“Demonstra o citado réu (Garotinho) personalidade voltada para a prática de crimes, bem como conduta social negativa, uma vez que faz dos delitos uma forma característica do seu atuar na sociedade para obter hegemonia política e se sustentar no poder”, escreveu na decisão o juiz Glaucenir de Oliveira, da 98ª Zona Eleitoral de Campos.

O casal Garotinho também é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, extorsão e crime eleitoral de declaração falsa na prestação de contas. A estrutura, segundo a investigação, funcionou nas eleições de 2010, 2012, 2014 e 2016. Uma testemunha contou que os integrantes se referiam ao esquema como caixa d’água, por isso o nome da operação: seria necessário arrecadar o máximo de recursos para depois resolver como seria feita a distribuição.

Oito mandados de prisão foram expedidos pelo magistrado. O presidente nacional do PR, Antônio Carlos Rodrigues, que teria intermediado a doação da JBS a Garotinho, está sendo procurado. Entre os detidos, estão o ex-secretário de Controle e Orçamento de Campos Suledil Bernardino; o ex-subsecretário de Governo da cidade Thiago Godoy; e o policial civil aposentado Antônio Carlos Ribeiro, conhecido como Toninho. A Justiça aceitou a denúncia, e os acusados já são réus pelos crimes imputados.

O policial é apontado como “braço armado” do grupo. O empresário André Luiz Rodrigues narrou, na delação premiada, que foi avisado por Toninho assim que a JBS fez o depósito para a Ocean Link. O policial apareceu em frente à casa do delator e pediu a ele que entrasse no carro. Toninho perguntou como estava a família do empresário e informou que ele deveria sacar o dinheiro, com duas pistolas à mostra. Como era um valor alto (R$ 2,6 milhões), Rodrigues foi ao banco em mais de um dia, retirando valores em torno de R$ 500 mil — em uma das ocasiões, relatou ter sido seguido por Toninho. Um funcionário do banco que presenciou os saques contou, em depoimento, que o policial o procurou recentemente com o objetivo de saber se tinha contado algo aos investigadores. Para o MP, é outra prova de que Garotinho e seu grupo tentavam obstruir a Justiça.

Em outro episódio, em agosto de 2014, a investigação afirma que Garotinho convocou uma reunião com empresários de construtoras de Campos que tinham contratos com a prefeitura, então comandada por Rosinha. No encontro, o ex-governador teria pedido R$ 5 milhões, via caixa dois, porque a campanha ao governo do Rio enfrentava dificuldades financeiras. Além de Rodrigues, o deputado estadual Geraldo Pudim (PMDB), então aliado de Garotinho e um dos coordenadores da campanha — hoje estão rompidos — confirmou a reunião à PF.

 

DEFESA: “MAIS UM CAPÍTULO DE PERSEGUIÇÃO”

Para forçar os empresários a doarem, Garotinho, de acordo com os investigadores, determinava ao secretário de Controle, Suledil Bernardino, que represasse os pagamentos devidos às empresas por serviços já prestados. A liberação ocorria como uma contrapartida ao repasse ilegal para as campanhas. Rodrigues afirmou que, no ano passado, foi procurado pelo ex-subsecretário de Governo Thiago Godoy com o pedido de doação de R$ 900 mil para vereadores aliados a Garotinho. O delator repassou R$ 600 mil, em espécie, e teve R$ 2,3 milhões pagos pela prefeitura, em dívidas de serviços já executados.

O empresário também contou na delação que colaborou, via caixa dois, com as campanhas de Garotinho a deputado federal, em 2010, e de Rosinha à reeleição em Campos, em 2012.

Em nota, Garotinho e Rosinha afirmaram que as prisões são “mais um capítulo da perseguição que vêm sofrendo” desde que o ex-governador fez denúncias contra Cabral. Garotinho disse ainda que “nem ele nem nenhum dos acusados cometeu crime algum”. A defesa de Antônio Carlos Rodrigues afirmou que ele vai se apresentar hoje à PF.

 

O QUE PESA CONTRA CADA UM

GAROTINHO

O ex-governador é acusado de chefiar organização criminosa que arrecadava dinheiro de forma ilícita com empresários para financiar as próprias campanhas e a de aliados, inclusive mediante extorsão.

ROSINHA

Ex-governadora, é acusada de integrar a mesma organização criminosa do marido. Segundo o MPdoRio,o grupo agiu entre 2009 e 2016, período em que ela foi prefeita de Campos, no interior do estado.

CABRAL

Preso há um ano, é réu em 16 ações. Em três delas, já foi condenado a penas que somam 72 anos. Entre as acusações, estão a cobrança de 5% de propina do valor dos contratos do estado e lavagem dinheiro com a compra de joias.

PICCIANI

De acordo com o MPF, entre 2010 e 2017, o hoje presidente afastado da Alerj recebeu propina, num total de R$ 76 milhões paga pela Fetranspor, federação que reúne as empresas de ônibus do Estado do Rio.

MELO

Assim como Picciani, o ex-presidente da Alerj Paulo Melo é acusado de receber propina da Fetranspor, num total de R$ 54 milhões, para defender os interesses das empresas de ônibus na Alerj.