O globo, n. 30789, 23/11/2017. País, p. 12

 

Restrição de foro caminha para aprovação no STF 

André de Souza e Carolina Brígido 

23/11/2017

 

 

BRASÍLIA — A possível mudança nas regras do foro privilegiado — assunto que será discutido nesta quinta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) — pode levar a uma ampla distribuição dos 531 inquéritos e ações penais abertos hoje na Corte. Segundo estimativas do relator, ministro Luís Roberto Barroso, 90% iriam para outras instâncias da Justiça, diminuindo a carga de trabalho do STF. Alguns processos contra o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Romário (Pode-RJ), o ex-prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes (PMDB) e o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Admar Gonzaga, por exemplo, passariam a tramitar em outros tribunais e varas de primeiro grau.

Ao todo, estão hoje no tribunal 436 inquéritos e 95 ações penais. Há ainda vários outros processos que estão em fases mais iniciais de investigação. Caso a proposta de Barroso saia vencedora, e suas estimativas se confirmem, sobrariam no STF cerca de 50 processos criminais envolvendo detentores de foro.

Para Barroso, a autoridade deve ser investigada pelo foro correspondente ao cargo ocupado na época em que o suposto crime foi cometido, desde que haja conexão direta dos fatos com a função pública. Se a autoridade for acusada de agressão doméstica, por exemplo, o julgamento deve ocorrer na primeira instância.

 

VITÓRIA DE BARROSO É DADA COMO CERTA

Outros três ministros já concordaram com ele quando começou a discussão, em maio. Mas um pedido de vista de Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento. Nos bastidores do STF, é dada como certa a vitória da proposta de Barroso. Entretanto, um grupo contrário à mudança da regra já planeja um novo pedido de vista para adiar o julgamento para data indeterminada. Dessa forma, ficaria aberto o caminho para a Câmara dos Deputados aprovar primeiro a proposta de emenda à Constituição que limita ao presidente da República, ao vice-presidente, à presidente do Supremo Tribunal Federal e aos presidentes da Câmara e do Senado a prerrogativa de foro.

A proposta da Câmara é uma reação à intenção do STF de mudar a regra do foro. Em tese, a proposta de Barroso privilegia magistrados e integrantes do Ministério Público. Enquanto os parlamentares ficam sujeitos à reeleição para manter o foro especial, juízes e procuradores têm o privilégio de forma contínua, porque ocupam cargos vitalícios.

Hoje, quando uma pessoa passa a ocupar um cargo com foro no STF — ao se eleger deputado federal ou senador, por exemplo — o processo em que é investigada vai para o STF. O tribunal, com 11 ministros e várias outras atribuições, não tem sido ágil em dar conta da demanda. Depois, se o réu deixa o cargo, o processo sai novamente do STF e volta para o juiz ou tribunal que o analisava antes. Essas idas e vindas atrasam ainda mais a conclusão de inquérito ou ação penal.

 

EXCEÇÃO PARA EVITAR ATRASOS

Em seu voto, Barroso abriu uma exceção para que alguns casos permaneçam no STF, mesmo quando não há relação com o exercício do cargo com foro. Ele ressaltou que os processos que já estiverem instruídos, prontos para serem julgados, devem continuar no STF para o julgamento final, sem mudança de competência. Isso porque a troca de foro nesta fase poderia atrasar a conclusão dos casos.

Uma ação penal que já levou à condenação do deputado Paulo Maluf (PP-SP) no STF por lavagem de dinheiro, mas na qual ainda cabem recursos, não correria risco, assim, de ir para a Justiça paulista e sofrer mais atrasos.

Ao votar, Barroso disse que 37 mil autoridades têm foro privilegiado, das quais mais de 800 no STF. O restante, em outros tribunais, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), os Tribunais Regionais Federais (TRFs) e os Tribunais de Justiça (TJs) dos estados.

Em 31 de maio, Barroso votou para que ficassem na corte apenas processos sobre crimes cometidos por autoridades no exercício do cargo, por fatos diretamente relacionados à função pública. Outros três o acompanharam: Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber.

Pelo menos outros dois votos são esperados para reforçar o time do relator: Luiz Fux e o relator da Lava-Jato, Edson Fachin. O mais antigo integrante do STF, Celso de Mello, também já deu declarações contrárias ao foro privilegiado.

Ainda na sessão de maio, antes de pedir vista, Alexandre de Moraes deu a entender que votaria contra a tese do relator. Embora não tenham votado, Gilmar, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski deram opiniões contrárias à mudança da regra do foro.

O julgamento pode deixar mais uma vez nítida a divisão do tribunal em dois grupos, capitaneados por Barroso e Gilmar Mendes. O clima entre os ministros continua ruim depois que Barroso acusou Gilmar em plenário, de ser leniente com a criminalidade do colarinho branco. Apenas um pedido de vista poderia evitar novos atritos.

 

RECADO PARA O CONGRESSO

Ao devolver a polêmica sobre o foro ao plenário do STF, Cármen Lúcia quer dar um recado aos parlamentares de que a corte está atenta a possíveis tentativas de desmonte da Lava-Jato.

O julgamento também é uma forma de tentar recuperar a imagem do tribunal, arranhada desde o mês passado, quando deu ao Congresso a última palavra em decisões sobre afastamento de mandato parlamentar. Cármen Lúcia foi quem ficou mais na berlinda. Foi dela o último e decisivo voto em prol do Congresso.

 

- PERGUNTAS E RESPOSTAS

Como é a proposta do ministro Luís Roberto Barroso?

A autoridade deve ser investigada pelo foro correspondente ao cargo ocupado na época em que o suposto crime foi cometido, desde que haja conexão direta dos fatos com a função pública. Se a autoridade for acusada de um crime comum, o julgamento deve ocorrer na primeira instância.

Se a proposta de Barroso for vitoriosa, os processos serão enviados à primeira instância automaticamente?

Não. O relator de cada processo terá que avaliar se as investigações se enquadram na nova regra do foro e decidir se o caso deve ser transferido.

A proposta do Congresso é uma reação à discussão do tema pelo Supremo Tribunal Federal?

Sim. Os deputados e senadores entenderam que a proposta de Barroso tem como alvo principal os políticos, apesar de o foro privilegiado beneficiar também membros do Judiciário e do Ministério Público. Como juízes e promotores ocupam cargos vitalícios, teriam direito ao foro permanentemente.

Se a Câmara dos Deputados aprovar o fim do foro no futuro, a decisão do STF fica nula?

Tecnicamente, a decisão do STF não será anulada. No entanto, uma Emenda Constitucional aprovada pela Câmara se sobrepõe ao entendimento do tribunal e, em tese, prevaleceria sobre este. A Corte pode, inclusive, receber nova ação questionando a regra eventualmente aprovada pelos deputados no futuro, o que levaria a um novo julgamento pelo tribunal.

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Limitação do benefício também avança na Câmara

Catarina Alencastro 

23/11/2017

 

 

-BRASÍLIA- Um dia antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento sobre a limitação do foro privilegiado, a Comissão de Comissão e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou ontem por unanimidade, em votação simbólica, uma proposta sobre o mesmo tema.

Todos os deputados que se manifestaram sobre o assunto foram favoráveis ao texto que já foi aprovado pelo Senado e que não acaba com a prerrogativa de foro, mas a limita ao presidente da República, ao vice-presidente, à presidente do Supremo Tribunal Federal e aos presidentes da Câmara e do Senado.

O Congresso tomou a iniciativa de discutir o assunto ao mesmo tempo que o Supremo, sob o argumento de que não pode deixar para o Judiciário a tarefa de legislar sobre um tema que afeta diretamente a vida dos parlamentares. A diferença entre o que propõe o Congresso e o que será julgado no STF é a abrangência do foro.

— É um tema que é demanda da sociedade brasileira. São momentos históricos que vão consolidando posições. A sociedade entende que é preciso fazer a evolução, coibir instrumentos que significam blindagem à corrupção — discursou o relator da proposta, deputado Efraim Filho (DEM-PB).

Como trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), após sua aprovação na CCJ, o texto segue para uma comissão especial, que será criada exclusivamente para discutir detalhes da proposta. Caso seja aprovada na comissão, ainda tem que ser enviada ao plenário da Câmara, onde será votada em dois turnos e precisa dos votos de 308 dos 513 deputados.

Se forem feitas alterações no texto aprovado pelo Senado, a matéria tem que ser analisada novamente pelos senadores.

— É importante construir um texto, já que o Supremo também pautou a matéria, para reorganizar esse tema. Há uma demanda grande da sociedade. Temos que buscar um texto que atenda aos anseios da sociedade e que mantenha o equilíbrio entre os poderes — opinou o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)