O globo, n. 30788, 22/11/2017. País, p. 4

 

Rio é dominado por ‘clima de terra sem lei’, afirma Dodge

Carolina Brígido 

22/11/2017

 

 

Procuradora-geral pede a Supremo que mantenha deputados presos

-BRASÍLIA- A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) de revogar a prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB. Segundo ela, o artigo da Constituição que permite aos legislativos revogar prisões contra parlamentares não deve ser acionado em casos excepcionais. Para Dodge, “a liberdade dos sujeitos ativos destes delitos põe concretamente em risco a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal”.

A ação foi sorteada para a relatoria do ministro Edson Fachin, que poderá decidir sozinho, em liminar, ou encaminhar ao plenário. Não há prazo para isso acontecer.

Diante da prisão, soltura e nova prisão de deputados do Rio, ministros do STF já tratam nos bastidores da necessidade de haver um outro julgamento na Corte, para esclarecer exatamente o que foi decidido em outubro em relação ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). Assim como outros legislativos estaduais e até municipais, a Alerj interpretou a regra como extensiva aos deputados estaduais. Ao menos quatro ministros do STF ouvidos reservadamente pelo GLOBO afirmam que a Alerj tem mesmo poderes para revogar as prisões, mas eles se dividem sobre a possibilidade de a Alerj analisar a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) de afastá-los do mandato.

Para Raquel Dodge, o “simples fato de a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, por ampla maioria, ignorar o quadro fático de crimes indica a anomalia e a excepcionalidade do quadro institucional vivido neste momento, a exigir resposta imediata e firme do Supremo Tribunal Federal”. Dodge acrescentou que a decisão do TRF-2 é importante para “remediar a situação de descalabro institucional no Rio de Janeiro”. E que as prisões não poderiam ter sido revogadas, pois estão “presentes anomalia institucional e situação de superlativa excepcionalidade”.

 

CASO EDUARDO CUNHA

Dodge citou a crise do Rio: “O fato de a resolução legislativa ter sido cumprida por ordem direta da Alerj, sem expedição de alvará de soltura pelo Poder Judiciário, é prova eloquente do clima de terra sem lei que domina o Estado”, observou.

Dodge lembrou que, em “situações excepcionais”, o STF já declarou que o legislativo não tem poderes para revogar prisões. Um dos exemplos citados foi o do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que foi preso no ano passado. “Em ação cautelar movida contra Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, o STF, pelo plenário, referendou medida cautelar de suspensão do exercício do mandato eletivo”.

Na ação, a procuradora também afirmou que a decisão tomada em outubro pelo STF não pode ser estendida a deputados estaduais. O Supremo decidiu que, se forem impostas medidas cautelares a parlamentares, como o afastamento do mandato, o legislativo pode revogar a decisão. “Ao contrário do que presumiu a Alerj, a decisão do STF é inaplicável à decisão judicial proferida pelo TRF da 2ª Região contra Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi”, afirmou Dodge.

A procuradora disse que a decisão foi específica para deputados federais e senadores, sem extensão a estados e municípios.

Na visão de um ministro do STF, a Corte não percebeu o impacto da decisão no julgamento sobre Aécio em outubro. Ele acredita que seria importante o Supremo analisar novamente o assunto — desta vez, com o enfoque nas consequências práticas estendidas aos deputados estaduais. A decisão do mês passado foi tomada em uma ação direta de inconstitucionalidade e, por isso, deve ser aplicada a todos os casos de deputados federais e senadores.

Os ministros que defendem a interpretação estrita da decisão do STF lembram que a ementa do julgamento, um resumo do que aconteceu no plenário, trata apenas de “parlamentares federais”.

 

INTERVENÇÃO IMPROVÁVEL

Os ministros ouvidos pelo GLOBO, no entanto, são unânimes em afirmar que a Alerj poderia, sim, ter analisado a prisão dos deputados. No entanto, esses ministros ponderam que a Alerj não tem poderes para emitir alvará de soltura.

No STF, é dada como improvável uma intervenção na Alerj. Esse pedido contra a assembleia foi aventado por integrantes do TRF-2 e teria como motivo o suposto descumprimento de decisão judicial.