O globo, n.30787 , 21/11/2017. PAÍS, p.3

PROVAS EM XEQUE

ANDRÉ SOUZA

BELA MEGALE

JAILTON CARVALHO

 

 

Segóvia assume comando da PF com críticas à investigação sobre a mala dos R$ 500 mil

A cerimônia de posse do novo diretor- geral da Polícia Federal, Fernando Segóvia, foi marcada por críticas à investigação que atingiu o presidente Michel Temer. Na primeira entrevista depois da solenidade de transmissão de cargo, Segóvia levantou dúvidas sobre o uso da mala de dinheiro do ex- assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures como prova de corrupção contra Temer. A mala recheada com R$ 500 mil, que estava com Rocha Loures e foi apreendida pela PF, serviu como peça central da primeira denúncia apresentada contra Temer pelo agora ex- procurador- geral Rodrigo Janot. Loures era, até então, um dos homens de confiança do presidente.

De forma atípica, Temer participou da transmissão de cargo do diretor da PF — usualmente, o ministro da Justiça é a principal autoridade presente.

Na entrevista, Segóvia se esqueceu da existência de um inquérito ainda em tramitação contra Temer. Só depois de confrontado por jornalistas com informações sobre o caso, o diretor- geral disse que as investigações serão mantidas e terão a mesma celeridade dos demais inquéritos abertos a partir da Operação Lava- Jato. O novo diretor também alimentou dúvidas sobre as tratativas finais do acordo de colaboração premiada dos executivos da JBS e também sobre a atuação do ex- procurador- geral no caso.

O novo chefe da PF colocou em xeque a mala de Rocha Loures como prova de corrupção contra Temer ao responder sobre investigações supostamente mal conduzidas. Segóvia disse que a apuração do caso foi encerrada precocemente pela Procuradoria- Geral da República. Para ele, se a Polícia Federal estivesse à frente do inquérito, a situação teria sido diferente.

— A gente acredita que, se fosse sob a égide da Polícia Federal, essa investigação teria de durar mais tempo, porque uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime, quem seriam os partícipes e se haveria ou não corrupção. É um ponto de interrogação hoje no imaginário popular brasileiro e que poderia ter sido respondido se a investigação tivesse mais tempo — disse.

 

JANOT: “ELE É MESMO UM PAU- MANDADO”

Janot reagiu às críticas. Para ele, Segóvia desconhece as leis e menospreza o trabalho da própria Polícia Federal.

— Ele é mesmo um pau- mandado — respondeu Janot, argumentando que, como Rocha Loures estava preso, as investigações tiveram que seguir os prazos estabelecidos em lei.

Janot lembrou ainda que a PF teve atuação destacada no caso desde o início das investigações.

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força- tarefa da Lava- Jato em Curitiba, também respondeu. “Sua opinião pessoal ( a de Segóvia) é totalmente desnecessária e sem relevância, ainda mais quando dada em plena coletiva após a posse que lhe foi dada pelo próprio denunciado”, escreveu o procurador, ironizando o fato de Temer ter participado da cerimônia.

A declaração do diretor- geral chocase com o relatório formal da própria Polícia Federal, que também participou diretamente das investigações sobre o suposto pagamento de propina a Temer por intermédio do ex- assessor Rocha Loures. “Diante do silêncio do mandatário maior da nação e de seu exassessor especial, resultam incólumes as evidências que emanam do conjunto informativo formado nestes autos, a indicar, com vigor, a prática de corrupção passiva”, sustenta o relatório sobre o caso escrito pelo delegado Thiago Machado Delabary.

A partir de um ação controlada, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal ( STF), a Polícia Federal também gravou imagens de Rocha Loures correndo com a mala de dinheiro pelas ruas de São Paulo, depois de receber a encomenda de Ricardo Saud, um dos executivos da J& F, controladora da JBS. Foi com base nessas e em outras informações que Janot denunciou Temer por corrupção passiva. Segundo a denúncia, Temer destacou o ex- assessor para negociar cargos e decisões estratégicas do governo com Joesley Batista, um dos donos da JBS.

A mala com R$ 500 mil seria apenas uma parcela de uma propina que, ao longo de 20 anos, poderia ultrapassar R$ 400 milhões, conforme cálculos da própria Polícia Federal. A denúncia foi barrada pelos aliados de Temer na Câmara. Agora ele só pode ser investigado sobre o caso depois de deixar a Presidência. Segóvia também criticou parte das tratativas sobre o acordo de delação de Joesley e do irmão dele, Wesley Batista. O diretor levantou suspeita de que os dois foram informados sobre a homologação da delação e, por isso, especularam no mercado financeiro e organizaram viagem ao exterior.

— Quem pôs esse deadline que finalizou a investigação foi a ProcuradoriaGeral da República, talvez ela seja a melhor a explicar por que foi feito aquilo naquele momento e por que o senhor Joesley sabia quando ia acontecer ( a divulgação), para que ele conseguisse ganhar milhões no mercado de capitais — disse.

Um repórter perguntou, então, se o exprocuradorgeral Rodrigo Janot seria investigado. O diretor- geral disse que eventual investigação contra Janot depende de um pedido externo. Mas não disse quais fatos relacionados ao ex- procuradorgeral precisam ser apurados.

— Se vamos investigar Janot, isso dependerá se vão pedir — afirmou.

O diretor também prometeu dar celeridade ao inquérito em que Temer é investigado no STF por supostas irregularidades no decreto dos portos. A suspeita do Ministério Público Federal é que o presidente usou o decreto para beneficiar a Rodrimar, que atua no Porto de Santos. No STF o caso tem como relator o ministro Luís Roberto Barroso. O ministro já até autorizou a PF a interrogar Temer. Primeiro, Segóvia disse que, depois das duas denúncias, não existiam mais investigações sobre Temer. Lembrado sobre o inquérito da Rodrimar, respondeu:

— Ele ( Temer) continuará sendo investigado, sem problema. Terá toda celeridade, como os demais inquéritos no STF.

Segóvia reafirmou que pretende concluir as investigações de todos os inquéritos envolvendo a Lava- Jato em tramitação no STF até o meio do ano que vem, antes das eleições. Disse que todos os inquéritos terão planos de investigação e que o planejamento será finalizado em 15 dias.

Sobre os delegados que tocam os inquéritos no STF, ele disse que a responsabilidade sobre eventuais mudanças na equipe ficarão a cargo do novo diretor de Combate à Corrupção, Eugênio Ricas. ( Colaborou Daniel Gullino)