O globo, n.30767 , 01/11/2017. PAÍS, p.3

CABRAL GANHA NO STF E FICA EM BENFICA, MAS SEM TELONA DE CINEMA

DANIEL GULLINO

GABRIELA VIANA

RAYANDERSON GUERRA

 

 

Gilmar Mendes aceita recurso de ex-governador contra transferência para presídio federal no mesmo dia que videoteca de cadeia do Rio é revelada
O ex-governador Sérgio Cabral obteve ontem uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF), depois que o ministro Gilmar Mendes suspendeu a transferência dele para o presídio federal de Campo Grande (MS), que havia sido determinada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Mas o peemedebista, que já foi condenado em primeira instância e é réu em 15 ações penais, acusado de comandar o esquema de corrupção no governo do Rio, terá que ficar na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio, sem desfrutar de uma videoteca, com TV de 65 polegadas, DVD e home theater.

A videoteca, que seria compartilhada com os demais detentos da unidade que recebe os presos da Operação Lava-Jato, será retirada, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), após a revelação de que o equipamento foi levado para dentro da prisão em condições suspeitas.

Inicialmente, a Seap informou que os aparelhos foram doados pela Igreja Batista do Méier e pela Comunidade Cristã Novo Dia. Porém, três voluntários da Igreja do Méier, que assinam o termo de doação, afirmaram que foram enganados por alguém de dentro da cadeia.

Segundo o “Jornal Nacional”, a compra dos equipamentos teria sido feita em dinheiro vivo a mando de Wilson Carlos, exsecretário de governo e amigo de escola de Sérgio Cabral. Ele, que também está preso em Benfica, seria o responsável por operar a sala. A cada três dias de trabalho, a pena de Wilson diminuiria um dia. A nota fiscal da aquisição estava em nome de Eliana Nogueira do Carmo, que negou que tenha comprado os objetos. A defesa, de acordo com o “Jornal Nacional”, nega que Wilson Carlos tenha determinado a compra.

O pastor Cesar Dias de Carvalho, da Comunidade Cristã Novo Dia, disse ao GLOBO que assinou o documento a pedido de Clotildes de Moraes, coordenadora dos voluntários da igreja, que disse ter sido procurada pela direção do presídio para obter três assinaturas no documento para liberar a doação.

— Não doamos nada. Fomos, e eu vou dizer isso sem medo de me sentir vítima, iludidos pela ideia de que estávamos fazendo apenas uma liberação burocrática para o ingresso dos equipamentos para os presos. Eu não sei quem doou. A direção do presídio disse para a coordenadora a quem eu me reporto (Clotildes) que os presos tinham ganhado um sistema de vídeo e televisão, e que, para entrar no sistema, tinha que constar a doação de uma entidade religiosa. E ela me perguntou se eu podia fazer isso também. Na hora, só pensei nesses caras. Não pensei que poderia haver alguma coisa por trás dos panos.

A terceira pessoa que assina o termo, pastor Carlos Alberto de Assis Serejo, afirmou não saber a origem da doação.

— A tal televisão só pode entrar por doação. A Igreja Batista não doou nada. Meu erro foi assinar o documento. Não sei de onde vieram os objetos. A maioria dos presos não tem nada, nosso trabalho é ressocializá-los. Achei que a doação era para beneficiar os presos.

De acordo com a Seap, as duas unidades religiosas são cadastradas para trabalhos missionários dentro das unidades prisionais. Após as revelações de possíveis irregularidades, a secretaria decidiu suspender “qualquer tipo de doação feita por entidades religiosas para unidades prisionais".

O pastor João Reinado Purin, presidente da Igreja Batista, afirmou que os três voluntários não têm autorização para assinar termos em nome da instituição.

 

BRETAS CITOU TRATAMENTO PRIVILEGIADO

— A doação não foi feita pela Igreja. O que desqualifica esse documento, o tal termo de doação, é que os nomes que assinaram ali não têm autoridade para representar a igreja.

Segundo o pastor João Reinaldo, os três voluntários foram afastados após a suspeita. Clotildes disse ao “Jornal Nacional” que foi procurada para conseguir as assinaturas e que chegou a conversar com o subdiretor da unidade, que declarou estar ciente da suposta doação.

Sobre a decisão de Gilmar Mendes, que manteve Cabral na unidade de Benfica, o ministro do STF atendeu a um pedido de habeas corpus apresentado na segunda-feira pela defesa do exgovernador, após o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmarem a decisão de Bretas.

A transferência foi determinada após Cabral fazer referência, durante uma audiência, ao fato de a família de Marcelo Bretas trabalhar no ramo de bijuterias. Bretas retrucou que entendia a citação como uma possível ameaça. No final da audiência, o Ministério Público Federal apresentou um pedido de transferência, que foi aceito pelo juiz. O magistrado também alegou, para sustentar sua decisão, que o ex-governador estaria recebendo “tratamento privilegiado” no presídio.

Em sua decisão, Gilmar afirmou que a declaração “não representa ameaça, ainda que velada”, já que Cabral apenas demonstrou conhecimento de “uma informação espontaneamente levada a público pela família do magistrado”.

O ministro classificou a fala de Cabral como “desastrada”, mas disse que ela tinha conexão com o conteúdo do julgamento. Gilmar considerou que o “suposto tratamento privilegiado” que o ex-governador estaria recebendo no presídio é grave e precisa ser investigado, mas ressaltou que, caso seja comprovado, “não constitui risco à segurança pública”. Gilmar destacou ainda que Cabral está trabalhando no presídio e “apresenta bom comportamento carcerário".

Gilmar foi definido como relator do caso porque já havia sido responsável por outros pedidos de habeas corpus envolvendo o desdobramento da Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro.