Correio braziliense, n. 20010, 04/03/2018. Mundo, p. 14
O fator Berlusconi
Rodrigo Craveiro
04/03/2018
Foi um longo e forçado ocaso na política italiana. Em 2013, acusações de fraude fiscal custaram a Silvio Berlusconi a proibição de exercer cargos públicos até 2019. Ainda que não possa recuperar o posto de primeiro-ministro da Itália — que ocupou de 2001 a 2006 e de 2008 a 2011 —, o magnata de 81 anos deverá ter papel influente nas eleições legislativas de hoje. Apesar de amargar popularidade de apenas 30%, o líder do partido de direita Forza Itália, que faz coalizão com os ultradireitistas Irmãos da Itália e Liga, espera confirmar o favoritismo nas pesquisas para abrir caminho a um possível retorno triunfal à chefia do governo — cenário possível em caso de convocação de novo pleito, se nenhum partido tiver maioria parlamentar.
“Em outras ocasiões, não fomos capazes de estudar um programa (de governo) detalhado. Desta vez, eu fiz isso pessoalmente e o revisei com outros líderes da coalizão, que concordaram conosco. Não há possibilidade de eles mudarem de ideia”, afirmou Berlusconi, por meio do Twitter, durante o encerramento da campanha, na sexta-feira. O Cavaliere (“cavaleiro”, em italiano), como é chamado no país, tem certeza de que a Forza Italia será a única formação política a obter 40% dos votos, o mínimo necessário para garantir a formação do gabinete. Ele escolheu Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu, para ser o primeiro-ministro, caso vença a coalizão de direita.
Entre os 50 milhões de cidadãos aptos a ir às urnas, 10 milhões se diziam indecisos até as últimas pesquisas. Os partidos Forza Italia, Liga e Irmãos da Itália apostam na reorganização do Estado e no sentimento anti-imigração para convencer os indefinidos.
Alberto Martinelli, professor emérito de ciência política e sociologia da Universidade de Milão, explicou ao Correio que, em poucos meses, a Corte Europeia de Direitos Humanos deverá emitir parecer sobre a apelação de Berlusconi contra a proibição de exercer cargos públicos. “Até lá, ele seguirá atuando como eminência parda e imporá aos aliados sua candidatura a premiê, na hipótese de a coalizão de centro-direita vencer as eleições e o Forza Italia obter mais votos do que a Liga, de Matteo Salvini”, disse. As pesquisas mostraram a coalizão de Berlusconi à frente das demais, mas sem obter a maioria.
Moderado
“Mais recentemente, Berlusconi tentou se apresentar como uma figura mais moderada, a fim de contrabalançar as fortes atitudes anti-imigrantes e antieuropeias da Liga e do Irmãos da Itália”, lembrou Martinelli, ao sublinhar a maleabilidade política do ex-premiê. Ele considera que o bilionário é um político habilidoso, com imensos recursos midiáticos. Com a retórica populista incorporada pelo Movimento Cinco Estrelas (M5S), legenda de protesto lançada pelo comediante Beppe Grillo, Berlusconi adotou o papel de estadista confiável.
O M5S aparece nas pesquisas com 27,8% das preferências — a maior votação individual para um partido. “Conseguimos derrubar todas as legendas. O único partido que existe hoje na Itália é o nosso”, proclama Grillo.
Para Mauro Barisione, professor de sociologia política do Departamento de Ciências Políticas e Sociais da Università degli Studi di Milano, a hipótese de a Liga desbancar a Forza Italia é plausível, embora incerta. “Muito dependerá do presidente da República, o centro-esquerdista Sergio Mattarella, a quem a Constituição concede o poder de apontar o primeiro-ministro, depois de consultas com todos os partidos do parlamento”, explicou ao Correio.
Frase
“Berlusconi tentou se apresentar como uma figura mais moderada, a fim de contrabalançar as fortes atitudes anti-imigrantes e antieuropeias da Liga e do Irmãos da Itália”
Alberto Martinelli, professor emérito de ciência política e sociologia da Universidade de Milão