O globo, n.30781 , 15/11/2017. PAÍS, p.3

O ESQUEMA NA ALERJ - PICCIANI E MELO ENTRAM NA MIRA DA LAVA-JATO

CHICO OTAVIO

DANIEL BIASETTO

MIGUEL CABALLERO

JULIANA CASTRO

 

 

Um ano depois da prisão de Cabral, comando da Assembleia é acusado de sustentar corrupção no Rio

 

A Operação Cadeia Velha, desencadeada ontem no Rio, pode representar o fim de um ciclo de poder na política fluminense. Depois das prisões do ex-governador Sérgio Cabral e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, a investigação alcançou ontem o presidente da Assembleia do Rio, Jorge Picciani, e seu colega Paulo Melo, os dois mais influentes representantes do Parlamento do Rio. Em comum, todos os políticos investigados compuseram o núcleo do comando do PMDB, o maior partido do estado, na última década.

De acordo com os investigadores, Cabral não era o único chefe do esquema. Picciani e Paulo Melo também faziam parte do comando “horizontal”, formando uma verdadeira “confraria” do crime.

Ontem pela manhã, Jorge Picciani, o principal cacique e responsável pela máquina do PMDB fluminense, foi levado para depor coercitivamente pela Polícia Federal, acusado pelos delatores de receber a propina paga sistematicamente aos deputados. Seu filho Felipe foi preso. O Ministério Público Federal sustenta que a propina foi paga por empresários ligados à Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor). Picciani também é acusado de operar como intermediário na distribuição do dinheiro a outros parlamentares e de atuar como agente de lavagem de dinheiro. Melo também foi conduzido coercitivamente.

O MPF pediu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região que determine a prisão de Picciani, Melo e do líder do governo Edson Albertassi (PMDB), por cometerem crimes em flagrante. Os procuradores sustentam que o flagrante existe porque o trio age até hoje, cometendo o crime continuado de lavagem de dinheiro. Este pedido será submetido pelo relator do caso, desembargador Abel Gomes, ao colegiado da Seção Criminal do TRF-2, formada pelos seis desembargadores das turmas de Direito Penal, em sessão, amanhã.

O delegado Ramagem Rodrigues afirmou ontem que “o conluio criminoso se traduzia em excessivos benefícios fiscais em favor de determinadas empresas e empreiteiras, que levaram a que o estado deixasse de arrecadar em um período de cinco anos mais de R$ 183 bilhões, ocasionando o atual colapso nas finanças do estado”.

Ao descrever o esquema de pagamento de propinas a deputados pela Fetranspor, em troca da aprovação de leis e de subsídios fiscais de interesse das empresas de ônibus, o procurador regional Carlos Alberto Aguiar destacou a fraude voluntária da atividade parlamentar pelos deputados:

— As empresas (de ônibus) pagavam rotineiramente propina (aos deputados). Parlamentares dissimularam a função parlamentar para prestigiar seus interesses políticos e financeiros. Através da agremiação política que detém a hegemonia no Rio (PMDB), esses agentes vêm ganhando força política quase insuperável e enriquecendo. Enquanto o Rio definha, esses sujeitos se empapuçam com o dinheiro da corrupção.

Em delação decisiva para os investigadores, o empresário Marcelo Traça Gonçalves, ex-vice do conselho de administração da Fetranspor, detalhou como os empresários do setor se organizaram para corromper deputados estaduais durante quase três décadas.

 

EPICENTRO DO ESQUEMA DO PMDB

O doleiro Álvaro José Novis, dono da corretora Hoya, contou que intermediou, na condição de agente financeiro, a propina da Fetranspor entregue regularmente a Picciani. Já o ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Jonas Lopes de Carvalho, em depoimento dado no âmbito da Operação Quinto do Ouro, apresentou Picciani como intermediário da negociação de propina entre a federação e os conselheiros do TCE-RJ.

No MPF e na PF, os investigadores estão convencidos de que a Alerj é o epicentro do esquema de corrupção mantido pelo PMDB fluminense. Foi de lá que saiu Sérgio Cabral para o Senado e, depois, para o governo do Estado. Também passou por lá o ex-deputado Eduardo Cunha.

A força-tarefa pretende avançar por etapas e fazer novas ações ostensivas.

A cena de Picciani sendo conduzido até uma viatura no Aeroporto Santos Dumont, na manhã de ontem, enquanto seu filho, Felipe, era preso em Minas Gerais, espalhou incertezas nos corredores da Assembleia. Velhos aliados já duvidam da capacidade dos chefes políticos de protegê-los.

Um dos temores está na prisão de Jorge Luiz Ribeiro, empresário acusado de operar a propina destinada a Picciani. Na Assembleia, ele era conhecido como o homem da mala, que só aparecia em anos eleitorais, como o de 2018.