Título: Na mira da ONU
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 24/02/2012, Mundo, p. 16

As Nações Unidas poderão responsabilizar diretamente autoridades sírias por abusos de direitos humanos cometidos desde o início do levante contra o regime de Bashar Al-Assad, em março de 2011. A Comissão Internacional Independente de Investigação sobre a Síria, presidida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, entregou ontem ao Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos os nomes de integrantes da cúpula do regime apontados como responsáveis pelos abusos. A lista, mantida em sigilo, também inclui membros de grupos armados opositores e foi anexada a um relatório elaborado nos últimos três meses. O documento foi divulgado na véspera do primeiro encontro do "grupo de amigos da Síria", que se reúne hoje em Túnis. Cerca de 70 nações ocidentais e árabes representadas, entre elas o Brasil, devem pedir um cessar-fogo para fazer chegar ajuda aos feridos em Homs, coração do levante e uma das cidades mais castigadas.

O texto, de 72 páginas, será formalmente apresentado pela comissão ao Conselho dos Direitos Humanos no dia 12, durante sessão que terá início na segunda-feira, em Genebra (Suíça). O conselho decidirá o próximo passo, como explicou Pinheiro ao Correio. Entre as opções está a aprovação de uma resolução contra autoridades do regime. Outra possibilidade é nomear um relator especial para a Síria, medida já aprovada pela maioria na Assembleia-Geral das Nações Unidas, na semana passada. O ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan é cotado para a função, mas a designação de um enviado foi rejeitada pela Rússia e pela China, que têm vetado resoluções contra a Síria no Conselho de Segurança. O chanceler russo, Sergei Lavrov, reiterou ontem que Moscou e Pequim se opõem a qualquer interferência externa no país.

Trata-se do segundo relatório apresentado pela comissão e, assim como o primeiro, suas impressões se baseiam em relatos e entrevistas com vítimas ou testemunhas, obtidos por telefone ou pessoalmente entre aqueles que conseguiram deixar a Síria. O grupo independente não foi autorizado a entrar no país. Na avaliação de Pinheiro, entre o primeiro e o segundo documento, a situação se agravou principalmente pelo acirramento dos combates. "Continuam as mesmas práticas de desrespeito aos direitos humanos e, por outro lado, houve uma escalada dos confrontos entre os grupos armados."

O documento menciona que os insurgentes do Exército Livre da Síria, composto por desertores, também cometeram abusos, mas eles "não são comparáveis em escala e organização com os conduzidos pelo Estado". No parágrafo 90 do texto, a comissão, cujo mandato se encerra no fim de março, relata que entrevistou pessoas com conhecimento interno no "planejamento do processo". "Essas pessoas receberam relatos confiáveis de que o comando de Segurança Nacional do Partido Baath (do presidente Assad) foi usado para traduzir as diretrizes em planos estratégicos", afirma o texto. "Com base nesses planos, diretores de agências de segurança repassaram ordens para os escritórios locais. As ordens para as Forças Armadas passaram pela cadeia de comando." O documento conclui que "o Estado não conseguiu responder às legítimas demandas políticas, econômicas e sociais de seu povo e à sua posição na geopolítica de alta complexidade da região".

Grupo de amigos Na comunidade internacional, cresce a pressão para que se estabeleça um cessar-fogo diário e um corredor humanitário para o socorro de feridos e para o envio de ajuda a Homs. Representantes de 70 países debaterão essa e outras questões relacionadas à Síria hoje, em Túnis. Espera-se que um ultimato a Assad seja divulgado no fim da reunião. Segundo o Itamaraty, o Brasil será representado no encontro pelo encarregado de negócios da embaixada na Tunísia, Luiz Eduardo Caracciolo Maya Ferreira. No mesmo dia, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Aguiar Patriota, se reunirá em Istambul (Turquia) com todos os embaixadores brasileiros no Oriente Médio e no Norte África. A reunião, segundo nota do Itamaraty, será para "avaliação dos recentes desenvolvimentos naquela região".