O globo, n.30781 , 15/11/2017. ECONOMIA, p.19

AJUSTE NA REFORMA

BÁRBARA NASCIMENTO

EDUARDO BARRETTO

CRISTIANE JUNGBLUT

 

 

Governo altera pontos da nova lei trabalhista, e Rodrigo Maia critica decisão por MP

“Quando chegar na Câmara, vou decidir se pauto ou não”

Rodrigo Maia

Presidente da Câmara dos Deputados

 

“Maia foi convencido de que havia um acordo e que deveria ser MP. Do mesmo jeito, se houvesse acordo na Câmara, eu respeitaria”

Eunício Oliveira

Presidente do Senado

 

 

BÁRBARA NASCIMENTO, EDUARDO BARRETTO E CRISTIANE JUNGBLUT

-BRASÍLIA- Após semanas em cima do muro, o governo bateu o martelo e editou uma medida provisória (MP) para modificar pontos da reforma trabalhista. O texto foi publicado ontem em edição extra do Diário Oficial da União. Pelo acordo feito com senadores, a MP deveria ter sido enviada ao Congresso Nacional tão logo a reforma começou a vigorar, o que aconteceu no último sábado. A demora ocorreu porque o governo não conseguia decidir se mandava o texto por MP, como queria o presidente do Senado, Eunício Oliveira, ou como projeto de lei, atendendo ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Os senadores ganharam a queda de braço, e o próprio Eunício anunciou a jornalistas a decisão, após reunião no Palácio do Planalto.

Questionado pelo GLOBO, o presidente da Câmara reagiu e disse que a decisão do presidente Michel Temer foi “um grave erro”. Nas últimas semanas, Maia afirmou publicamente que o governo tem abusado do envio de medidas provisórias ao Congresso. Para ele, esse instrumento só deve ser usado em casos de urgência, uma vez que os termos de uma MP começam a vigorar assim que são enviados ao Congresso. No caso do projeto de lei, seria necessária aprovação da Câmara e do Senado para que as mudanças passassem a valer.

Além disso, ele afirmou que uma MP traria insegurança jurídica às empresas, à medida que passaria uma sinalização de que mudanças na lei trabalhista poderiam ser feitas com uma simples canetada do presidente da República. Maia deixou claro, no entanto, que a decisão sobre a tramitação da medida na Câmara está em suas mãos:

— Quando chegar na Câmara, vou decidir se pauto ou não.

A maior parte da MP segue o que foi acordado com os senadores em julho. Para viabilizar a aprovação da reforma, o Palácio do Planalto se comprometeu a enviar uma medida provisória com as alterações que os parlamentares achavam necessárias. Isso porque, se as mudanças fossem feitas direto no texto, ele teria que voltar para a Câmara. Com base nesse acordo é que Eunício e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB/ RR), pressionaram o governo. Ontem, o presidente do Congresso chegou a dizer que seria “deselegante” da parte de Temer romper com o combinado. Após a decisão, ele ainda tentou minimizar a situação com Maia:

— Maia foi convencido de que havia um acordo e que deveria ser MP. Do mesmo jeito, se houvesse acordo na Câmara, eu respeitaria.

As mudanças têm o objetivo, sobretudo, de calibrar alguns pontos impopulares e polêmicos da reforma. Entre eles está, por exemplo, a permissão para o trabalho de gestantes em locais insalubres. A reforma estabelecia que a mulher pode trabalhar em locais de insalubridade média ou mínima, a menos que apresente um atestado indicando que deva ser afastada. O novo texto quer inverter essa lógica e proibir o trabalho, a menos que a gestante apresente um atestado liberando o serviço. As lactantes, no entanto, ficam sob a regra prevista inicialmente pela lei da reforma.

 

MUDANÇA PARA INTERMITENTE EXIGE QUARENTENA

Também estão incluídas mudanças no trabalho intermitente, oficializado pela reforma e que permite jornadas descontínuas, por apenas algumas horas ou dias na semana. O texto retira, por exemplo, a punição, equivalente a 50% da remuneração diária, para os trabalhadores que se comprometerem com o trabalho e não comparecerem. No lugar, prevê que uma possível penalidade seja estipulada no momento da assinatura do contrato. E cria uma quarentena de 18 meses entre a demissão de um trabalhador e sua recontratação como intermitente, uma forma de proteger os empregados de uma precarização do serviço, com substituição do pessoal em tempo integral por esse outro tipo de contrato.

Ficou fixado ainda que o trabalhador intermitente também poderá parcelar férias em três períodos e que, em caso de demissão sem justa causa, terá acesso a 80% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A MP ainda determina que, se o empregado ficar sem convocação por um ano, o contrato está rescindido.

Um dos pontos mais polêmicos, a indenização por danos morais vinculada ao salário do trabalhador, também é tratada no texto. Para alguns juízes, esse ponto é inconstitucional, à medida que trata uma vida como “mais valiosa” do que a outra. No lugar, a nova proposta vincula a indenização ao teto do INSS. Assim, ela poderia variar entre 3 e 50 vezes esse valor, a depender da gravidade do dano. Hoje, o teto do INSS é de R$ 5.531,31. Em caso de reincidência, a penalidade pode ser dobrada. O texto, no entanto, define como reincidência ofensa idêntica ocorrida no prazo de até dois anos. Também ficou excluída a exigência de exclusividade a trabalhadores autônomos.

A MP ainda tenta minimizar um possível impacto na arrecadação causado pela exclusão, pela reforma, de ajudas de custo da base de cálculo do Imposto de Renda, do FGTS e da contribuição previdenciária. Na reforma trabalhista, há previsão de que essa exclusão ocorra mesmo que esses valores sejam pagos habitualmente. Para juristas, no entanto, se um montante é pago com habitualidade, não pode ser considerado como ajuda de custo. A MP não reverte isso completamente, mas fixa que esses valores só ficarão de fora do cálculo da remuneração do trabalhador se limitados a 50% do salário mensal.

A medida também determina que as jornadas de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso só poderão ser definidas por acordo coletivo, e não individual, como prevê a reforma. A exceção são as “entidades atuantes no setor de saúde”.

 

CONFIRA AS PRINCIPAIS MUDANÇAS
 
- Gestante e lactantes
O QUE DIZ A REFORMA:

A mulher pode trabalhar em locais de insalubridade média ou mínima, a menos que apresente um atestado indicando que deva ser afastada.

O QUE MUDA COM A MP:

Proíbe o trabalho em ambiente insalubre, a menos que a gestante apresente um atestado liberando o serviço. As lactantes, no entanto, ficam sob a regra prevista inicialmente pela reforma.

 

- Jornada intermitente (contrato por algumas horas ou dias)

O QUE DIZ A REFORMA:

Regulamentou o trabalho intermitente, prevendo as obrigações do empregado e do empregador, sem previsão de quarentena entre demissões de trabalhadores com jornada contínua e recontratação como intermitente. Além disso, fixou multa de 50% da remuneração para quem se comprometer com o trabalho e não comparecer.

O QUE MUDA COM A MP:

Exclui a multa de 50%. No lugar, prevê que uma possível penalidade seja estipulada no momento da assinatura do contrato. E cria uma quarentena de 18 meses entre a demissão de um trabalhador e sua recontratação como intermitente.

 

- Indenização por danos morais

O QUE DIZ A REFORMA:

Vinculava a indenização ao salário recebido pelo trabalhador.

O QUE MUDA COM A MP:

Vincula a indenização ao teto do INSS, entre três e 50 vezes esse limite, a depender da gravidade do dano.

 

- Ajudas de custo

O QUE DIZ A REFORMA:

Ajudas de custo, ainda que habituais, não integram a remuneração do empregado. Ou seja, ficam de fora da base de cálculo do Imposto de Renda, do FGTS e da contribuição previdenciária.

O QUE MUDA COM A MP:

Ajudas de custo, ainda que habituais, não integram a remuneração do empregado desde que limitadas a 50% do salário mensal.

 

- Jornada 12 por 36

O QUE DIZ A REFORMA:

Permite que qualquer categoria possa negociar, por acordo individual ou coletivo, jornada de 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso.

O QUE MUDA COM A MP:

Esse tipo de jornada só poderá ser negociada em acordo coletivo, com exceção do setor de saúde.

 

- Autônomos

O QUE DIZ A REFORMA:

Prevê que os contratos com trabalhadores autônomos podem exigir exclusividade.

O QUE MUDA COM A MP:

Estabelece que é vedada cláusula de exclusividade nesse tipo de contrato.