O globo, n. 30790, 24/11/2017. Economia, p. 27

 

Porta aberta à negociação

Geralda Doca, Martha Beck e Cristiane Jugblut 

24/11/2017

 

 

Em busca de apoio à reforma da Previdência, governo admite abrir mão de outras medidas fiscais

O baixo quórum do jantar oferecido pelo presidente Michel Temer na quarta-feira para obter apoio à reforma da Previdência e a incapacidade do Planalto do Planalto em realinhar a base de apoio no Congresso jogaram um balde de água fria nas pretensões do governo. A avaliação é que não só a reforma continua sob risco de ser adiada para 2019, como outros projetos importantes para a economia. Há 17 medidas provisórias na fila para serem votadas. Entre elas, a que prorroga o Repetro (regime especial de importação e exportação) e consolida os leilões do setor de óleo e gás, o adiamento do reajuste dos servidores públicos e o aumento da alíquota de contribuição previdenciária da categoria de 11% para 14%.

Um dos argumentos mais fortes para a aprovação da reforma da Previdência é que, sem ela, o governo começará a ter problemas já em 2019 para segurar as despesas dentro do teto do gasto público. Se nada for feito, dentro de dez anos os benefícios vão consumir 80% de todas as receitas da União. Porém, as dificuldades são tantas que a área econômica já admite que a questão, agora, é política e, sendo assim, quase tudo pode ser negociado, como uma nova desidratação da proposta de reforma da Previdência, ou outras medidas de ajuste fiscal. As negociações só devem começar na semana que vem.

Somente o adiamento do reajuste dos servidores dará uma economia de R$ 4,4 bilhões ao Orçamento de 2018. Outras eventuais medidas de agrado aos parlamentares seriam a edição de uma medida provisória (MP) garantindo o pagamento do FEX (ressarcimento pago aos estados pela desoneração das exportações), valor em torno de R$ 1,9 bilhão, e concessões na MP que permite o parcelamento de dívidas dos produtores agrícolas com o Funrural. O texto da MP foi muito modificado pelos parlamentares para ampliar descontos nos débitos, o que pode provocar uma perda anual de R$ 450 milhões aos cofres públicos. Os técnicos do governo defendem que o texto do Funrural não seja votado e caduque, o que ocorre no dia 28 deste mês.

 

EQUIPE ECONÔMICA DEFENDE FORMATO ANUNCIADO

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento apontam que a reforma já foi modificada o suficiente (foram retiradas, por exemplo, as mudanças na aposentadoria rural e no pagamento do Benefício de Prestação Continuada) e que ela deveria ser colocada em votação no formato anunciado: com idade mínima de 65 anos, com regra de transição e equiparação entre os regimes do setor público e do setor privado. Os técnicos lembram que as pessoas de baixa renda já se aposentam hoje por idade no Brasil, que está fixada em 65 anos. Assim, se for para reduzi-la, é melhor não votar a reforma.

Uma corrente política do governo, no entanto, pressiona por novas concessões, como redução da idade mínima de 65 anos na reforma previdenciária e recuo no adiamento do reajuste dos servidores, previsto para 2019.

Os técnicos da área econômica alertam para o fato de que eventuais concessões não garantem a aprovação da reforma.

— Abrir mão de adiar o reajuste dos servidores não garante votos em favor da reforma. Os deputados não querem a reforma nem o adiamento. Isso pode acabar fazendo com que o governo sofra perdas tanto no ajuste fiscal de curto prazo quanto no de longo prazo — comentou uma fonte da área econômica.

Programado para as 20h, o jantar oferecido por Temer começou depois das 21h30m, com oito discursos, incluindo palestras de economistas, a apresentação do novo texto da reforma e falas dos ministros da área econômica e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Alguns fatores contribuíram para o fracasso do jantar — dos cerca de 300 convidados, teriam aparecido menos de 200. Um deles foi a trapalhada do Planalto, que anunciou e depois voltou atrás na indicação do deputado Carlos Marun (PMDB-MS) para a Secretaria-Geral de Governo. Isso azedou o clima entre os partidos da base. O anúncio acirrou os ânimos no PSDB, partido do titular da pasta, Antônio Imbassahy, e o recuo irritou integrantes do PMDB.

Outro problema foi causado pelos partidos que compõem o chamado centrão (PP, PR e PSD, entre outros), que organizaram uma estratégia de esvaziar o jantar, sem parecer que estavam adotando tal postura. A tática foi que os líderes comparecessem, mas aqueles que são refratários ao governo não.

Os próprios líderes do governo na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB ), e no Congresso, André Moura (PSC-SE), ficaram em plenário, assim como o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Participantes do encontro avaliaram como “muito estranho” o comportamento dos partidos do centrão, mas admitiram que foram inteligentes ao manter os líderes presentes, pois são eles que representam as bancadas.

Para o líder do PSD, deputado Marcos Montes (MG), se o governo não conseguir vencer a batalha da comunicação e convencer a população de que a reforma valerá para todos e tornará o sistema previdenciário mais justo, os parlamentares não irão para o “sacrifício”, às vésperas das eleições. Além disso, destacou, o silêncio do Senado em relação ao tema deixa os deputados inseguros:

— Os deputados não querem votar, arcar com o ônus e, depois, o Senado engavetar a reforma. Estamos caminhando em busca de nossa eleição — destacou o líder do partido.

Segundo o líder do DEM, Efraim Filho (BA), apesar da convicção do próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre a necessidade da reforma, um terço do partido discorda da mudança por causa da proximidade das eleições. Para ele, até o adiamento do reajuste dos servidores é polêmico e pode não avançar:

— Existe o problema do time político. Acredito que qualquer mudança que o governo venha fazer no texto da reforma será inócuo — afirmou o líder do DEM.

Mesmo aqueles que aceitam votar a reforma pediram ao relator da proposta, deputado Arthur Maia (PPS), para melhorar o enunciado sobre a adoção da idade mínima. Reclamam que a idade imediata é de 53 anos, para mulheres, e 55, para homens, e que os 62 e 65 anos só serão atingidos em 20 anos. Alegam que isso não fica claro e que, por isso, a população é contra, achando que no dia seguinte à reforma já precisará atingir os 62/65.