Correio braziliense, n. 20012, 06/03/2018. Negócios, p. 10

 

Ataque à BRF provoca danos à economia

Natalia Viri e Lino Rodrigues

06/03/2018

 

 

Operação Carne Fraca leva para a prisão ex-CEO e 10 executivos da empresa e provoca perdas de R$ 6,3 bi ao setor em um único dia. Para especialistas, ação da PF é arbitrária

São Paulo — A nova fase da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, batizada de Operação Trapaça e realizada na manhã de ontem, levou para a prisão o ex-CEO da BRF, Pedro de Andrade Faria, sob a acusação de que ele acobertou esquema de fraudes em amostras para burlar o sistema de controle sanitário do Ministério da Agricultura. Outros 10 executivos da companhia foram levados pelos agentes da PF, além de terem sido cumpridos mandados de condução coercitiva de 27 pessoas. Ao todo, foram cumpridos 91 mandados judiciais em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás.

O reflexo no valor das ações da companhia, listadas na bolsa paulista, foi grande. A BRF perdeu em um dia R$ 4,9 bilhões de valor de mercado, segundo a consultoria Economatica. As ações negociadas na bolsa paulista caíram 19,75% no pregão de ontem. Além disso, os novos desdobramentos da Operação Carne Fraca tiveram efeitos colaterais nas outras companhias do setor de proteína animal. As perdas de BRF, JBS, Marfrig, Minerva e Minupar somaram R$ 6,3 bilhões em um único dia.

Os pedidos de busca e apreensão foram apresentados pela PF junto à 1ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR). A acusação contra Faria tem seu ponto de partida em um processo trabalhista movido em 2015 por uma ex-funcionária do departamento de controle de qualidade da fábrica de Mineiros (GO) – a mesma unidade que foi interditada temporariamente no ano passado em outra fase da Operação Carne Fraca.

No processo judicial, Adriana Marques Carvalho afirma que “era obrigada a alterar o resultado das análises que diagnosticavam a contaminação. Assim, se a análise constatasse a presença de salmonella ou outro tipo de contaminação, por ordens expressas dos superiores, devia alterar os registros nos laudos publicados, os destinados à fiscalização”.

Em setembro de 2015, a advogada da BRF Rose Míriam Pelcanani, que conduzia o caso trabalhista, alertou seus superiores sobre a sensibilidade de a ação avançar. O e-mail foi encaminhado a diversos diretores e chegou a Pedro Faria. O CEO, então, enviou uma mensagem a Helio Rubens, o vice-presidente de Operações da companhia: “É um absurdo! Impressionante como sempre levamos bucha dos mesmos lugares. Hélio, por favor, avalie algo drástico por lá. Tem coisa que ofende nosso senso de propósito.”

Cerca de dois meses depois do alerta da advogada sobre o processo, o gerente jurídico Luciano Wienke autorizou o fechamento de um acordo com Adriana Marques por R$ 70 mil. “Valor de uma reclamatória com menos de 2 anos não chegaria nem a R$ 15.000,00, mas com esse assunto (sic) temos esse problema vamos ter que pagar mais”, disse em uma troca de e-mails.

Semanas antes, Wienke havia classificado o assunto como prioritário, “sob pena do juiz enviar as informações para os órgãos competentes e complicar mais a situação da empresa”, disse em uma mensagem encaminhada à diretora jurídica, Ana Rovai. Em outro e-mail, o vice-presidente de Operações da BRF pediu a André Baldissera, diretor de Operações Regional: “Vamos ter bastante trabalho pela frente! Vamos eliminar todas as exposições! Conversamos na próxima semana”.

A PF e o juiz entenderam que se trata de uma ordem para destruir provas. No entanto, não fica claro se os executivos estavam tratando de providências para evitar que a adulteração continuasse a se repetir na unidade ou se cobravam ações para que o problema fosse investigado internamente e resolvido. O fato é que não houve uma declaração clara para que as provas contra a companhia desaparecessem, como interpretaram o Judiciário e a polícia. Mesmo assim, Pedro Faria foi preso.

Banalização

Advogados criminalistas criticaram o que chamam de banalização das prisões nas grandes operações da Polícia Federal. As prisões, disseram, são desnecessárias e os juízes deveriam adotar medidas cautelares que não privem os acusados da liberdade durante as investigações. “Por que as medidas alternativas não são adotadas?”, questiona o advogado criminalista Juliano Bredas, lembrando que não há justificativas concretas para privar a liberdade dos diretores da BRF. “Não conheço o mérito da investigação e dos suspeitos nessa operação da BRF, mas vejo ausência de elementos concretos para as prisões”.

Bredas diz que a regra é que um processo seja respondido em liberdade. “Nessas grandes operações, estão invertendo a regra de presunção da liberdade”, critica o advogado, salientando que é preciso ter provas concretas e contundentes para levar um acusado à prisão.

Defesa

A BRF passou o dia de ontem toda em busca de informações para, só então, no começo da noite, depois do fechamento do mercado acionário, divulgar nota sobre a Operação Trapaça. No texto, a companhia afirma que detém certificações internacionais de qualidade e é a única empresa brasileira a participar do GFSI (Global Food Safety Initiative).

Segundo a BRF, com base nas informações disponíveis, “nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz respeito a algo que possa causar dano à saúde pública”. Ainda segundo a nota, a empresa diz estar à disposição das autoridades, “mantendo total transparência na interlocução com seus clientes, consumidores, acionistas e o mercado em geral”.

A companhia esclareceu que sobre a salmonella tipo Pullorum, trata-se de um tipo que não causa dano à saúde humana. “No lote de 46 mil pintos citado na acusação foram realizadas análises microbiológicas que não identificaram a presença da bactéria S.Pullorum. Porém, ela foi identificada em matrizes e lotes de frango de corte no mesmo período em Carambeí”, informou. Os resultados dessas análises, segundo a BRF, foram notificados ao Serviço Veterinário Estadual e ao Serviço de Inspeção Federal, como determina a legislação.

Sobre a troca de correspondência entre os executivos, a BRF informa que seu teor está sendo investigado pela empresa. Sobre as acusações da ex-funcionária Adriana Marques Carvalho, são “denúncias de uma profissional que foi desligada em julho de 2014 e ingressou com ação trabalhista contra a empresa. As acusações da ex-funcionária foram tomadas com seriedade pela companhia, e medidas técnicas e administrativas foram implementadas para aprimorar seus procedimentos internos”, explicou a nota.

Quem é a gigante

Perfil da BRF

» Receita líquida total

R$ 33,5 bilhões

» Dívida líquida de

R$ 13,3 bilhões

» Lucro bruto de

R$ 6,9 bilhões

» Margem bruta de

20,6%

» Impacto da Operação Carne Fraca de

R$ 363 milhões

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Exportações afetadas

06/03/2018

 

 

Ações como a nova fase da Operação Carne Fraca também podem provocar efeitos desastrosos na economia. Surgida da união entre Sadia e Perdigão, a BRF é a principal processadora de alimentos do Brasil, a maior exportadora de frangos do mundo e uma das maiores empregadoras do Brasil, com mais de 80 mil funcionários.

Uma ação como a da PF, avaliam os especialistas, pode comprometer não apenas os resultados da companhia, mas afetar a imagem do país e contaminar outros setores exportadores, já que coloca em xeque a forma com que o controle sanitário é feito pelas empresas brasileiras e fiscalizado por órgãos governamentais. Para ter ideia da relevância do setor, no ano passado, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços do país) cresceu 1%, o agronegócio teve alta de 13%.

A reação da União Europeia diante de mais uma denúncia contra a companhia foi rápida. O bloco pede explicações ao governo brasileiro sobre a nova fase da operação da PF para só então decidir se será necessário adotar alguma medida em relação à importação da carne brasileira.

As importações totais de frango pela União Europeia caíram 11% em 2017, mas o recuo dos embarques brasileiros foi maior, de 20%. No caso da carne bovina, o recuo geral foi de 8% e as exportações brasileiras para o bloco encolheram 18%. (NV e LR)

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Empresários condenam ação da PF

06/03/2018

 

 

Para Juliano Costa Couto, presidente da seção do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, esse tipo de prisão gera problemas muito maiores nas pessoas, nas famílias e nas empresas do que seria necessário. Um exemplo clássico, segundo o advogado, foi o suicídio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, depois de ser preso pela PF por suspeita de corrupção na entidade. “O constrangimento gerado pela sua prisão acabou gerando o seu suicídio”. Decretar a prisão, argumenta, é uma exceção e deve ser devidamente justificada. “A interferência nas investigações não pode ser presumida. Ela exige a demonstração de atos concretos.”

Sobre as conduções coercitivas, adotadas na Operação Carne Fraca, Couto explica que elas estão suspensas em todo o país com base em uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, baixada no fim do ano passado. “Essas conduções coercitivas de réus (da BRF) me parecem um ato ilegal, até porque são contraditórias com o direito ao silêncio dado aos processados”. O presidente da OAB-DF diz ainda que o “consequencialismo”, que é uma forma de interpretação do Direito sobre as consequências, inclusive econômica de uma decisão, que se aplica nas ações cíveis também deveria ser aplicado no Direito Penal”.

Para o meio empresarial, a prisão de Pedro Faria também causou estranheza. O ex-CEO da BRF é reconhecido no mercado como um executivo com grande capacidade de realização. “Eu o conheço há muitos anos e posso dizer que se trata de um profissional ético e íntegro”, diz Rubens Menin, presidente do conselho de administração da MRV Engenharia, a maior incorporadora brasileira do segmento de imóveis residenciais de baixa renda da América Latina.

“Acho que essa operação contra o Pedro foi feita de forma atabalhoada. Não se pode pré-julgar. Quando recebeu a informação de que poderia haver algo de errado na empresa, o Pedro mandou investigar. O que há de errado nisso?” pergunta Menin. Fundador do grupo Arezzo&Co, o empresário Anderson Birmann se aproximou de Pedro Faria quando ele coordenou a abertura de capital da Arezzo. “Eu tinha dúvidas sobre se deveríamos ir adiante, mas o Pedro me convenceu – e ele estava certo”, diz Birmann. “O Pedro é aquele cara que parece incansável, que trabalha 15 horas por dia, e que faz coisas com enorme responsabilidade.” (NV e LR)