Correio braziliense, n. 20027, 21/03/2018. Política, p. 4

 

Temer flerta com a reeleição

Rosana Hessel

21/03/2018

 

 

ELEIÇÃO » Depois de dizer que nem por aclamação popular concorreria a um segundo mandato, o presidente Michel Temer agora não descarta encarar as urnas. Com isso, inviabilizaria a candidatura do ministro Henrique Meirelles pelo MDB

O tempo passa, o discurso muda. Aos poucos, o presidente Michel Temer começa a admitir publicamente que não descarta ser o candidato de seu partido, o MDB, para a Presidência da República nas eleições de outubro. “Não é improvável, mas vou me decidir ainda”, respondeu o presidente, ontem, ao ser questionado se disputará a reeleição, após almoço com o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, no Palácio do Itamaraty. Temer não disse quando tomará a decisão. “O tempo dirá”, afirmou.

Fontes próximas ao MDB, contudo, afirmam que não houve nenhuma movimentação, nesta semana, para justificar a mudança de atitude do presidente. Desde que assumiu interinamente o cargo, com a abertura do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016, Temer disse que não pretendia se candidatar em 2018. Ele reforçou esse discurso aos empresários e apoiadores presentes na cerimônia de posse. Até classificou como “possibilidade zero” a candidatura, mesmo se houvesse aclamação popular. “Se o povo pedir, vou dizer que cumpri bem minha missão nesses dois anos”, chegou a afirmar, em maio de 2017, em entrevista a rádios regionais.

Na avaliação de especialistas, o novo discurso de Temer reflete a vaidade do presidente e uma tentativa de manter o foro privilegiado, devido às investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e às denúncias de corrupção feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que não serão arquivadas ao fim do seu mandato, em 31 de dezembro. As chances de vitória nas urnas, segundo os analistas, são mínimas.

“Mesmo se a economia crescer 3%, este ano, e a intervenção federal no Rio de Janeiro for bem-sucedida, os índices de aprovação de Temer não devem subir”, cravou o cientista político Christopher Garman, diretor-geral para as Américas do Eurasia Group.  “Resta saber se os demais candidatos e caciques do MDB também vão querer subir com o Temer no palanque para tentarem se eleger”, afirmou.

Com base nas ferramentas de mapeamento de probabilidade da consultoria, Garman contou que, se a aprovação de Temer chegasse em 20%, as chances de vitória seriam de apenas 6%. “Até entendo a aspiração, mas o tamanho do buraco eleitoral é muito grande. Só se ele conseguir mais do que triplicar a aprovação, ficaria minimamente viável”, destacou.

Para Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, Temer enfrenta obstáculos importantes para uma candidatura decorrentes da rejeição de sua administração. “A despeito da oportunidade com a crise da polarização PT-PSDB, um governo mal avaliado, como a atual administração, dificilmente vai se transformar em uma candidatura competitiva”, afirmou.

O consenso entre os especialistas é que a candidatura de Temer vai inviabilizar as pretensões do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de se filiar ao MDB para disputar a Presidência. O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), disse que o partido do ministro, o PSD, de Gilberto Kassab, não o quer candidato para apoiar o tucano Geraldo Alckmin na corrida ao Planalto. “Em uma tacada, Temer está constrangendo o partido e Meirelles, que vai ter que buscar outra legenda”, disse.