Correio braziliense, n. 20027, 21/03/2018. Especial, p. 9

 

Falta de recursos limita oferta de água

Bernardo Bittar

21/03/2018

 

 

Ausência de projetos e baixa capacidade financeira de estados e municípios comprometem atendimento da população nos setores de infraestrutura hídrica e de saneamento básico

Especialistas concordam que o fornecimento de água potável e de saneamento básico ainda é deficiente na maioria dos países latino-americanos. Um dos maiores obstáculos para resolver o problema é a falta de financiamento, tanto público quanto privado. Os governos não têm recursos para atender às demandas, enquanto os empresários, praticamente, não investem se não houver garantia de reembolso. As “Perspectivas de Financiamento Hídrico nas Américas” foram discutidas durante o 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília.

“Para que o meio ambiente receba verba, é necessário que os envolvidos tenham projetos e capacidade de pagamento”, observou a diretora da área de Gestão Pública e Socioambiental e Saneamento do BNDES, Marilene de Oliveira Ramos. “Os países que têm água e esgoto para 100% da população são, sobretudo, os europeus. Há 10 anos, os consumidores pagavam lá US$ 4 por metro cúbico de água. Hoje, no Brasil, cobram-se R$ 3,20 por metro cúbico. É claro que as empresas daqui não têm dinheiro (para oferecer serviço equivalente)”, disse ela.

Em 2017, a instituição financiou R$ 70 bilhões para diversos projetos no Brasil, mas apenas 1% foi para saneamento e recursos hídricos. “Os dois tópicos são prioridade, mas a falta de aporte dos estados faz com que as empresas não tenham condições de pagar os financiamentos”, completou Marilene.

O presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Jerson Kelman, informou que a empresa investe em um projeto para captar água em regiões distantes da cidade de São Paulo. O custo é estimado em US$ 1 bilhão, mas no sistema não há data para inauguração. “São três obras de grande porte.  A quantidade de água que temos hoje não será suficiente para suprir o consumo da população daqui a alguns anos. Por isso, paramos até as obras (de limpeza) no Rio Tietê e colocamos o dinheiro nesse projeto”, disse.

O ministro de Água, Saneamento Básico e Meio Ambiente da Bolívia, Carlos Ortuño, também apontou para o cerne do problema. “Não temos cobertura total dos serviços porque falta dinheiro. Organizar essa estrutura custa muito caro e praticamente não há investimentos”, afirmou. Para Rolando Marín, presidente do Comitê Diretor da Federação Latino-Americana de Organizações Comunitárias para Sistemas de Água e Saneamento, “os problemas são muitos, mas esbarram em financiamento”.

 

Frase

“Para que o meio ambiente receba verba, é necessário que os envolvidos tenham projetos e capacidade de pagamento”

Marilene de Oliveira Ramos, diretora do BNDES

 

Pelo Fórum

Parada obrigatória

O estande do Correio virou um ponto de parada para quem quer descansar entre uma palestra e outra. Localizado no primeiro andar do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, o espaço é aberto ao público e conta com pufes e cadeiras. Os visitantes ainda podem se inscrever no sorteio de assinaturas da versão digital do principal jornal da capital.

Animação no Senegal

O estande do Senegal, país que receberá o 9º Fórum Mundial da Água em 2021, está sendo considerado o mais animado desta edição. Durante o dia, eles fazem batuques e chamam a atenção de quem passa pelos corredores do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.

Painéis atrasados

O público que compareceu ao Fórum Mundial ontem reclamava que os painéis organizados pelas comissões brasileiras estavam todos atrasados. Na contramão, os organizados por autoridades internacionais começavam na hora certa.

lateia descontente

Em plenária sobre as crises hídricas no território brasileiro, as falas dos ministros da Integração Nacional, Hélder Barbalho, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, foram interrompidas por gritos de “Viva Lula” vindos da plateia. O fato se repetia toda vez que os palestrantes falavam sobre a entrega da obra de transposição do Rio São Francisco, que vai levar água para mais de 12 milhões de pessoas de 390 municípios do Semiárido Nordestino.

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Crise hídrica exige união

Otávio Augusto

21/03/2018

 

 

Juntar esforços para controlar as mudanças climáticas é uma necessidade global. A água doce é uma das primeiras vítimas dessa celeuma. Os ambientalistas são categóricos: teremos nos próximos anos mais secas e mais enchentes. Por isso, será necessário juntar recursos financeiros para enfrentar isso, e manter serviços de informações e financiamento de trabalhos de adaptação.

A questão é: quem vai pagar a conta? E ela é enorme a longo prazo. “Temos orçamentos públicos que são insuficientes e que quase sempre não são a principal preocupação dos governos. O ideal é que todos paguem um pouco”, destaca Jean-François Donzier, secretário-geral da Aliança Global para a Água e Clima. Ele defende um modelo de financiamento chamado de “três Ts”: taxas, tarifas e transferências. Taxas para a iniciativa privada, tarifas para a população e transferências de benefícios. “Esse é um modelo que funciona melhor para o gerenciamento financeiro”, conclui.

Criar mecanismos de financiamento não é um papel somente de governo. A população deve ter a consciência de que precisa pagar impostos para a preservação e equilíbrio das bacias hidrográficas. Há países em que 1% das contas de água são destinados à preservação das bacias. É o que está sendo feito no Peru. “Temos que criar mecanismos para ter fundo de investimento”, justifica Yuri Pinto Ortiz, secretário-geral da Agência Reguladora de Águas do Peru.

Mali, Guiné e Senegal dividem a gestão de suas bacias hidrográficas. Foram criadas represas para abastecimento urbano, irrigação agrícola, produção de energia elétrica e recomposição dos rios. Um comitê gerencia o nível das chuvas, do consumo e a situação das fontes de água.

Celine Gilquin, diretor da Agência de Desenvolvimento Francesa, não vê alternativa. “Todos devem pagar essa conta. Unir todas as formas de financiamento. Não se pode usar apenas a ajuda pública ou privada em forma de empréstimos. A população tem sua responsabilidade”, avalia.

Ninguém arrisca qual caminho deve ser seguido, mas ele deve começar a ser construído hoje.

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Irrigação pode dobrar

Flávia Maia

21/03/2018

 

 

Estudo das Nações Unidas mostra que o Brasil tem potencial de dobrar a área irrigada e triplicar a produção sem gerar conflitos sociais e econômicos nem sobrecarga de aquíferos. Os dados foram divulgados ontem durante o 8ª Fórum Mundial da Água. O livro Agricultura irrigada sustentável no Brasil: identificação de Áreas Prioritárias mapeia que 4,5 milhões de hectares no país podem ser usados na produção irrigada, com menor investimento e risco. Atualmente, o Brasil tem cerca de 5 milhões de hectares irrigados. Essas áreas tem produtividade 2,7 vezes maior do que as de sequeiro, que dependem das chuvas.

De acordo com o estudo, a região que abrange os estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia (Matopiba) tem grande potencial de uso de equipamentos de irrigação como o pivô central. A região teve grande expansão agrícola na última década. Entretanto, o livro ressalta que é possível crescer a irrigação em praticamente todo o território nacional.

De acordo com o livro, grande parte das áreas que podem se transformar em irrigáveis já estão ocupadas pela agricultura de sequeiro, especialmente para a produção de grãos, cana de açúcar e café. As áreas de pastagens degradadas também podem ser usadas para a irrigação. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), cerca de 30 milhões dos 160 milhões de hectares destinados à criação animal estão subutilizados. A ideia é crescer a produtividade por hectare sem buscar novas fronteiras agrícolas ou desmatar áreas intocadas.

“Podemos aumentar a nossa produtividade, estabilizar a produção e ter três safras por ano com irrigação”, explica Alan Bojanic, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

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Luta contra privatização

Augusto Fernandes

21/03/2018

 

 

O combate à comercialização da água continuou sendo tema de debates no Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) no quarto dia de atividades do evento. Desde que as discussões tiveram início, no último sábado, os participantes do fórum alertam sobre a necessidade de a água deixar de ser tratada como mercadoria. Líderes comunitários de vários países compartilharam experiências, e mostraram como a mobilização da sociedade foi importante para enfrentar esse processo.

Secretário geral do Movimento de Defesa pelo Acesso à Água, à Terra e à Proteção do Meio Ambiente do Chile, Rodrigo Mondaca explicou que o seu país tem um sistema de privatização da água há 37 anos. “Na época, isso foi algo inédito no mundo inteiro, e deu origem a um mercado das águas. Hoje, muitas pessoas vendem ou alugam água no nosso país como se fosse algo normal. Além disso, as empresas sanitárias do Chile são controladas por instituições francesas, canadenses e espanholas. Para consumir água potável, nós pagamos um dos preços mais caros da América Latina”, disse.

Em Lagos, na Nigéria, o acesso livre à água é a principal preocupação dos quase 21 mil habitantes da cidade, que passa por privatização desde 1986. Diretor da Ação de Direitos do Meio Ambiente da Nigéria, Philip Jakpor contou que a situação sensibilizou representantes de outros países. “Nós não podíamos levar água de uma casa para outra, não podíamos retirar água dos rios sem a permissão do governo, e não podíamos usar a água da chuva. Começamos, então, a construir relações de solidariedade com outros países para propagar essa informação. Hoje, essas leis não existem. Mas temos que continuar nos esforçando”, alertou.

Na opinião de Jakpor, a sociedade não pode permanecer calada. “Uma das mais importantes lições que aprendemos é que precisamos dos movimentos sociais para trazer soluções contra a privatização. Quero encorajar mais pessoas a seguir esse pensamento”, enfatizou.