O Estado de São Paulo, n. 45334, 30/11/2017. Política, p. A8.

 

Congresso quer fim do foro atrelado a abuso de autoridade

Daiene Cardoso

30/11/2011

 

 

Líderes partidários argumentam que deve haver proteção a parlamentares contra ‘perseguições políticas’ em instâncias inferiores

 

 

Líderes partidários na Câmara articulam para que a proposta que restringe o foro privilegiado tramite em paralelo ao projeto que trata do abuso de autoridade. Com isso, eles querem aprofundar na proposta de emenda à Constituição (PEC) do fim do foro a discussão sobre novas regras para a aplicação de medidas cautelares, como afastamento do mandato, a deputados e senadores.

A avaliação de parlamentares é de que nos últimos anos houve uma “banalização” da autorização judicial para prisões, busca e apreensão e quebra de sigilo. E agora, com a PEC do foro, é possível incluir mudanças na Constituição para coibir a ação monocrática de juízes que, segundo eles, fazem “perseguição política”. “Medida cautelar é uma coisa que banalizou no Brasil”, criticou o líder do PP, Arthur Lira (AL).

A posição do líder do PP encontra eco na Câmara. Uma das propostas avaliadas é submeter ao crivo de um colegiado de magistrados a decisão sobre a concessão de medida cautelar contra parlamentares. “Precisamos, sim, discutir isso, mas sem dar privilégios”, afirmou o líder do PSD, Marcos Montes (MG). O deputado é favorável ao fim irrestrito do foro, mas disse que é preciso proteger autoridades da “banalização” das medidas cautelares. “Há um abuso nestas questões (cautelares)”, disse o líder do PTB, Jovair Arantes (GO).

Líderes das dez maiores bancadas da Casa ouvidos pelo Estadão/Broadcast adotaram o discurso de defesa do fim irrestrito do foro como forma de acabar com o “privilégio” da classe política. Já o líder petista Carlos Zarattini (SP) avalia que a manutenção do foro para algumas autoridades dos três Poderes é importante para ter “alguma proteção”.

 

Salvaguarda. Se a PEC que restringe o foro privilegiado for aprovada, parlamentares e membros do Executivo (com exceção dos presidentes dos três Poderes) passariam a ser processados e julgados na primeira instância da Justiça. Por isso, deputados querem aprovar o projeto que trata do abuso de autoridade como recurso legal para quem se sentir perseguido por juízes e promotores.

O projeto do Senado altera a definição dos crimes de abuso de autoridade. O texto estabelece que o crime pode ser cometido por servidores públicos e membros dos três Poderes da República, do Ministério Público, de tribunais e conselhos de contas e das Forças Armadas. A proposta prevê mais de 30 condutas que podem ser consideradas abuso de autoridade, com penas que variam de seis meses a quatro anos de prisão.

Além disso, as autoridades condenadas teriam de indenizar a vítima. Em caso de reincidência, pode haver a inabilitação para exercício da função pública e até a perda do cargo. “Concordo que seja (votação) casada, as duas coisas (foro e abuso de autoridade)”, disse o líder do PR, José Rocha (BA). “É importante que prosperem (as duas propostas ). O abuso de poder está se tornando repetitivo”, afirmou Jovair.

Para avançar na Câmara, a PEC do fim do foro aguarda a criação da comissão especial para analisar seu mérito. Até o momento, nenhum partido fechou proposta sugerindo mudanças no texto. As emendas só devem ser apresentadas quando o colegiado for instalado. Já proposta sobre o abuso de autoridade tem comissão autorizada para iniciar os trabalhos, mas ainda não começou a funcionar.

 

Ex-presidentes. A concessão de foro privilegiado para ex-presidentes da República divide os líderes partidários. Deputados do PT e PMDB defendem abertamente a concessão do benefício a ex-mandatários. Se a proposta avançar na Casa, os expresidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e, a partir de 2019, o atual presidente Michel Temer serão beneficiados. “Um ex-presidente precisa ser tratado ainda como chefe de Estado”, disse Jovair.

 

Discussão. O fim irrestrito do foro privilegiado é defendido por líderes de dez partidos

 

Banalidade

“Medida cautelar é uma coisa que banalizou no Brasil.”

Arthur Lira (AL)

LÍDER DO PP NA CÂMARA

 

“Há abuso nestas questões. ”

Jovair Arantes (GO)

LÍDER DO PTB NA CÂMARA

 

PARA LEMBRAR

Proposta já foi rejeitada

Em 2009, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba com o privilégio de autoridades dos três Poderes de serem julgadas criminalmente apenas em tribunais superiores ou de segunda instância, o chamado foro privilegiado, foi rejeitada na Câmara. A justificativa, na época, era de que a medida iria beneficiar os réus do mensalão. Em 2013, uma nova proposta foi protocolada no Senado. O texto foi aprovado na Casa em maio deste ano e encaminhado à Câmara. Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou a admissibilidade da proposta. A expectativa de parlamentares é de que a comissão especial que vai analisar a proposta seja constituída ainda neste ano.

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Miller admite que fez ‘lambança’, mas nega ter cometido crime

Renan Truffi

30/11/2017

 

 

Ex-procurador é acusado de atuar em favor da J&F quando ainda estava vinculado ao Ministério Público Federal

 

 

Investigado há seis meses pela Procuradoria da República do Distrito Federal, o ex-procurador Marcelo Miller afirmou, ontem, que fez uma “lambança” durante as negociações do acordo de delação premiada e de leniência do Grupo J&F. Em aproximadamente seis horas de depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI Mista) da JBS, Miller admitiu o que chamou de “erro brutal de avaliação” por sua conduta no caso, mas negou que tenha cometido crime.

“De fato, eu comecei a ter contato com a J&F antes de a delação acontecer. Respondia perguntas, refletia sobre o caso, e não estou negando nada disso. Fiz uma avaliação e não cometi crime. Espero mesmo que apurem os fatos, mas eu cometi um erro brutal de avaliação. Eu fiz uma lambança”, afirmou Miller aos parlamentares.

O ex-procurador foi convocado para a oitiva porque está no centro da crise que atingiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) durante o mandato do ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Miller é suspeito de ter feito “jogo duplo” e beneficiado a J&F quando ainda era membro do Ministério Público Federal (MPF). Ele deixou o cargo de procurador no dia de 5 de abril e foi trabalhar no escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, que tinha justamente a J&F como cliente.

Mesmo tendo obtido uma liminar que lhe dava o direito de ficar calado no depoimento, Miller respondeu a quase todos os questionamentos feitos pelos parlamentares. Ele explicou que não se “atentou para as interpretações” que seu comportamento “poderia suscitar”. “Tudo o que eu incentivava a empresa a fazer era o que eu faria se estivesse no exercício de minha função (na PGR). É o que eu diria a um amigo. Eu incentivava a empresa a se remediar”, justificou.

Miller chegou a ser alvo de um pedido de prisão feito por Janot, quando as suspeitas sobre seu comportamento no caso vieram à tona. Ele criticou essa medida. “O pedido de prisão foi um disparate completo, juridicamente, de parte do procuradorgeral da República”, disse. “Em primeiro lugar, eu não tenho foro, portanto o procurador-geral não tinha atribuição para pedir a minha prisão. Em segundo lugar, ele me imputou tipos penais que são completamente fora da marca. Organização criminosa? Espere aí”, disse o exprocurador.

Ainda assim, Miller negou que Janot e seu braço direito, o procurador Eduardo Pelella, soubessem das suas atividades junto à J&F. “Pelella não teve nenhum conhecimento da atividade preparatória que eu desempenhei, em fevereiro e março, junto à J&F. Janot menos ainda”, contou.

As explicações não pouparam Miller de receber críticas dos parlamentares. “Não sei se o senhor é culpado, mas o senhor não teve conduta ética”, disse o deputado João Gualberto (PSDB-BA). Miller ainda foi questionado se achava correta a atitude dele como procurador do Ministério Público Federal. “Acho impróprio e não ilícito”, rebateu.

 

Eike. Convocado pela CPI do BNDES do Senado para explicar seus negócios com o banco, o empresário Eike Batista, dono do grupo EBX, voltou a defender a Operação Lava Jato, mas atribuiu a um “erro” a sua prisão. “Acho que o trabalho que está sendo feito é excelente, mas revoluções cometem alguns erros”, disse.

 

PARA ENTENDER

Investigação sob sigilo

A conduta do ex-procurador Marcelo Miller é investigada na Procuradoria da República do Distrito Federal, sob sigilo, desde maio, quando surgiram as primeiras notícias relacionando a delação do Grupo J&F e a contratação dele, como advogado, pelo escritório Trench, Rossi e Watanabe. Segundo investigadores, para imputar crime ao exprocurador é preciso verificar se ele atuou no Ministério Público a favor da empresa – o que ele nega – ou se usou de seu prestígio por ser integrante da instituição. No primeiro caso, ele poderia ser acusado de advocacia administrativa. No segundo, responder por exploração de prestígio.

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PF suspeita que Aécio tenha usado celulares de ‘laranjas’

Fabio Serapião / Rafael Moraes Moura

30/11/2017

 

 

Aparelhos estão em nome de ex-funcionários de irmã do senador, de agricultor e de empregado de empresa de construção

 

 

A Polícia Federal encontrou em um apartamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) dois celulares cujas linhas telefônicas estariam habilitadas em nomes de supostos “laranjas”. Um exmotorista e uma ex-funcionária da irmã do senador, Andréa Neves, um agricultor do interior de Minas e um funcionário de uma empresa de construção civil aparecem como responsáveis pelas linhas.

Segundo a PF, os celulares são de modelo “simples/descartáveis normalmente usados para conversas ponto a ponto (análogo a uma rede fechada) com pessoas determinadas/restritas de modo a evitar eventuais vazamentos do número usado na ligação, visando à maximização do sigilo das ligações”. Encontrados no apartamento que o tucano mantêm na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, no Rio, os aparelhos, de acordo com a PF, passaram por análise e, com informações obtidas nas operadoras de telefonia, foi possível mapear os titulares das linhas usadas.

As informações constam de relatório produzido no âmbito da Operação Patmos, desdobramento do acordo de colaboração premiada dos executivos do Grupo J&F. Aécio foi alvo da operação após ser gravado pelo empresário Joesley Batista solicitando R$ 2 milhões para arcar com os honorários de um advogado.

O celular Nokia 1280 estava em nome de um agricultor do interior mineiro de nome Laércio de Oliveira. “Uma pessoa simples, agricultor de café, que, em tese, não pertence ao convívio social do investigado senador Aécio Neves da Cunha, donde se infere que seus dados pessoais podem ter sido usados para habilitação da linha sem o seu consentimento”, diz a PF.

O LG A275, que seria usado em conversas ponto a ponto, tinha uma linha em nome de Mitil Ilcher Durão, funcionário de uma empresa de engenharia cujo registro de domicílio remete ao Estado do Espírito Santo. Em pesquisa solicitada à operadora Vivo, a PF descobriu que os números usados ao longo dos anos no aparelho foram registrados em nome de Valquiria Julia da Silva, que tinha vínculo empregatício com a irmã de Aécio, e de Agnaldo Soares, ex-motorista de Andréa Neves e funcionário da Assembleia Legislativa de Minas.

“Os titulares das linhas telefônicas acima referenciadas são pessoas simples e não há de se descartar a possibilidade de tais linhas terem sido habilitadas sem o consentimento deles. Há de informar também que os últimos registros de ligações realizadas por aqueles aparelhos não denotam ser de pessoas de convívio social de assinantes daquelas linhas, haja vista o ramo de atividades em que atuam”, diz o relatório.

 

Defesa. Em nota enviada à reportagem, a defesa do senador informou que “não teve acesso ao relatório citado e estranha que ele tenha sido tornado público antes que pudesse prestar os esclarecimentos necessários”. “Esses aparelhos não foram localizados na residência do senador, que fica em Brasília, mas sim em um apartamento no Rio que era usado desde a última campanha eleitoral”, afirma o texto.

 

Apreensão. Celulares estavam em apartamento de Aécio