Correio braziliense, n. 20029, 23/03/2018. Política, p. 2

 

Salvo-conduto para Lula até 4 de abril

Renato Souza

23/03/2018

 

 

JUSTIÇA » Em decisão surpreendente, ministros do Supremo aceitam analisar o habeas corpus pedido pelo ex-presidente, mas o julgamento do mérito fica para a primeira sessão depois da semana santa. Até lá, o petista não poderá ser preso

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiram a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos até 4 de abril. A decisão foi tomada durante o julgamento do habeas corpus apresentado pela defesa do petista para evitar uma prisão eventual, que pode ser determinada após análise de um recurso que tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Por 7 votos a 4, os ministros aceitaram avaliar o pedido da defesa do petista, mas, por conta do horário, decidiram adiar a avaliação do mérito para a próxima sessão da Corte. Até lá, em uma espécie de salvo-conduto, Lula fica em liberdade por força de uma liminar.

Por conta do entendimento do plenário, o ex-presidente ganha 13 dias de liberdade garantida. O primeiro a votar em relação ao reconhecimento preliminar do habeas corpus foi o relator do caso, ministro Edson Fachin. “Mantendo-se, ao menos por ora, a jurisprudência formada em 2016 por este tribunal, este habeas corpus se submete ao filtro. A prisão em segunda instância pode ser executada atualmente. Não vejo motivo para reconhecer o pedido para analisar o habeas corpus”, afirmou.

O voto de Marco Aurélio Mello formou maioria no plenário pela análise do pedido do ex-presidente Lula. Para o ministro, é necessário garantir o direito de ir e vir do ex-presidente. “Não é à toa que o habeas corpus é chamado de remédio heroico. Existe para preservar a liberdade de ir e vir do cidadão, quer já alcançada ou ameaçada. É adequado em qualquer situação jurídica que se tenha envolvida a liberdade, segundo bem maior do cidadão. Parece que existe uma aversão maior aos habeas corpus. É uma ação nobre, que preserva direitos”, disse.

O julgamento dos embargos de declaração, apresentados pela defesa de Lula no TRF-4, estão marcados para a próxima segunda-feira. Este recurso não tem poder para alterar a pena, e independentemente da decisão, é possível pedir a prisão do réu. A defesa ainda pode apresentar os “embargos de declaração” dos embargos de declaração. Mas o TRF-4 não costuma aceitar esse tipo de ação, por considerar meramente protelatório.

Adiamento

Por volta das 18h30 da noite, o ministro Marco Aurélio Mello informou que precisava deixar o plenário para pegar um voo, no Aeroporto de Brasília. A ministra Cármen Lúcia, então, pediu que os demais ministros optassem por suspender a sessão, por conta da hora, ou estender a votação pelo resto da noite. Temendo a prisão do cliente, o advogado José Roberto Batochio, que representou o ex-presidente Lula no julgamento, solicitou que fosse emitida uma liminar para garantir a liberdade do petista até que o Supremo avaliasse o mérito do habeas corpus. A maioria dos integrantes do plenário decidiu encerrar o julgamento e retomar após o recesso da semana santa, com concessão da liminar.

Ao votar pela concessão da liminar que impede a prisão de Lula, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o réu não pode ficar com o ônus nos casos em que a Justiça tenha algum atraso para analisar os pedidos da defesa. “É algo óbvio. Estamos discutindo a ideia de proteção judicial efetiva. Se não se pode garantir o mérito, se consegue a cautelar. O réu não pode ser onerado por uma decisão do poder Judiciário”, destacou.

No começo da sessão, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou pelo não reconhecimento do pedido de habeas corpus. “Os habeas corpus tentam corrigir uma situação que atenta ou já atentou contra a liberdade de alguém. Neste caso é diferente. O que se avalia é se a decisão pode dar ensejo à execução provisória da pena. Quando o TRF-4 incluiu esse item no acórdão, estava seguindo o que já fora determinado por esta Corte.”

Ao ser consultada novamente sobre a liminar para impedir a prisão, Dodge manteve o posicionamento. “Diante do que já suscitei aqui, baseado na decisão tomada em 2016, também me manifesto, em nome do MPF, pela rejeição da liminar”, completou. Após a sessão, Dodge disse que confia que o Supremo continuará com a posição favorável à execução provisória da pena após condenação em segunda instância. “É importante para o futuro da persecução penal no Brasil e sobretudo em face de crimes de corrupção, de crimes de colarinho branco, de crimes e crimes praticados pelo crime organizado”, afirmou.

Uma fonte, da cúpula do STF, ouvida pelo Correio, que prefere não se identificar, afirmou que esse tipo de decisão não é comum. “É claro que foi uma exceção. Isso ficou claro. Se for adotar essa prática, de conceder liminar, será necessário fazer isso para todos os habeas corpus que chegam por aqui e não são julgados imediatamente.”

O professor Fernando Castelo Branco, coordenador do curso de direito da FGV, afirma que a atitude dos ministros para evitar a prisão antes da próxima sessão é compreensível. “É comum, na medida em que o plenário já tinha decidido que o recurso apresentado é o mais adequado para a situação do ex-presidente. Como, na semana que vem, não tem sessão, eu achei pertinente a concessão, preventiva e com tempo determinar dessa liminar que impede a prisão”, afirmou.

Os próximos passos

» O Supremo aceitou analisar o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, decisão foi tomada por 7 a 3

» O julgamento do mérito do habeas corpus será realizado em 04 de abril, na primeira sessão depois da semana santa

» Até lá, o ex-presidente Lula não poderá ser preso, mesmo que um mandado de prisão seja emitido, ele fica congelado até a próxima sessão do STF

» O julgamento dos embargos de declaração, apresentados pela defesa do petista no TRF-4, será realizado na segunda-feira

» Assim que o tribunal de segunda instância analisar os embargos, o juiz Sérgio Moro será notificado e poderá expedir o mandado de prisão

» A ordem só será cumprida se o STF rejeitar o habeas corpus, em 4 de abril. Caso o pedido seja aceito, Lula pode ficar solto até nova ordem do Supremo