O Estado de São Paulo, n. 45338, 23/01/2018. Economia, p. B1.

 

Militar pesa 16 vezes mais no rombo da Previdência que segurado do INSS

Idiana Tomazelli / Adriana Fernandes

23/01/2018

 

 

Aposentadoria. Buraco nas contas da Previdência chegou a R$ 268,8 bi no ano passado, em meio às discussões sobre a votação da reforma no Congresso; déficit per capita de militares é de R$ 99,4 mil por ano, enquanto no INSS não passa de R$ 6,25 mil

 

 

O rombo na Previdência atingiu a marca recorde de R$ 268,8 bilhões em 2017 – ano marcado por sucessivos adiamentos na votação da reforma proposta pelo governo para endurecer as regras de aposentadoria e pensão no País. O déficit é 18,5% maior que o de 2016 e inclui os regimes do INSS e dos servidores da União. Os dados foram revelados ontem pelo governo e mostram que a Previdência dos servidores segue tendo um peso maior nas contas proporcionalmente. A participação de um militar federal nesse rombo, por exemplo, tem é 16 vezes maior que a de um segurado do INSS.

O chamado déficit per capita anual dos militares ficou em R$ 99,4 mil no ano passado, ante R$ 6,25 mil no INSS. Entre os servidores civis da União, a necessidade de financiamento do rombo também é mais elevada, de R$ 66,2 mil. Embora tenham um peso maior, os militares ficaram de fora da reforma que está em discussão. Os dados foram calculados com base no déficit de 2017 e no número de beneficiários de 2016, que são os mais recentes sobre a quantidade de benefícios em todos os regimes.

Em termos absolutos, o déficit na Previdência aumentou R$ 41,9 bilhões no ano passado. Para o secretário de Previdência, Marcelo Caetano, o resultado lança mais um alerta sobre a necessidade de aprovar a reforma. Segundo ele, sem o enfrentamento do problema, o Brasil poderá viver uma situação semelhante ao que aconteceu com Grécia e Portugal, onde a solução acabou sendo a redução dos benefícios.

O governo ainda não tem os votos necessários para aprovar a proposta, mas Caetano demonstrou confiança na capacidade de negociação. “O governo trabalha com a aprovação da reforma em meados de fevereiro”, disse diversas vezes durante a entrevista coletiva. O secretário defendeu que a reforma é essencial para o equilíbrio das contas públicas. “Observem os números. Os déficits crescem na ordem de dezenas de bilhões por ano. Temos que enfrentar.”

O avanço do déficit não é o único dado alarmante na avaliação do consultor legislativo do Senado Pedro Nery. O ritmo de crescimento da despesa previdenciária é o que mais preocupa, segundo ele. O aumento foi de 6,7% no ano passado, já descontada a inflação do período. “Mesmo em um ano em que praticamente não houve reajuste no benefício, ela continuou aumentando porque o crescimento vegetativo (maior número de beneficiários) é muito forte.”

Caetano alertou que o processo de envelhecimento populacional tende a se acelerar na próxima década, um indicativo de que a janela para o Brasil fazer mudanças nas regras previdenciárias sem cortar benefícios pode estar se fechando. O forte crescimento do déficit previdenciário urbano reforça essa mensagem. O aumento do rombo foi de 54,7% no ano passado, para R$ 71,7 bilhões. Até 2015, essa conta era positiva, mas a avaliação do secretário é que há uma tendência estrutural de resultados negativos a partir de agora. “O envelhecimento populacional acontece em ritmo muito acelerado.” O governo espera uma economia de cerca de R$ 588 bilhões nas despesas com aposentadorias e pensões em 10 anos com a aprovação da reforma da Previdência, a maior parte do impacto concentrada no longo prazo.

PONTOS-CHAVE

 

Déficit

Em 2017, rombo da Previdência chegou a R$ 268,8 bilhões. O déficit é 18,5% maior que o de 2016 e inclui os regimes do INSS e dos servidores

Comparação

O chamado déficit per capita anual dos militares ficou em R$ 99,4 mil no ano passado, ante R$ 6,25 mil no INSS

Reforma

O governo precisa de 308 votos para conseguir aprovar a reforma da Previdência. Votos que ainda não tem. Votação, marcada para fevereiro, pode ser adiada novamente

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Governo já cogita adiar reforma para novembro

Adriana Fernandes/ Carla Araújo/ Célia Froufe/ Idiana Tomazelli/ Igor Gadelha/ Tânia Monteiro

23/01/2018

 

 

Esse seria o quinto adiamento na votação da Previdência desde que o texto foi encaminhado ao Congresso em 2016

 

 

O governo divulgou ontem o déficit recorde R$ 268,8 bilhões nas contas da Previdência em 2017 (INSS e servidores da União), mas o resultado pouco deve influenciar o quadro de ceticismo com a aprovação, em fevereiro, da proposta de reforma nas regras de acesso à aposentadoria. A estratégia do governo agora é preparar o terreno para o anúncio de um novo adiamento da votação – desta vez, para novembro. Na área técnica, porém, poucos acreditam na aprovação antes do próximo governo, segundo apurou o Estado/Broadcast. Ontem, em reunião com investidores em Londres, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já avisou que a proposta pode voltar a ser pautada logo após a eleição, caso não seja aprovada no mês que vem. O discurso é que, em novembro, há a perspectiva de que uma janela se abra em função do fim do mandato de deputados e senadores que não temerão mais um julgamento popular. Seria o quinto adiamento da votação da reforma desde que a proposta foi encaminhada ao Congresso, no final de 2016.

Na entrevista coletiva, porém, Meirelles afirmou que a expectativa do governo é que a reforma seja em fevereiro. “A expectativa é em fevereiro, e não em novembro”, afirmou fazendo questão de mostrar firmeza em sua resposta. Meirelles relatou que, durante a reunião, foi incitado a colocar um porcentual esperado para a aprovação. “Me perguntaram: ‘mas, então, tem pelo menos 50%?’ Tem, tem sim, respondi”, acrescentando aos jornalistas que “a expectativa é muito maior que essa”. Mesmo com uma ala próxima do presidente já admitindo que a votação deve ficar para depois das eleições, Temer relatou a interlocutores diretos que é melhor colocar em votação em fevereiro “mesmo que para perder”. O discurso de agora é o mesmo de dezembro passado, quando o Planalto até o último momento insistiu na votação da reforma em 2017, mesmo com o risco de perder no plenário, até que o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR) entrou em campo e anunciou o adiamento.

Sem a reforma da Previdência, o governo procura o que dizer quando a data de votação (19 de fevereiro) se aproximar. A área econômica se apoia no discurso da retomada com mais vigor do crescimento da economia brasileira, admitem fontes do governo. O PIB mais alto funcionaria com uma “ponte” até a retomada das negociações da reforma, depois das eleições. Depois de defender que a reforma era essencial para o equilíbrio do País, o governo vai adaptar seu discurso e tentar focar no crescimento e no aumento das receitas para mostrar que as contas públicas aguentam mais um pouco sem as mudanças na Previdência. A espécie de “preparação” de Meirelles para o anúncio do adiamento ficou mais fácil depois que o Brasil teve a sua nota de crédito rebaixada pela agência S&P Global e não foi registrada turbulência nos mercados e nem impacto nos preços dos ativos brasileiros.

Meirelles foi alvo de críticas. O ministro das Cidades, Alexandre Baldy (sem partido-GO), afirmou que declarações como a do Meirelles (PSD) aos investidores atrapalham bastante a votação. Para o Baldy, os esforços precisam estar concentrados em votar as mudanças nas regras previdenciárias em fevereiro na Câmara, pois as chances de votá-la após as eleições são menores. Parlamentares da base aliada admitem nos bastidores que o governo está longe de ter os 308 votos mínimos necessários para aprovar a reforma no plenário da Câmara. Pelas contas de aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo não tem 230 votos favoráveis, mas erra ao começar a admitir que a votação poderá ficar para novembro.

Avanço

“Observem os números. Os déficits crescem na ordem de dezenas de bilhões por ano. Temos que enfrentar.”

Marcelo Caetano

SECRETÁRIO DE PREVIDÊNCIA