Correio braziliense, n. 20029, 23/03/2018. Mundo, p. 16

 

Incerteza na transição 

Jorge Vasconcellos

23/03/2018

 

 

PERU » Congresso dará posse hoje a Martín Vizcarra, que herda a presidência com a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski. A três semanas de receber a Cúpula das Américas, o país mergulha em uma crise política com desdobramentos à vista

Em lima de profunda incerteza política, o vice-presidente Martín Vizcarrra assume hoje a presidência do Peru, perante o Congresso, para substituir Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou na quarta-feira, em meio a um escândalo de compra de apoio parlamentar. A posse de Vizcarra, no entanto, deve ser insuficiente para estancar a crise política. Tanto ele quanto a segunda vice-presidente, Mercedez Aráoz, são investigados por suspeitas de corrupção. No Congresso, os parlamentares decidem hoje se aceitam a renúncia de Kuczynski ou dão prosseguimento a um processo de impeachment por ele ter mentido sobre suas relações com a empreiteira brasileira Odebrecht. A votação estava marcada para ontem, mas foi suspensa em função da renúncia.

Kuczynski é o primeiro chefe de Estado afastado na esteira do escândalo envolvendo a Odebrecht, que também é investigada no Brasil pela Operação Lava-Jato. O agora ex-presidente peruano é suspeito de ter recebido da construtora, por meio de duas empresas de consultoria privada, US$ 4,8 milhões em propina, de 2004 a 2014. A empreiteira empresa confessou ter pagado a políticos e empresários latino-americanos milhões de dólares em subornos para garantir contratos de obras públicas.

A Comissão Especial Anticorrupção da Procuradoria do Peru pediu ontem ao Tribunal de Investigação Preparatória Nacional, onde tramitam os casos vinculados ao escândalo da Lava-Jato no Peru, que impeça o ex-presidente de deixar o país.

A renúncia foi precipitada pela divulgação de vídeos comprometedores pelo partido opositor Força Popular, da congressista Keiko Fujimori. As imagens mostram um grupo de parlamentares dissidentes da legenda negociando favores do governo em troca de votos para barrar o primeiro pedido de impeachment contra Kuczynski. A votação final, em dezembro, livrou o presidente da destituição.

Entre os parlamentares gravados estava Kenji Fujimori, cujo apoio foi decisivo para salvar o então presidente. Três depois da decisão do Congresso, na véspera de Natal, Kuczynski concedeu um indulto e libertou o ex-presidente Alberto Fujimori, pai de Keiko e Kenji, que cumpria pena de 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade e corrupção. Após a queda de PPK, como é chamado no Peru, outra incerteza é quanto à possibilidade de o indulto a Fujimori ser revogado.

Retorno

Vizcarra chegou a Lima na noite de ontem, procedente de Ottawa, onde ocupava o cargo de embaixador do Peru. Logo após a renúncia de Kuczynski, o primeiro-vice disse, por meio de sua conta no Twitter, que estava “indignado” com a situação do país.

A crise política se desenrola a apenas três semanas da Cúpula das Américas, marcada para 13 e 14 de abril, em Lima. A capital peruana deverá receber 30 governantes do continente, inclusive o presidenete dos Estados Unidos, Donald Trump. O venezuelano Nicolás Maduro, retirado por Kuczynski da lista de convidados, anunciou a disposição de comparecer.

O professor Alberto Pfeifer, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP), disse ao Correio que os últimos acontecimentos no Peru mostram que a cúpula não têm recebido a devida importância no país. Segundo ele, isso é demonstrado, principalmente, pelo agendamento de uma moção de afastamento do presidente a poucas semanas do evento.

Pfeifer considera que “a origem da crise peruana está no fato de os eleitos, como o próprio Kuczynski, não entregarem aos eleitores e à sociedade o que prometeram em campanha, o que gera uma frustração generalizada” em relação à classe política. “Kuczynski, por exemplo, dizia combater a corrupção e acabou envolvido com a Odebrecht. Além disso, deu indulto ao ex-presidente Fujimori, condenado por corrupção e vários outros crimes.”

Frases

"Estou indignado pela situação atual, como a maioria dos peruanos”

Martín Vizcarra, novo presidente do Peru

 

"A origem da crise peruana está no fato de os eleitos não entregarem aos eleitores e à sociedade o que prometeram em campanha”

Alberto Pfeifer, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP