O Estado de São Paulo, n. 45342, 08/12/2017. Política, p.A7

 

 

 

 

 

Delator associa anel a propina para Cabral

Carlos Miranda afirma que joia de R$ 800 mil foi abatida de recursos desviados do Maracanã

Por: Constança Rezende

 

Constança Rezende / RIO

 

Apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como operador do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), Carlos Miranda afirmou ontem que empresas que prestavam serviços ao Estado pagavam 5% por contrato ao esquema do peemedebista. Ele foi interrogado na 7.ª Vara Federal Criminal na condição de delator.

Miranda também disse que abateu de propina repassada a Cabral por obras no Maracanã o valor de um anel comprado pelo empresário Fernando Cavendish, da Delta Construções, para a ex-primeira-dama do Estado Adriana Ancelmo – cerca de R$ 800 mil. O ex-governador havia dito que a joia foi um “presente de puxa-saco” que foi devolvido, sem relação com corrupção, que tem negado.

O acordo de delação de Miranda, fechado com o Ministério Público Federal (MPF), foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O operador também explicou o papel de cada um dos integrantes do esquema. Ele disse que Luiz Bezerra atuava como seu funcionário e passou a fazer o recolhimento de dinheiro em espécie, de acordo com as suas ordens. Isso aconteceu depois que o seu nome apareceu na Operação Castelo de Areia, em 2010. A orientação para a mudança de procedimento, segundo ele, partiu do próprio Cabral.

Miranda acrescentou que a pessoa referida como “Cabra Macho” na tabela de contabilidade das propinas era Cabral. Além disso, disse que empresas também fizeram contribuições visando a interesses em alguma legislação estadual. O operador também afirmou que o então secretário da Casa Civil de Cabral, Regis Fichtner, recebia propinas em parcelas de R$ 50 mil a R$150 mil.

Miranda tem ligações com o ex-governador. Ele já foi assessor parlamentar de Cabral, sócio em uma empresa ligada à sua família e casou-se com uma prima de primeiro grau do peemedebista. Segundo o MPF, depoimentos apontaram Miranda como a pessoa a quem Cabral confiou “a coleta e o transporte dos valores de propina exigidos das empreiteiras”, apontou o MPF.

 

‘Materialidade’. Também em depoimento a Bretas, Cabral afirmou que Miranda, apontado pelo MPF como seu “homem da mala”, guarda ressentimento dele. O motivo seria o fato de ele nunca ter passado um fim de semana na casa do ex-governador em Mangaratiba, no litoral fluminense, e nunca ter sido levado para trabalhar no governo.

“Não tinha intimidade nenhuma com Carlos Miranda”, disse Cabral. “Quero que ele mostre a materialidade disso (das denúncias). Ele não tem documento nenhum, é só o falar.”

Cabral também atribuiu as confissões de Miranda a transtornos psicológicos – depressão, por ter sido condenado três vezes à prisão. O ex-governador também criticou a procuradoria. “Se o MPF trabalhar para que a pessoa confirme a sua versão, ele vai adaptando a realidade ao MPF.”

 

'Documento'

O Estado não conseguiu ouvir a defesa de Régis Fichtner. Ele já negou, em ocasião anterior, ter recebido dinheiro ilegal. “Quero que ele mostre a materialidade disso (das denúncias). Ele não tem documento nenhum, é só o falar.”

 

 

 

 

 

Da prisão para o Enem

História
Por: Constança Rezende

 

RIO

 

O ex-governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), pediu ontem que as audiências previstas para os próximos dias 12 e 13 sejam desmarcadas para que ele possa fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aplicado para pessoas privadas de liberdade. O pedido foi deferido pelo juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal Criminal. De acordo com o advogado de Cabral, Rodrigo Roca, o ex-governador pretende tentar uma vaga no curso de História.

O defensor ressaltou que, para cada três dias de estudo, o detento terá redução de um dia de pena. A mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, também já fez o mesmo pedido.

No fim da audiência de ontem, Cabral também brincou com Bretas sobre a derrota do Flamengo (time do juiz) para o clube argentino Independiente, por 2 a 1, na véspera. Bretas rebateu dizendo que sabia que o ex-governador era vascaíno. Também citou as festas feitas no morro perto de Benfica, na zona norte do Rio, onde fica o presídio em que Cabral está preso.

 

Ratatouille. A audiência tratou do processo da Operação Ratatouille, que aponta que o empresário Marco de Luca pagou, entre 2007 e 2016, R$ 16,7 milhões em propina a Cabral. O objetivo seria obter benefícios em contratos com o governo do Rio. Foram contabilizados 82 pagamentos mensais aos operadores do ex-governador, Carlos Miranda e Luiz Bezerra, de aproximadamente R$ 200 mil.

Para o Ministério Público Federal (MPF), a continuidade dos pagamentos até a prisão de Cabral, mesmo após ele ter deixado o cargo, demonstra a influência política que o peemedebista ainda exercia sobre a administração.

O ex-governador do Rio negou reiteradamente ter cometido crime de corrupção. Cabral disse que usava recursos de caixa 2 de campanha – também um crime, mas bem mais leve. A tese não sensibilizou o MPF. / C.R.