O Estado de São Paulo, n. 45341, 07/12/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Defesas preparam investida por colaboração com a PF

Acordos. STF inicia análise de ação de Janot que questiona competência da corporação para firmar delações premiadas; decisão favorável deve impulsionar novas negociações

Por: Ricardo Brandt / Fábio Serapião /Rafael Moraes Moura / Beatriz Bulla

 

 

Ricardo Brandt

Fábio Serapião

Rafael Moraes Moura

Beatriz Bulla / BRASÍLIA

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a competência da polícia de firmar ou não acordos de delações premiadas é aguardada com grande expectativa pelas defesas de investigados e acusados de algumas das principais operações de combate à corrupção. O julgamento de uma ação de inconstitucionalidade apresentada pela Procuradoria-Geral da República está marcado para hoje. Advogados, policiais federais e procuradores ouvidos pelo Estado avaliam que a decisão do plenário da Corte vai impulsionar novas negociações, especialmente na Lava Jato.

A maioria dos ministros do STF deve rejeitar o pedido feito pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot na ação que questiona os artigos da Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013) que permite à polícia fechar acordos de colaboração premiada independentemente da participação do Ministério Público Federal (MPF).

A decisão do Supremo gera expectativa porque há dezenas de delações na fila da PGR e do Ministério Público Federal nos Estados. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – onde as apurações começaram em março de 2014, com foco na corrupção na Petrobrás –, porém, demonstra menos interesse nos acordos e advogados admitem reservadamente dificuldades na negociação após a saída de Janot e a posse de Raquel Dodge.

Na capital paranaense, pelo menos dois condenados que tentaram, sem sucesso, acordos com o Ministério Público Federal devem recorrer à PF caso o Supremo ratifique as colaborações da corporação. Preso desde março de 2015, o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, seis vezes condenado pelo juiz Sérgio Moro a mais de 70 anos de prisão e réu ainda de outras sete ações penais, encontrou resistência na força-tarefa.

O ex-diretor, considerado braço do PT no esquema de corrupção na estatal, acabou firmando uma colaboração diretamente com a Justiça – com base na Lei de Lavagem de Dinheiro, anterior à 12.850/2013, ele confessou os crimes e obteve uma redução de pena. “Duque continua colaborando e está à disposição para fazer acordo com a PF sem dúvida nenhuma”, disse o criminalista Antonio Figueiredo Basto. “Como se pode impedir alguém de querer falar? Não cabe ao Ministério Público não dar o benefício. Ele pleiteia o benefício, quem estabelece o benefício é a Justiça.”

Outro alvo da Lava Jato que aguarda a decisão do STF é o exministro Antonio Palocci. Preso em outubro de 2016 e condenado em junho deste ano por Moro a 12 anos e 2 meses de prisão, ele iniciou tratativas por um acordo com a equipe de Janot e teve as conversas interrompidas em setembro com a troca de comando na PGR. As negociações só retomaram em novembro, mas em outro ritmo, segundo apurou a reportagem.

Em juízo, Palocci confessou seus crimes a Moro e incriminou o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Suas negociações pararam com mais de 40 anexos redigidos pela defesa. Boa parte deles iniciada em conversas com a Polícia Federal, que foi excluída das tratativas. O advogado Adriano Bretas não quis comentar o caso.

No âmbito da PGR, a empreiteira Mendes Júnior ainda busca acordo que favoreça os executivos citados na Lava Jato. “Vamos aguardar primeiro. Se ficar confirmado que pode (a PF fechar delação), é claro que é (uma alternativa)”, disse o criminalista Marcelo Leonardo.

A decisão pode beneficiar também um dos alvos da Operação Carne Fraca, que apurou corrupção envolvendo fiscais do Ministério da Agricultura e empresas do setor de carnes. A fiscal Maria do Rocio Nascimento que teve problemas com a PGR pode fechar acordo com a PF.

 

Impacto. No STF, o julgamento pode causar impacto em dois acordos que esperam homologação: o do marqueteiro Duda Mendonça, assinado pela PF do Distrito Federal, e o do lobista Marcos Valério, fechado com delegados de Minas.

Na Lava Jato e em outras operações na primeira instância, a PF já firmou outros acordos de colaboração, mas a maioria deles é originária de tratativas dentro do modelo do MPF. Delegados fecharam acordo com a empresária Danielle Fonteles, da agência Pepper, e outro com a secretária Vanessa Daniella Pimenta Ribeiro, ex-funcionária do empresário Benedito Rodrigues de Oliveira, o Bené, na Operação Acrônimo. As colaborações foram homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 

Ação. Decisão pode causar impacto no acordo de Valério, fechado com delegados de Minas

 

IMPASSE

Lei 12.850/2013

Conhecida como Lei das Organizações Criminosas, ela atribui a delegados de polícia a competência para propor acordos de colaboração premiada:

Artigo 4º § 2º: Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador.

 

ADI 5508

O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada ao Supremo Tribunal Federal, questiona os dispositivos da Lei 12.850.

 

O que diz o MP

A legitimidade para propor e negociar as colaborações premiadas é privativa do Ministério Público, que é o titular das ações penais na Justiça.

Não caberia, portanto, à polícia negociar penas.

 

O que diz a PF

Em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal defende a autorização para que a corporação negocie acordos de delação premiada. O principal argumento da PF é que a colaboração do investigado fomenta a obtenção de provas de interesse da investigação em curso ou para novas investigações.

 

Delações fechadas pela PF

Enquanto o Supremo não julga a ADI, a Polícia Federal tem feito acordos de delação, sem a participação do Ministério Público Federal. Neste ano, fechou acordo com o operador do mensalão, Marcos Valério Fernandes de Souza, e com o marqueteiro Duda Mendonça. No âmbito da Operação Acrônimo, firmou acordos com a empresária Danielle Fonteles, da agência Pepper, e a secretária Vanessa Daniella Pimenta Ribeiro.

 

 

 

 

 

Símbolos da Lava Jato divergem sobre decisão

Delegado Anselmo defende acordos fechado pela PF; procurador Carlos Fernando, do MPF, vê ‘segunda porta’
Por: Ricardo Brandt / Gilberto Amendola

 

O delegado da Polícia Federal Márcio Anselmo, que iniciou as investigações da Operação Lava Jato em Curitiba, em 2013, afirmou que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508 coloca em jogo a delação e o “futuro da própria investigação criminal”.

Considerado o principal delegado da Lava Jato, Anselmo pediu para sair da força-tarefa em Curitiba, em 2016, depois de a Procuradoria exigir que a PF ficasse de fora da delação da Odebrecht – atualmente ele é corregedor no Espírito Santo.

“A colaboração premiada consiste em técnica especial de investigação, principal meio de obtenção de prova contra o crime organizado e importante mecanismo de combate à corrupção”, afirmou Anselmo.

O delegado Edivandir Paiva, presidente eleito da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), afirmou que “será um prejuízo absurdo” se a Corte proibir a PF de negociar acordos de delação premiada.

Já o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato em Curitiba, disse que há um risco de que a PF vire uma “segunda porta” onde os “afogados” vão buscar um acordo, depois de terem tentativas frustradas no MPF.

“Tenho muitas dúvidas, porque vai causar uma insegurança jurídica tão grande que acho que vai afastar os colaboradores. Só vai procurar os acordos quem estiver extremamente desesperado”, disse o procurador.

Carlos Fernando citou o caso do lobista Marcos Valério, que fechou acordo com a PF. “O que Marcos Valério traz é insuficiente para fazer acordo. O que vai acontecer é que as pessoas vão começar a ganhar acordos e perceber que podem começar a contar histórias mal arrumadas.” /  R.B. e GILBERTO AMENDOLA