O globo, n.30771 , 05/11/2017. PAÍS, p.4

DELATOR DIZ QUE SUA AGÊNCIA MANIPULAVA LICITAÇÕES

THIAGO HERDY

 

 

Os contratos de publicidade do governo estadual do Rio de Janeiro dos últimos dez anos foram direcionados para a Prole ou empresas sugeridas por ela, de acordo com relato do marqueteiro Renato Pereira em seu acordo de colaboração premiada. Sócios da Prole participaram até mesmo da redação de pareceres e justificativas para notas baixas de concorrentes, com o intuito de controlar as licitações. Segundo o delator, um irmão do governador Sérgio Cabral, o publicitário Maurício Cabral, tinha participação nos lucros obtidos com os contratos. A participação de Maurício foi decidida, segundo ele, durante um café da manhã no Copacabana Palace, em 2007. O irmão do governador é descrito por Pereira como um “publicitário bastante conhecido no mercado” e figura de seu relacionamento e de seus sócios. As cinco agências vencedoras da licitação de publicidade daquele ano foram previamente escolhidas pelo próprio Sérgio Cabral, de acordo com Renato Pereira. O delator diz ter sido procurado em 2007 por Ricardo Luiz Rocha Cota, então subsecretário de Comunicação do governo, para que ajudasse na organização de todo o procedimento licitatório, a ser feito no ano seguinte. Pereira designou ao então sócio de criação publicitária da agência, Flávio Horácio Peixoto Azevedo, a função de redigir pareceres e avaliação de propostas apresentadas. Além de Cota, participaram da fraude Regis Fichtner, subsecretário de Casa Civil, e Wilson Carlos, secretário de governo, além de Maurício Cabral, segundo o relato. Para não correr o risco de ser descartada da licitação, em função de sua estrutura modesta, a Prole participou do processo por meio do grupo Profissionais da Propaganda Reunidos (PPR), ao qual estava vinculada e que ficou entre os cinco vencedores. A empresa de Pereira voltaria a estar entre as escolhidas nas duas licitações seguintes do governo do estado, feitas em 2010 e 2016.

ESTADO PAGOU R$ 229 MILHÕES

Segundo dados oficiais da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, desde 2008, PPR e Prole faturaram R$ 229,6 milhões com a publicidade do estado, em contratos decorrentes, de acordo com o relato do delator, das licitações fraudulentas. Antes mesmo da primeira disputa oficial pela conta, os sócios da Prole já abocanhavam sua parte na publicidade estatal, segundo Pereira. Em 2007, a produtora Carioca Filmes era subcontratada pela então detentora do contrato com o estado, a empresa Eurofort, para registrar vídeos de ações do governo. O favorecimento ocorria com o aval de Wilson Carlos e de Luiz Cota, então subsecretário de comunicação. De acordo com o delator, 90% dos lucros da Carioca Filmes ficavam com a Prole. Nos anos seguintes, quando a Prole indicava uma agência para prestar serviços ao governo do Rio, recebia um percentual do contrato. Foi o que ocorreu em 2012, segundo Pereira, quando a Agência 3 foi escolhida em licitação para atender a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).

Segundo o delator, um terço dos lucros desse contrato eram repassados à Prole e outro terço a Maurício Cabral. A Cedae informou que o contrato com a Agência 3 vigorou entre 2013 e 2016 e teve custo de aproximadamente R$ 50 milhões. Em nota, a Agência 3 negou “as alegações da suposta delação”. Registrou ter vencido licitação “de forma lícita” e prestado serviços “de forma proba, transparente e de acordo com a lei”. A Cedae lembrou que a licitação foi aprovada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). “Não houve solicitação de recurso por parte dos outros participantes”. Ambas dizem estar à disposição para prestar esclarecimentos. Diretor da Eurofort, Cláudio Barreto afirmou desconhecer as alegações de Renato Pereira e disse que sua empresa trabalha há 15 anos “pautada na ética e de acordo com os termos e condições estabelecidos em contratos”. Ricardo Cota e Flávio Azevedo não quiseram se manifestar. Sócios da Carioca Filmes e Regis Fichtner não foram localizados.