O Estado de São Paulo, n. 45341, 07/12/2017. Metrópole, p.A12
Por: Constança Rezende
Constança Rezende / RIO
Um trabalho conjunto de forças federais e estaduais resultou ontem na prisão do traficante Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, na Favela do Arará, zona norte do Rio. E expôs a comunidade da Rocinha, na avaliação da polícia, a uma nova guerra do crime.
Bandido mais procurado do Rio, Rogério 157 disputava o comando do tráfico na favela da zona sul com Antônio Bonfim Lopes, o Nem. O risco, acredita a corporação, é de novos conflitos entre as facções Amigo dos Amigos (ADA), de Nem, e Comando Vermelho (CV), onde estava Rogério. Segundo o delegado Antônio Ricardo, da 11.ª Delegacia de Polícia (Rocinha), o grupo de Rogério se enfraqueceu. A guerra entre as duas quadrilhas pela venda de entorpecentes começou em 17 de setembro e, até agora, 20 pessoas já foram mortas na favela.
A operação mobilizou 2,9 mil homens de Forças Armadas, Polícias Civil, Militar e Federal e aconteceu nas comunidades da Mangueira, Tuiuti e Arará-Mandela. Rogério foi surpreendido por policiais civis em uma casa, não resistiu à prisão, mas teria tentado subornar os agentes, sem sucesso. À tarde, o secretário de Segurança, Roberto Sá, informou que vai pedir a transferência do traficante para um presídio federal, com cárcere mais rígido.
“Não gosto de enaltecer criminosos, mas este é um bandido que vem causando problemas há mais de dez anos no Rio de Janeiro, que fez dezenas de pessoas prisioneiras em um hotel, em 2010, que disparava tiro de fuzil na Avenida Niemeyer”, enumerou Sá. A ação, porém, teve mais repercussão por causa das fotos dos captores ao lado de Rogério .
Disfarce. Segundo o delegado Gabriel Ferrando, Rogério vinha tentando mudar a aparência para não ser preso. Ele se submeteu a procedimentos para apagar as tatuagens e tinha camuflado cicatrizes – sinais que poderiam identificá-lo. Ferrando contou que, ao ser abordado, Rogério não tinha identidade e disse aos policiais ser outra pessoa. Quando foi identificado, tentou evitar a prisão, dizendo que os agentes poderiam “fazer suas vidas” – em um indicativo de oferta de suborno.
“Nós conseguimos prendê-lo porque conhecíamos muito bem sua fisionomia, já estávamos investigando ele há um tempo”, declarou Ferrando. “Foi uma ação precisa, sem nenhum disparo de arma de fogo. Ele também não ofereceu resistência, não estava armado.”
Ontem, após a prisão de Rogério, moradores da Rocinha ouviram tiros. Sá especulou que pode ter sido uma comemoração de criminosos do bando de Nem pela captura do rival. Moradores levantaram a possibilidade de os disparos terem sido feitos em represália à ação.
Rogério 157 era chefe de segurança de Nem na ADA e assumiu o controle do tráfico no morro depois que o ex-comandante do tráfico local foi preso. No racha, Rogério migrou para o CV. Para policiais, o grupo de Nem tem mais simpatia da comunidade porque Rogério, quando assumiu, aumentou as taxas cobradas de moradores.
Roberta Pennafort / RIO
Era madrugada de 9 de novembro de 2011 quando o traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, foi preso no porta-malas do carro de um de seus advogados, na zona sul do Rio. O motorista chegou a oferecer R$ 30 mil em propina aos policiais. Nada feito, e o bandido mais procurado do Rio à época acabou na Penitenciária Federal de Porto Velho (RO). Dez meses depois, a favela recebia a maior Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Estado e o então governador Sergio Cabral (PMDB) comemorava. “Espero que, no futuro, essas crianças não tenham em sua memória nenhum tipo de conflito e atuação do poder paralelo.”
Apesar da ocupação por 700 policiais, os filhos da Rocinha cresceram sob o jugo de outro criminoso. Após cinco anos, o “inimigo número 1” do Estado passou a ser o ex-comparsa de Nem – Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157. A disputa violenta pela sucessão no comando do lucrativo tráfico de drogas na favela não é novidade. Antes de Nem e Rogério, outros chefes se revezaram no controle do lucrativo comércio de entorpecentes da favela – e às vezes mataram uns aos outros para mantê-lo ou conquistá-lo. Uns, de perfil assistencialista, tiveram maior aceitação pela população; outros, mais violentos, se impuseram pelo terror. Todos eram calcados nas relações promíscuas com policiais corruptos.
A “tradição” remonta a 1980 e remete a Denir Leandro da Silva, o Dênis, preso em 1987, mas influente até ser morto, em 2001, na prisão. Na ocasião, a favela amanheceu com bandeiras pretas estendidas e comerciantes fecharam as portas, em luto forçado pelo tráfico.
Encravada entre a Gávea, bairro de artistas, e São Conrado, terra dos condomínios fechados, e à beira de uma via que leva à Barra da Tijuca, a Rocinha na virada para os anos 1990 já era um entreposto de venda de maconha e cocaína. Ali, consumidores do “asfalto” chegavam sem dificuldade. Os fuzis começavam a surgir em maior número.
De lá para cá, sucederam-se no topo cinco traficantes até a ascensão de Nem. Todos, à exceção do último, foram mortos, pela polícia ou por comparsas. “A Rocinha é um lucrativo empório de drogas desde o fim dos anos 1970. Por isso há sempre a cobiça de quadrilhas diferentes e dentro do mesmo comando”, aponta a socióloga Alba Zaluar, que pesquisa as dinâmicas do tráfico há três décadas. “O Dênis matou o ‘fiel’ (comparsa), depois foi morto. O Dudu invadiu para tomar do Lulu. Nem está sendo atacado pelo antigo braço direito. A disputa é grande e o poder, frágil.”
Questão crucial. Para a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, o ciclo de violência entre traficantes e deles com as forças de segurança não vai acabar até que se enfrente uma questão crucial: a legalização das drogas. “É preciso que se tenha coragem para dizer o óbvio: não é mais possível manter essa política de confronto. Vêm as Forças Armadas, prendem 13 pessoas, e já tem meia dúzia para disputar o lugar de cada uma delas.”
O mineiro Celso (nome fictício) morou por 40 anos na Rocinha. Mudou-se para um bairro mais tranquilo, em 2004, mas ainda volta ao morro para trabalhar. “A Rocinha foi meu paraíso até a guerra do Dudu com o Lulu (anos 1990). Vi policial ser todo furado de bala na porta da minha casa, algo inimaginável. Meu filho tinha 3 anos e ficou traumatizado, tive de me mudar.” Celso se referia ao episódio da Semana Santa de 2004 em que 12 foram assassinados. “Se você leva a sua vida direito, os bandidos não mexem com você. Quem está mandando não faz tanta diferença. Você sabe que vem um, vem outro, eles sempre vão se suceder. O problema é a bala perdida.”
Criaram polêmica nas redes sociais as selfies que policiais tiraram ao lado de Rogério 157. O próprio delegado da 12ª DP, Gabriel Ferrando, aparece em algumas, apesar de ter dito reprovar a atitude. Em outra foto, uma policial está quase apoiada no ombro do traficante. Ambos sorriem – é possível até ver as algemas nos pulsos do preso. O secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, disse que os agentes serão investigados. “Houve euforia dos policiais, mas é possível que se tenha passado do ponto.”/ C.R.