Correio braziliense, n. 20031, 25/03/2018. Economia, p. 7

 

Investimento público mantém queda em 2018

Rosana Hessel

25/03/2018

 

 

CONJUNTURA » Depois de encolher 29,5% em 2017 e contribuir para a menor taxa de formação de capital fixo em relação ao PIB da história , de 15,6%, desembolso do governo cai 10,5% no primeiro bimestre do ano, conforme dados prelimares da Contas Abertas

Em um ano eleitoral, o Orçamento da União é mais apertado do que o habitual devido às pressões para mais gastos dos partidos da base aliada que estão de olho na reeleição. Mas, com as despesas obrigatórias crescendo em ritmo mais acelerado do que o das receitas, resta ao governo não dispensar os cortes nos investimentos, a gordura cada vez mais magra das contas públicas. Prova disso é que o ano de 2018 mal começou e os investimentos continuam em queda, apesar das previsões de crescimento da economia e da arrecadação, que saltou mais de 10% no primeiro bimestre.

Conforme levantamento preliminar da ONG Contas Abertas, o recuo dos investimentos públicos foi de 10,5% em janeiro e fevereiro deste ano na comparação com o mesmo período de 2017, passando de R$ 2,89 bilhões para R$ 2,59 bilhões, em valores correntes. O ministério das Cidades e o de Transportes sofreram os maiores cortes no primeiro bimestre de 2018 na comparação com o mesmo período de 2017. Na pasta de Cidades, o tombo foi maior em valores e em percentual, de 76,8%, despencando de R$ 248,5 milhões, no primeiro bimestre de 2016, para R$ 57,5 milhões.

De acordo com a ONG, os programas “Mobilidade Urbana e Trânsito” e “Saneamento Básico” tiveram queda nos investimentos e, praticamente, em todas as ações. Os pagamentos dos investimentos efetuados, em 2017, pelo Ministério das Cidades somaram R$ 5,7 bilhões nos programas Minha Casa MinhaVida, saneamento ambiental, infraestrutura e mobilidade urbana e habitação. A pasta informa que para 2018 estão previstos investimentos de R$ 6,3 bilhões para esses segmentos.

Já o Ministério da Defesa ficou entre os órgãos que tiveram maiores aumentos no primeiro bimestre de 2018, conforme dados da Contas Abertas, passando de R$ 283,2 milhões para R$ 409,8 milhões, salto de 44,7% sobre o mesmo intervalo de 2017, na contramão do total geral. A maior parte dos gastos foi em Defesa Nacional, tendo o projeto Guarani, que desenvolve um veículo blindado 8x8, como o maior aumento entre os recursos no primeiro bimestre, de R$ 132 milhões.

Em 2017, o tombo dos investimentos foi maior, de 29,5% em relação ao ano anterior, conforme dados do Tesouro Nacional, para R$ 45,7 bilhões. O secretário-geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembra que esse montante foi o menor patamar registrado pelos investimentos públicos desde 2005. Ele destaca que essa aparente diminuição no ritmo de corte dos investimentos, contudo, não pode ser comemorada. Isso porque a falta de espaço no Orçamento é tamanha que o governo já ampliou de R$ 16,2 bilhões para R$ 18,2 bilhões o contingenciamento deste ano, medida necessária para cumprir a meta fiscal, que permite um rombo de até R$ 159 bilhões nas contas do governo federal.

Por enquanto, a dotação para investimentos, em 2018, é de R$ 54 bilhões, mas tudo indica que o governo cortará o máximo que puder nessa rubrica se houver frustrações de receita. Fontes da equipe econômica admitem que os dados da arrecadação de março não são nada animadores. Além disso, a reoneração da folha de pagamentos não avança no Congresso  e o Planejamento retirou da previsão orçamentária a receita estimada com a proposta, que encolhe a cada adiamento. Passou de R$ 12 bilhões, se tivesse entrado em vigor em janeiro, para R$ 8,8 bilhões em março.

Situação crítica

Não à toa, a taxa de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) atingiu o menor nível da história em 2017, de 15,6%. “A iniciativa privada acompanha o governo. Se o setor público não investe, os empresários também põem o pé no freio, o que afeta a taxa global”, explica Castello Branco. Para ele, a situação crítica das contas públicas tende a piorar sem a reforma da Previdência e com a manutenção dos cortes das despesas discricionárias, onde estão os investimentos.

Se os investimentos continuarem em queda, a expansão da economia será comprometida, alertam os especialistas. Em  2017, segundo Castello Branco, encolheram não só no governo federal, mas também nas estatais e nas administrações regionais. “E, neste ano, há pouco espaço para aumento dos investimentos”, avisa.

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, no entanto, considera que a falta de investimento público tem um lado positivo, que é obrigar o governo a aprender a fazer planejamento, algo que não faz historicamente. “Não é de todo ruim não ter dinheiro para investimento, porque ele força a revisão das políticas públicas. Tem muitas que não funcionam, custam caro, atrapalham o crescimento do país e são injustas socialmente. Só acabando mesmo o dinheiro é que a gente vai avaliar tudo isso”, afirma, sugerindo melhor avaliação dos investimentos em projetos que são superfaturados, como é o caso das obras da transposição do São Francisco.

Restos a pagar

Dados do Tesouro Nacional mostram que boa parte dos investimentos públicos não são aplicados em novas obras, o que estimularia a economia, mas, sim, em restos a pagar (RAP) de contratos antigos. Em média, 43% do que foi gasto em 2017 foram RAP, mas há órgãos que tiveram percentuais maiores, próximos a 100%. É o caso do Superior Tribunal de Justiça, que informa que o montante empenhado passou de R$ 20,8 milhões para R$ 19,5 milhões entre 2016 e 2017, sendo que esses valores “majoritariamente se referem ao pagamento de despesas de anos pretéritos inscritas em restos a pagar”. No Ministério das Cidades, o volume pago de RAP, em 2017, foi de 40,2%.

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TCU avalia impactos

25/03/2018

 

 

A falta de acompanhamento e planejamento nos investimentos públicos está chamando a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão vai avaliar, por meio de auditoria, a efetividade, a adequação e a priorização de investimento das obras de mobilidade urbana espalhadas pelo país e financiadas com recursos federais. Em 2015, o órgão constatou que as metas e indicadores utilizados pelo governo federal não eram capazes de avaliar e medir o progresso e o alcance dos objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que é definida em lei.

A nova fiscalização, a ser realizada sob a relatoria do ministro Vital do Rêgo, tem como objetivo atualizar as informações e verificar o impacto dos principais investimentos destinados à área de mobilidade, levando-se também em conta a realização dos eventos esportivos de grande porte ocorridos no Brasil — Copa do Mundo, em 2014, e Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

“Os investimentos têm caído bastante e esse monitoramento permitirá avaliarmos melhor a aplicação dos recursos no país”, destaca Vital do Rêgo Filho, citando como exemplo o relatório que coordenou sobre a aplicação dos recursos em segurança pública no Rio Grande do Norte, que revelou não haver integração das informações e muito menos fiscalização da aplicação dos recursos.

Na avaliação do ministro, a falta de recursos públicos, associada à crise orçamentária, tem feito com que a deficiência na área de mobilidade urbana seja crescente. “Há uma percepção de que os investimentos realizados na área não têm conseguido superar os problemas encontrados”, afirma, lembrando que o tribunal, na última auditoria, constatou que os objetivos e diretrizes definidos nessa política não estavam sendo devidamente considerados como critérios de seleção das propostas de intervenção em mobilidade apresentadas ao governo federal por estados e municípios.

“O TCU observou que o esforço cooperativo entre as esferas de governo é insuficiente para priorização do transporte não motorizado e do transporte público, em detrimento dos transportes individuais, e apontou dificuldade dos entes federados de cooperarem entre si na coordenação e alinhamento de esforços para implementação da política pública de mobilidade urbana”, completa o ministro que é relator de processos que investigam irregularidades nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento, como é o caso do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras. Em 2007, a previsão inicial do empreendimento era de R$ 8,2 bilhões, e, até o momento, o “custo afundado” já chega a R$ 26 bilhões e ainda se discute a necessidade de enterrar outros R$ 12 bilhões para a conclusão da obra. (RH)