O globo, n. 30793, 27/11/2017. País, p. 3 

 

Contas rejeitadas

Eduardo Bresciani

27/11/2017

 

 

Governo federal aponta irregularidades em 922 convênios com estados, municípios e ONGs
-BRASÍLIA- Mais de 900 contratos e convênios firmados pela União com municípios, estados e organizações não governamentais (ONGs) nos últimos dez anos tiveram as prestações de contas rejeitadas pelos próprios ministérios que repassaram as verbas. Essas transações ultrapassam R$ 836 milhões, dos quais R$ 594 milhões foram efetivamente liberados. A rejeição gera a abertura de um processo chamado de Tomada de Contas Especial, que tem o objetivo de identificar os responsáveis pelo prejuízo e recuperar os recursos para os cofres do governo federal.

As informações estão disponíveis em um site lançado pelo Ministério do Planejamento, o Painel Transferências Abertas, que reúne dados sobre 114 mil contratos, convênios e termos de parceria assinados desde 2008. A ferramenta é atualizada todos os dias. Levantamento feito pelo GLOBO na última sexta-feira constatou que eram 922 os contratos e convênios que tiveram as prestações de contas rejeitadas. Quase a metade, 425, era do Ministério do Turismo. A pasta também lidera em relação aos valores dos contratos, que somam R$ 226,9 milhões (27% do total). Na sequência, aparecem as pastas de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, com R$ 117,6 milhões; Defesa (R$ 86 milhões); Desenvolvimento Social (R$ 53,2 milhões); e Trabalho (R$ 51,2 milhões).

Como os processos são lentos, a maior parte dos acordos com prestação de contas rejeitadas é de 2009 (395) e 2010 (299). A maioria foi celebrada com prefeituras: 588. Outros 283 foram assinados com organizações da sociedade civil, restando ainda 46 com governos estaduais e cinco com empresas públicas. Por estado, o maior valor é do Amazonas, R$ 153,6 milhões. Na sequência, vêm São Paulo, R$ 83,5 milhões; Pernambuco, R$ 53,8 milhões; Bahia, R$ 46,9 milhões; e Distrito Federal, R$ 39,7 milhões.

O Amazonas lidera devido a um convênio de R$ 107 milhões firmado com o governo estadual para obras de acesso à Zona Franca de Manaus em 2012. Pareceres técnicos do Executivo e do Ministério Público Federal (MPF) apontaram que a revitalização das áreas já construídas não seria suficiente, além do fato de um termo aditivo ao contrato ter aumentado alguns dos preços unitários acima dos 25% previstos em lei. Na própria prestação de contas, o governo do Amazonas se queixou de que a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, teria sido “ausente” durante a execução do contrato. O convênio acabou rescindido em 2015.

Além do caso do Amazonas, aparecem no topo da lista um convênio de 2009 do Ministério do Turismo para a construção de um túnel no Recife, obra do governo de Pernambuco, no valor de R$ 50 milhões; uma parceria da pasta do Trabalho com uma ONG de São Paulo, de 2008, para instalação de centros de atendimento ao trabalhador, no valor de R$ 37,7 milhões; um convênio de 2009 da área de Desenvolvimento Agrário com uma estatal baiana para assistência técnica a agricultores familiares no interior da Bahia, ao custo de R$ 27,6 milhões; e um programa de 2012, de R$ 23,1 milhões, para construção de cisternas pelo governo do Espírito Santo em parceria com a pasta do Desenvolvimento Social.

O diretor de auditoria de governança e gestão do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU), Marcos Rezende, observa que parte das rejeições decorre de problemas de gestão e da própria prestação de contas.

— Nem tudo é corrupção. Há situações em que muda o prefeito, muda a gestão. E ainda temos municípios com dificuldades de prestação de contas, de dar informações, devido à carência nessa área de gestão. Temos preocupação com qualquer desvio de recurso público — afirma. — Nesse caso, o percentual até não é tão alto, nem mesmo a quantidade de recursos. Mas é sempre preciso adequar os controles para reduzir a probabilidade de esses problemas acontecerem.

 

DEMORA NA EXECUÇÃO DOS CONTRATOS

Rezende ressalta que a lentidão na execução dos contratos e convênios e no envio e na análise de prestações de contas é outro problema a ser enfrentado. Ele conta que uma auditoria em andamento na CGU aponta um tempo médio de cinco anos para a execução, o que seria um prazo muito longo, já que na maioria dos casos os valores não são tão altos.

— O que nos preocupa bastante, além da quantidade de rejeições, é a questão do tempo que tem levado para esses contratos serem finalizados. É muito alto. Em geral, são instrumentos de baixo valor; em torno de 80% deles são abaixo de R$ 750 mil. O tempo de execução deveria ser menor, e há um problema de envio e análise de prestação de contas, que gera um estoque muito elevado e crescente. Os ministérios têm dificuldade de analisar as prestações de contas em tempo hábil, perdendo a oportunidade de identificar mais prontamente os problemas — destaca.

Responsável pelo maior volume de prestação de contas rejeitadas, a pasta do Turismo foi alvo, em 2011, da Operação Voucher — que apurava desvios em contratos — e afirma ter tomado “medidas rígidas” desde então. O ministério observa que quase todos os contratos nessa situação foram celebrados até 2011.

“Desde então, o Ministério do Turismo adotou medidas mais rígidas em relação à aprovação das propostas, acompanhamento e fiscalização dos objetos. Em função dessas mudanças, o próprio Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União reconheceram o esforço do Ministério do Turismo em melhorar o processo de celebração e prestação de contas dos contratos de repasse e convênios”, afirma a pasta, ressaltando ter recebido prêmios pelo seu trabalho recente na área.

O ministério acrescenta que parte dos valores investidos já foi recuperada pela União. E destaca que houve um “reforço da equipe” que faz a análise da prestação de contas, além do estabelecimento de metas para a área. “Como exemplo, somente nos nove primeiros meses de 2017 foram realizadas mais de mil análises de prestação de contas, número 21% maior do que todas as prestações realizadas em 2016”, ressalta o ministério.

O governo do Espírito Santo afirmou que o convênio para construção de cisternas foi firmado na gestão anterior e que a empresa contratada para a prestação de serviços teve as contas rejeitadas pelo órgão estadual. Ressaltou que cobra a empresa na Justiça e que já houve devolução à União de parte dos recursos repassados. “A Agência de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo esclarece que não foi firmado novo convênio com o mesmo objeto e com a mesma entidade e que o Governo do Estado tem intensificado o controle interno de seus contratos por meio de auditorias, monitoramentos e inspeções, entre outras ações promovidas pela Secretaria de Estado de Controle e Transparência”, diz ainda a nota.

Os governos do Amazonas e de Pernambuco não responderam aos questionamentos. A ONG paulistana que fechou contrato com o Ministério do Trabalho não foi localizada, e a estatal baiana que firmou contrato com o Ministério do Desenvolvimento Agrário não existe mais.

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No Rio, problemas relacionados aos Jogos Olímpicos

Eduardo Bresciani

27/11/2017

 

 

BRASÍLIA — Cinco convênios com as prestações de contas rejeitadas referem-se à área de Segurança Pública para a Olimpíada do Rio, em 2016. O valor chega a R$ 14 milhões — são quatro contratos assinados com o governo do estado e um com a prefeitura da capital. Todas as parcerias foram feitas com o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Especial de Grandes Eventos. A maior parte dos problemas esteve nas licitações.

O maior contrato é o que trata da aquisição de motocicletas e outros equipamentos para a Polícia Militar, no valor de R$ 4,8 milhões. Um dos problemas apontados é o fato de o governo estadual não ter depositado os R$ 100 mil previstos como contrapartida. Os fiscais do controle interno do Ministério da Justiça sustentaram ainda que a licitação para a compra do material não teria seguido as regras federais. A prestação de contas foi rejeitada em abril deste ano e, no mês seguinte, abriu-se um processo de Tomada de Contas Especial para apurar a responsabilidade e buscar a recuperação dos recursos investidos pela União.

Também firmado às vésperas do evento, o convênio que tratou da aquisição de softwares para a área de inteligência da Polícia Civil, no valor de R$ 2,3 milhões, teve as contas rejeitadas. No caso deste contrato, a rejeição ocorreu em julho de 2017, e o sistema público de convênios não informa o motivo. Mais dois convênios na mesma situação foram assinados em 2015. Um serviu para a compra de equipamentos médicos para helicópteros da PM; e o outro, para a aquisição de aparelhos de filmagem e fotografia para a área de inteligência da Secretaria de Segurança.

A Secretaria de Segurança do Rio afirmou que estes quatro convênios fazem parte de um pacote de 13 celebrados com foco no evento. Destacou que os repasses foram feitos entre fevereiro e maio de 2016 e observou que os prazos iniciais dos convênios ultrapassavam o período dos eventos. A pasta sustentou que os processos licitatórios “não cabiam” no pouco tempo de execução de que dispunha e ressaltou que os convênios foram efetivamente executados, com as compras realizadas dentro do previsto. “Muitos equipamentos eram de aquisições internacionais e, por óbvio, os procedimentos licitatórios não cabiam dentro do prazo de apenas quatro meses”, diz a nota.

A pasta, que está recorrendo da rejeição, ressaltou que as contrapartidas não foram depositadas de imediato pelo fato de o Estado do Rio ter decretado a situação de calamidade pública e não ter como realizar os pagamentos. A secretaria afirma que o Ministério da Justiça não questionou o fato na época e que, posteriormente, os depósitos foram realizados.

“No que tange à rejeição da prestação de contas dos convênios citados, esclarecemos que trata-se de uma análise unilateral e equivocada dos fiscais da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, que por lei deveriam e poderiam ter adotado qualquer postura de suspensão ou interrupção da execução e não o fizeram, o que deu margem para a contínua execução até sua integralidade”, afirma a secretaria.

No caso que envolve a prefeitura, o convênio foi para a aquisição de furgões para a Guarda Municipal, no valor de R$ 1,6 milhão. O Ministério da Justiça justificou a rejeição pelo descumprimento de regras federais na licitação. O certame ocorreu ainda no governo de Eduardo Paes, mas a atual gestão, de Marcelo Crivella, informou que recorreu, porque o objetivo do convênio foi alcançado, com a aquisição de dez veículos que continuam sendo usados pela Guarda Municipal.

“A Prefeitura do Rio não concorda com a rejeição das contas, tendo em vista que o objetivo do convênio foi concretizado”, diz a Guarda Municipal.