O Estado de São Paulo, n. 45339, 05/12/2017. Economia, p.B4
Por: Carla Araújo / Daiene Cardoso
Carla Araújo
Daiene Cardoso / BRASÍLIA
No trabalho de convencimento que o presidente Michel Temer tenta fazer em torno da reforma da Previdência, além de mostrar estimativas ruins para a economia caso a reforma não seja aprovada, o governo tem em mãos dados de uma pesquisa encomendada ao Ibope que aponta uma queda na rejeição da população em relação às mudanças na aposentadoria.
O Estadão/Broadcast teve acesso aos dados da pesquisa que ouviu 1.200 pessoas em novembro e constatou que 46% dos brasileiros são contrários à reforma. Em abril, o número era de 61%. O levantamento mostrou ainda que, no mesmo período (de abril para novembro), subiu de 14% para 18% a parcela dos que são a favor da reforma. Além disso, subiu de 24% para 33% aqueles que não sabem ou não têm opinião formada.
A avaliação de auxiliares do presidente é que finalmente a “batalha da comunicação” começou a melhorar e o governo agora tem dados para contrapor o argumento de parlamentares de que a reforma é prejudicial para o desempenho eleitoral dos políticos.
O levantamento, realizado por telefone, traz ainda outro dado que o governo pretende explorar no esforço de convencimento.
Quando o pesquisador informa aos ouvintes que a reforma “não vai mexer na aposentadoria rural”, “não tira direitos adquiridos” e também não mexe em benefícios como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas de baixa renda, a aceitação ao texto sobe. Neste cenário, o total de pessoas a favor sobe de 18% para 26%. Os contrários caem de 46% para 30% e os que não sabem cresce de 33% para 42%. Segundo um auxiliar do presidente, essa parcela que ainda não consegue decidir se é a favor ou contra o texto precisa ser atingida. “A resistência cai muito com as informações que estamos passando, por isso estamos e vamos explorar cada vez mais esse discurso”, disse um interlocutor.
O “combate aos privilégios” é o mote da campanha lançada pelo governo no dia 17 de novembro. Nesta primeira fase da campanha já foram gastos cerca de R$ 25 milhões.
O governo já tem separado outros R$ 72 milhões para a publicidade e boa parte do recurso deve turbinar a campanha da Previdência, principalmente na TV, onde boa parte das pessoas ainda se informa.
Economia e eleições. Os argumentos usados por governistas também incluem prognósticos ruins para o cenário eleitoral caso a reforma não avance. No jantar promovido no domingo, a equipe econômica usou como argumento a perspectiva de consolidação do crescimento a partir de junho de 2018, justamente no período eleitoral. A narrativa foi de que, sem a reforma, o cenário para o próximo ano será de “aperto” e os governistas não terão o que mostrar no palanque porque não haverá recursos para investimentos.
Líderes partidários saíram do encontro convictos de que, se não houver um sinal positivo para o mercado sobre o andamento das reformas, todo esforço de ajuste do governo estará perdido. A equipe econômica fez projeções e mostrou os efeitos negativos para o País se a reforma não avançar, o que inclui rebaixamento de nota das agências de classificação de risco e falta de investimentos. “O mercado tem reagido positivamente à agenda de reformas e os efeitos são paulatinos, mas isso tem um prazo para isso se consolidar. A ruptura disso, ou seja, não votar, no mercado, o efeito é imediato”, resumiu o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Os governistas fizeram um pacto de não divulgar mais o número exato de votos favoráveis para aprovação da PEC, mas o líder governista admitiu que ainda não há sequer 205 dos 308 apoios necessários para aprovar a proposta em dois turnos. “Não tem como mudar (voto) do dia para a noite. Não é mágica, é uma construção que tem que se fazer”, afirmou o parlamentar. A mobilização será feita até a próxima quinta-feira, 7, e, se houver votos, a votação do primeiro turno ficará para a semana seguinte.
A estratégia , segundo o deputado Beto Mansur (PRB-SP), é não fazer mais nenhuma alteração na última versão do texto apresentada há duas semanas pelo relator, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), deixando a negociação para o plenário.
Aprovação
18%
dos brasileiros são a favor da reforma da Previdência; em abril apenas 14% aprovavam as modificações, segundo pesquisa Ibope
R$ 72 bilhões
É o valor que o governo tem separado para a publicidade, boa parte será usado para turbinar a campanha da Previdência
Douglas Gavras
A possibilidade de avanço na reforma da Previdência soou bem entre investidores do mercado financeiro ontem. A Bolsa teve um dia de otimismo cauteloso, após o encontro, no domingo, em que o presidente Michel Temer propôs um pacto com parlamentares para aprovar a proposta. O Ibovespa fechou em alta de 1,14%, aos 73.090,17 pontos. O dólar à vista fechou em queda de 0,28%, a R$ 3,245.
Segundo analistas, o mercado recobrou parte das expectativas que tinha perdido com a reforma da Previdência, mesmo que a janela para a aprovação do texto ainda este ano pelos parlamentares seja estreita.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ajudou a alimentar essas expectativas. Ele disse que no último sábado estava pessimista quanto à chance de votação da reforma na semana que vem, mas que passou a ser “realista” após a reunião de Temer com aliados.
Maia se arriscou a citar números e afirmou que, em princípio, haveria 325 votos a favor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência, contando com deputados da oposição favoráveis à proposta. “O governo precisa trabalhar a base e esses partidos para que a gente possa ter 330 deputados.”
Para o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, o otimismo do mercado faz todo o sentido, dado que até recentemente havia uma perspectiva de que a reforma estava “fazendo água” e de que o governo não tinha mais tempo ou forças suficientes para a aprovação da proposta. “O mercado sempre procura novas notícias positivas. Ainda que saiba que uma reforma a essa altura não iria além de uma versão desidratada, o que vier é lucro.”
O economista da XP Investimentos Gustavo Cruz concorda que o mercado vê com bons olhos as investidas do governo. “As agências de classificação de risco também sinalizaram que podem diminuir as notas do País, caso nada seja feito na Previdência . Qualquer sinal positivo pesa.”
Nesse cenário, ficaram entre os principais destaques na Bolsa os papéis da Vale, da Bradespar e das siderúrgicas. Elas reagiram à alta de 3,67% do minério de ferro no mercado à vista chinês. Vale ON teve ganho de 3,80%, enquanto Gerdau Metalúrgica PN avançou 4,93% e Gerdau PN ganhou 2,17%. No setor financeiro, Santander Brasil (units) subiu 3,69%, seguida por Banco do Brasil ON (2,44%) e Bradesco PN (+1,72%).
Lá fora, o humor também é favorável após o Senado americano aprovar uma ampla reforma tributária – boa notícia para o presidente Donald Trump.
Precaução. Apesar da alta significativa do Ibovespa, analistas ouvidos pelo Broadcast/Estadão consideram que o avanço, em sua essência, foi uma recomposição de posições, depois da queda de mais de 3% em novembro, e mesmo com a sensação de que o governo tem se esforçado para votar a Previdência, a palavra de ordem é cautela.
Fabio Silveira, da Macrosector, lembra que pesa o resultado do PIB do terceiro trimestre, de alta de 0,1%, divulgado na última sexta-feira. “O investidor mais experiente nem conta tanto com a Previdência, mas sente que a economia está bem encaminhada e que já está dado que 2018 será de crescimento mais robusto, ao menos até o primeiro semestre.” / COLABORARAM PAULA DIAS e NATÁLIA FLACH
Versão resumida
“O mercado sempre procura novas notícias positivas para manter seu ritmo de operação. Ainda que saiba que uma reforma da Previdência a essa altura não iria além da aprovação de uma versão desidratada, o que vier é lucro.”
André Perfeito
ECONOMISTA-CHEFE DA GRADUAL