O globo, n. 30855, 28/01/2018. Segundo caderno, p. 1

 

Inhotim operação blindagem

Chico Otavio

28/01/2018

 

 

Antônio Grassi já acumula quatro anos de experiência como diretor-executivo do Instituto Inhotim, um dos maiores museus a céu aberto do mundo, em Minas Gerais, mas foi a formação de ator que o ajudou a sair da escaramuça em que se viu metido, em dezembro passado, numa reunião com a cúpula da mineradora Vale, principal patrocinadora do projeto. No momento em que o diretor-executivo de Sustentabilidade e Relações Institucionais da empresa, Luiz Eduardo Osorio, cobrou-lhe explicações sobre a condenação do fundador de Inhotim, o empresário Bernardo de Mello Paz, a nove anos e três meses de prisão, Grassi recorreu a um gesto dramático:

— Na tragédia de Mariana, em 2015, ficamos ao lado da Vale. Havia outdoors de Inhotim espalhados por Minas inteira, e mantivemos o nome de vocês entre os patrocinadores. Agora, precisamos da retribuição.

SÓ DUAS EMPRESAS ATÉ AGORA

Desde agosto, quando a juíza federal Camila Franco e Silva Velano, substituta na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, bateu o martelo sentenciando Paz por crime de lavagem de dinheiro, a rotina do diretor-executivo de Inhotim tem sido um périplo pelas patrocinadoras do instituto. Tudo para conseguir convencê-las a manter o apoio. O argumento mais forte de Grassi, para evitar o colapso financeiro, soa como ironia diante da história do projeto: ele tenta convencer os interlocutores de que Paz, o criador, se divorciou completamente de sua criação, a ponto de afastar-se até fisicamente do museu.

— Sem Bernardo Paz, Inhotim não existiria. Mas hoje o instituto não tem mais qualquer relação com os negócios do empresário — repete Grassi.

A Vale se convenceu. Responsável por R$ 4 milhões em patrocínio no ano passado, a empresa anunciou que renovará o apoio em 2018, mas sem informar o valor. Porém, no mundo corporatilitar vo pós-Lava-Jato, no qual empresas criaram diretorias de compliance para vigiar suas posturas éticas, o futuro de Inhotim é imponderável. Dos nove maiores patrocinadores de 2017 consultados pelo GLOBO, apenas duas (Vale e Vivo) confirmaram a renovação. Furnas Centrais Elétricas informou que não renovará. Três empresas (Transmissora Aliança de Energia Elétrica, Banco Itaú e Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) disseram que o assunto está em análise. A Pirelli Comercial de Pneus não quis comentar e duas não responderam (Cemig e Copasa).

Aberto em 2006, para ser um espaço único de arte contemporânea integrada à natureza, o Instituto Inhotim ocupa uma área de 140 hectares, antiga fazenda da família de Bernardo Paz em Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte. Cerca de 700 obras — entre criações de ícones da arte brasileira, como Tunga, Hélio Oiticica e Lygia Pape, e trabalhos de artistas de peso no cenário internacional, como Chris Burden, Matthew Barney, Olafur Eliasson — dividem-se entre pavilhões, galerias e cenários ao ar livre. O instituto também é um jardim botânico, dotado de uma extensa coleção de espécies tropicais raras.

Em 11 anos, mais de 2,8 milhões de pessoas visitaram o lugar, tornando Inhotim um dos principais destinos turísticos do Brasil. Mas a cobrança de ingressos responde por, no máximo, 20% das despesas operacionais. A maior parcela das receitas emana dos patrocínios, via Lei Rouanet. Este apoio, no ano passado, cobriu 70% de um custo estimado em R$ 32 milhões por ano. O restante, em torno de 10%, foi garantido por recursos próprios do fundador, por intermédio da Horizontes, empresa criada por Paz para gerir a relação com o instituto.

A dependência do mecenas já foi maior, mas desde 2008 Inhotim vinha dando passos discretos em busca de autossuficiência. Primeiro, transformou-se em organização da sociedade civil de interesse público (Oscip), para facia captação de recursos. Contratou a Arthur Andersen para auditar anualmente as suas contas. Em 2013, outro passo: Paz doou o terreno e as edificações de Inhotim para o instituto, mas o acervo (mais de 1.300 obras, das quais metade está exposta) permaneceu em seu poder. Naquele ano, o empresário garantiu 50% das receitas do instituto.

CRISE NOS NEGÓCIOS

Naquele mesmo período, entretanto, as empresas da família Paz, lideradas pelo Grupo Itaminas (que reúne quase duas dezenas de empresas de mineração e siderurgia), entraram em declínio econômico porque o preço do minério desabou no mercado internacional. As dívidas se avolumaram. Somente em tributos estaduais, o grupo chegou a janeiro deste ano devendo R$ 461 milhões ao Fisco mineiro. Inscreveu-se num programa de regularização dos débitos, o Regularize, mas mesmo após as reduções legais ainda deve R$ 110 milhões, valor que daria para cobrir três anos de funcionamento de Inhotim.

A direção do Inhotim também foi obrigada a cortar despesas. Em quatro anos, reduziu de mil para 600 pessoas o quadro funcional, redefiniu as rotas de visitação para economizar no uso de carros elétricos e enxugou o número de diretores. Com as medidas, afirmam os gestores, o custo anual da operação encolheu de R$ 50 milhões para R$ 32 milhões.

Em 2017, o processo de descasamento entre Paz e Inhotim seguia em marcha lenta. Até que veio a sentença contra o empresário. Foi um baque. Em novembro, quando a notícia da condenação se espalhou, após nota do Ministério Público Federal, Paz pediu o imediato desligamento da presidência do Conselho de Administração, sendo substituído pelo economista Ricardo Gazel. Em seguida, se recolheu. Pressionadas pelos setores de compliance, as patrocinadoras logo passaram a ligar, cobrando explicações. E tudo isso no momento em que começavam as negociações para a renovação dos patrocínios anuais.