O globo, n. 30774, 08/11/207. País, p. 3

 

Segurança em jogo 

Cristiane Jungblut, Catarina Alencastro e Patrícia Cagni 

08/11/2017

 

 

Governadores querem legalizar jogos de azar para estruturar fundo de combate à violência

-BRASÍLIA- Governadores de vários estados, entre eles Luiz Fernando Pezão, do Rio, propuseram ontem aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDBCE), a aprovação de um projeto que legalize os jogos de azar no país e destine os recursos dos impostos cobrados para um fundo de Segurança Pública. O assunto foi discutido no encontro de governadores realizado ontem, na residência oficial de Rodrigo Rollemberg, governador do DF. A primeira medida seria acelerar a aprovação do projeto que legaliza os jogos praticados via internet, que está em tramitação no Senado, embora Pezão tenha afirmado que a ideia é expandir a legalização para todo tipo de jogo.

— O presidente do Senado nos disse que põe para votar, mas que tem que estar acordado com o presidente Rodrigo Maia. O Rodrigo falou que acha válido — disse Pezão.

 

LOBBY POR LEGALIZAÇÃO É ANTIGO

O lobby pela legalização dos jogos de azar é um dos mais ativos no Congresso há pelos menos uma década. Em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou uma súmula vinculante que obrigou todos os tribunais do país a seguirem o entendimento de que apenas a União pode legislar sobre bingos e loterias, acabando com a chamada indústria de liminares que mantinha estabelecimentos de jogos funcionando país afora. Desde então, diversas iniciativas para legalizar o jogo foram apresentadas, sob argumentos variados: geração de emprego, destinação de verba para a saúde e, mais recentemente, até para financiar as eleições.

— Com a legalização do jogo, os efeitos nefastos são muitos maiores do que eventuais benefícios arrecadatórios. Você não está gerando riqueza. O dinheiro que entraria por meio do jogo deixaria de ser arrecadado em outros setores. O indivíduo vai deixar de gastar dinheiro no cinema, no armazém, na roupa para o filho para gastar no jogo. Então, a tributação, na verdade, apenas migraria. Fora que caça-níqueis podem servir para lavar dinheiro. Se tivéssemos um Estado forte e bem organizado, poderíamos enfrentar esse problema. Mas não podemos nos dar a esse luxo agora — avalia o procurador da República no Distrito Federal Peterson de Paula.

Rodrigo Maia disse que é favorável à legalização dos cassinos para revitalizar a economia, mas afirmou que alertou os governadores que, sem uma reforma da Previdência, as receitas da tributação dos jogos acabariam sendo desviadas para cobrir o rombo das contas públicas.

— A ideia de liberar os cassinos no Brasil é boa. Mais do que (gerar) receita, o emprego será muito grande, principalmente naquelas estruturas de complexo turístico. O turismo do meu estado, do Rio, vai ganhar muito com o complexo turístico dos cassinos. Não sou contra isso. Sou a favor, já disse isso — disse Maia, acrescentando: — Minha preocupação é que a gente não crie uma solução para curto prazo e não entenda que é um problema maior (as despesas da Previdência).

Segundo o presidente do Senado, a legalização dos jogos para irrigar um fundo de segurança pública foi uma ideia trazida pelos governadores e que contou com o apoio unânime dos presentes. Além dos governadores do Rio e do DF, participaram do encontro os governadores do Piauí (Wellington Dias), de Tocantins (Marcelo Miranda), de Goiás (Marconi Perillo), do Acre (Tião Viana) e do Amapá (Waldez Góes). Eunício, porém, defende que a arrecadação também financie a saúde. — Sem nenhuma hipocrisia temos que discutir a questão dos jogos, para que daí a gente tenha uma remuneração vinculada e se crie esse fundo de segurança pública, com a participação desses recursos também para a saúde, que é algo que aflige não apenas os governadores, mas os senadores, os deputados e toda a sociedade — disse Eunício.

O governador do Piauí disse que apenas a proposta de legalização de jogos praticados via internet poderia levar à arrecadação de R$ 12 bilhões a R$ 18 bilhões ao ano.

— Discutimos uma pauta importante da população: o compromisso de se criar um sistema único de segurança do Brasil e um fundo que tenha as condições de receita; neste caso, a partir da tributação, especialmente de jogos pela internet — afirmou Wellington Dias.

O encontro em Brasília reuniu sete governadores e 15 representantes estaduais. Anfitrião do encontro, Rodrigo Rollemberg citou como consenso entre os presentes apenas as propostas sobre precatórios e securitização de dívidas.

A legalização dos jogos não pode ser classificada como de tendência governista ou oposicionista. Na ala governista, por exemplo, DEM e PSDB têm posições distintas. Enquanto o líder do DEM defende a matéria, o líder tucano a rejeita.

— A legalização dos jogos pode ser um caminho. Hoje, existe o jogo clandestino que não gera nenhum recurso para a segurança. Ou então pior, o jogo online, cujo lucro vai todo para o exterior quando podia contribuir para o fortalecimento da segurança e do turismo no Brasil — aponta o líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB).

— Sou contra. Isso pode até gerar renda, mas gera mais tumulto e mais criminalidade — diz o líder do PSDB, deputado Ricardo Tripoli (SP). No PT, segundo o líder, Carlos Zarattini (SP), esse assunto ainda não foi discutido na bancada.

 

FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE

O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise de Violência da Uerj, diz que está mais preocupado com o sistema de fiscalização do jogo do que com a legalização da atividade.

— Com a regularização, teremos facilidade maior para monitorar as atividades clandestinas. A fiscalização, inclusive, me preocupa mais do que a possibilidade de lavagem de dinheiro. Existe lavagem de dinheiro da Mega-Sena. É um risco que se corre em vias legais e acontece de muitas formas, não é restrito aos jogos. Mas, com a legalização, seria mais efetivo termos órgãos econômicos, como a Fazenda e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), fiscalizando as atividades do que termos policiais perseguindo bingo.