O globo, n. 30776, 10/11/2017. Economia, p. 21

 

Novo teto para pensionistas 

Martha Beck, Geralda Doca, Bárbara Nascimento e Cristiane Jungblut

10/11/2017

 

 

Para aprovar mudança na aposentadoria, governo negocia ampliar limite de acúmulo de benefícios

BRASÍLIA - Depois de ouvir do Congresso que a saída para aprovar a reforma da Previdência é deixar na proposta medidas que acabam com privilégios e preservam os trabalhadores de baixa renda, o governo negociou nesta quinta-feira com os parlamentares uma nova concessão: permitir o acúmulo de benefícios (pensões e aposentadorias) acima de dois salários mínimos. Esse valor poderia variar de três a cinco salários mínimos. Na proposta original, a reforma proibia o acúmulo, o que impactava diretamente os grupos de menor renda. Por isso, na comissão especial da Câmara, o texto foi alterado para permitir essa sobreposição num limite de até dois salários. Com a nova mudança, os parlamentares ganham mais argumentos para defender a reforma em suas bases às vésperas do ano eleitoral.

O governo também já concorda em retirar da reforma a aposentadoria rural e o BPC (Benefício de Prestação Continuada) concedido a idosos da baixa renda. Também cedeu no tempo mínimo de contribuição, que será mantido nos atuais 15 anos (e não mais 25 anos). Além disso, para enfraquecer o discurso de entidades que alegam não haver déficit na Previdência, já ficou acertada a retirada da DRU (Desvinculação de Receitas da União) — mecanismo que dá ao governo liberdade para manejar livremente 30% dos recursos — da Cofins, receita que é destinada à seguridade social. Essa manobra, no entanto, é essencialmente política, pois mesmo com a DRU em vigor, o governo hoje acaba tendo que devolver recursos à seguridade diante do tamanho do déficit da Previdência, acumulado em R$ 142 bilhões até setembro. Em 2016, a Seguridade Social — que, além da Previdência, reúne Saúde e Assistência Social — registrou déficit de R$ 258,6 bilhões.

— Outra decisão que está tomada é a exclusão da DRU do orçamento da Seguridade Social. O governo em 2015 tirou R$ 30 bilhões via DRU e depois devolveu R$ 150 bilhões (para a Seguridade). Ou seja, devolveu o déficit do sistema, que era de R$ 120 bilhões, mais R$ 30 bilhões que tinha tirado. Para quê tirar e botar de novo? É mais fácil o governo não tirar a DRU e botar apenas os R$ 120 bilhões, que são o déficit da Previdência. Até para evitar essas conversas maledicentes de quem quer tumultuar o debate e insiste em dizer que não existe déficit da Previdência — explicou ontem o relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), depois de um café da manhã com o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e parlamentares.

R$ 520 BILHÕES COM REFORMA

Meirelles disse que a reforma mais enxuta precisa preservar um ganho fiscal substancialmente superior a 50% da proposta original. O projeto inicial trazia medidas que dariam uma redução de gastos de R$ 800 bilhões em dez anos. Mas, depois de a reforma passar por modificações em comissão especial, essa economia já caiu para R$ 600 bilhões (75% do original). Agora, de acordo com o ministro, o número precisa ficar acima de R$ 400 bilhões. De acordo com interlocutores, a equipe econômica pretende negociar até o fim para assegurar R$ 520 bilhões.

Após lançar, nesta quinta-feira, o programa “Agora, é avançar”, que promete investimentos de R$ 130 bilhões para a retomada de obras paradas, o presidente Michel Temer afirmou que está animado com a aprovação da reforma da Previdência:

— Eu acho que há (possibilidade de votar), desde que se explique direitinho o que é a verdadeira reforma da Previdência e a importância dela, até porque o único objetivo dessa reforma é combater privilégios e preservar os mais pobres e vulneráveis.

Segundo interlocutores do governo, caso a reforma mantenha como espinha dorsal uma idade mínima, com regra de transição, tempo de contribuição em 15 anos, pensão por morte limitada a 50% mais 10% por dependente, e acúmulo de benefícios limitado a dois salários mínimos ou um pouco mais, ela já seria suficiente para assegurar os mais de 50% apontados por Meirelles.

— A cada mudança, nós temos que olhar qual é a redução do benefício. O projeto final aprovado, sancionado, tem que ser substancialmente acima de 50% dos benefícios originais. Caso contrário, outras coisas terão que ser feitas — disse o ministro, ao participar do 1º Seminário Internacional de Dívida Pública.

Meirelles disse ainda que a reforma da Previdência é “uma necessidade matemática” e não “questão de opinião política ou desejo”. Ele informou que o governo está apresentando aos parlamentares cálculos sobre o impacto que cada mudança terá sobre as contas públicas. Segundo ele, o governo espera chegar a um acordo após o feriado de 15 de novembro, na semana que vem.

— As pessoas me perguntam qual é a proposta (para a Previdência) agora. Eu digo que o Congresso é soberano. No entanto, estamos dialogando e fornecendo cálculos. Não é uma questão de opinião política ou desejo. É uma necessidade matemática, fiscal. Ela precisa ter um impacto importante para equilibrar as contas no futuro — disse Meirelles.

O ministro lembrou que as mudanças no regime de aposentadorias no país são essenciais para assegurar a regra do teto de gastos, pelo qual as despesas só podem crescer com base na inflação do ano anterior. Isso porque os gastos com aposentadorias respondem por 50% do Orçamento da União e tendem a continuar subindo nos próximos anos, ocupando o espaço de outras despesas como as com saúde, educação e investimentos.

Segundo ele, se a regra do teto fosse eliminada, isso traria consequências negativas para a confiança na economia brasileira:

— Sem o teto, despesas e dívida pública aumentam e haverá perda da confiança e volta da inflação.

‘NENHUM PARTIDO TEM MAIORIA PARA VOTAR’

Rodrigo Maia reafirmou que não pode se comprometer em votar a reforma da Previdência até 15 de dezembro, antes do recesso. Maia disse que “não adianta” fixar uma data sem antes articular a base aliada do governo Temer. Ele considerou positivo o encontro da manhã desta quinta-feira e voltou a dizer que hoje o ambiente é “difícil” para se votar uma reforma, devido à resistência dos parlamentares ao tema.

— Não tenho como dizer se a Câmara terá condições de votar até 15 de dezembro. Minha vontade é que se vote os dois turnos, mas não vou prometer aquilo que não posso entregar. E não vou pautar a reforma da Previdência de qualquer forma, porque uma derrota vai ser uma sinalização muito ruim. Todos os partidos estão dando trabalho, nenhum partido pode dizer aqui que está votando majoritariamente na Previdência. Nenhum partido hoje tem maioria para votar.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Opinião - Absurdo

10/11/2017

 

 

NO LABIRINTO da sua crise ética, a esquerda brasileira dedica-se à criação de mitos. Um dos mais recentes é o de que a reforma da Previdência Social seria “contra os pobres”. É absurdo, ululante, mas predomina no coro de parlamentares oposicionistas, capitaneados pelo PT — o mesmo partido cujos líderes Lula e Dilma anunciaram projetos de reformas previdenciária e trabalhista quando estavam no Palácio do Planalto, mas não tiveram coragem de levá-los adiante.

NO DEBATE, tentam esconder o mais relevante: a atual distribuição de renda no sistema previdenciário agrava as desigualdades na sociedade brasileira. Sabem que, desde 2015, o déficit do governo federal com a aposentadoria de um milhão de servidores da União é muito maior do que aquele registrado com 33 milhões de aposentados da iniciativa privada. Ou seja, estabeleceu-se uma casta no funcionalismo, privilegiada com aposentadorias e pensões de valores cinco vezes maiores, na média, que as recebidas pelos trabalhadores do setor privado.

A OPOSIÇÃO conhece o problema. Sabe que o sistema previdenciário está à beira da insolvência. Porém, não está nem aí para os pobres, exceto quando é para usá-los como escudo na proteção aos privilégios e mordomias da burocracia.