Correio braziliense, n. 20036, 30/03/2018. Política, p. 2/3

 

Cerco da PF aos amigos de Temer

Deborah Fortuna

30/03/2018

 

 

Quatro pessoas próximas ao presidente são presas pela Polícia Federal por suspeita de participação em esquema de corrupção e lavagem de dinheiro no Porto de Santos. Inquérito também apura irregularidades na edição de decreto para o setor portuário

Ao atingir os principais integrantes do círculo pessoal do presidente Michel Temer, a Operação Skala, deflagrada ontem pela Polícia Federal, joga uma luz sobre o suposto esquema de corrupção envolvendo o Porto de Santos, considerado o calcanhar de Aquiles do emedebista. Ontem, quatro pessoas próximas ao presidente foram presas, o que balança a força do Planalto para uma possível candidatura presidencial este ano e reforça o temor de que um desdobramento da ação possa atingir Temer.

Ao longo do dia, a PF realizou mandados de prisão temporária e busca e apreensão no inquérito dos Portos, que investiga um suposto esquema de corrupção e lavagem de dinheiro. A operação foi realizada a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escolhida pelo próprio Temer para compor a PGR em setembro do ano passado. As medidas foram autorizadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).

A suspeita é de que o presidente Temer teria alterado o decreto dos Portos, responsável pela regulamentação e instalação das áreas portuárias no país, para beneficiar as empresas do setor em troca de propina, inclusive a Rodrimar S/A, cujo dono também foi preso ontem. Segundo a modificação, agora, as concessões aumentariam de 25 para 35 anos, com chance de prorrogação por até 70 anos. Em junho de 2017, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a abertura das investigações sobre o decreto. Em fevereiro deste ano, Barroso autorizou a quebra de sigilo bancário do presidente Temer no período entre  2013 e 2017 para investigação no mesmo inquérito.

A pedido do STF, a PF não divulgou informações a respeito da operação. O Ministério Público Federal também avisou, por meio de nota, que não informará, por ora, os nomes dos alvos dos mandados. A estimativa é de que 13 pessoas tenham sido alvo da operação na manhã de ontem. Entre os presos estão o ex-ministro da Agricultura e ex-presidente da estatal Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) Wagner Rossi, citado em delação premiada de Joesley Batista por receber propina a pedido do presidente Temer, assim que deixou o ministério; o advogado José Yunes, ex-assessor de Temer e suspeito de ser responsável pelo repasse de propinas;  e o ex-coronel João Batista Lima, amigo pessoal de Temer há mais de 30 anos, suspeito de captação e controle do suposto pagamento de propina ao presidente.

A equipe Toscano Sociedade de Advogados, que representa o ex-ministro, afirmou que, desde a aposentadoria, Rossi nunca mais atuou profissionalmente na vida pública ou privada. “Nunca foi chamado a depor no caso mencionado. Portanto, são abusivas as medidas tomadas”, diz a nota. Já o advogado José Luís de Oliveira Lima, que defende Yunes, disse que a prisão era “inaceitável”.

“Inocência”

Apesar dos rumores, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, garantiu que a prisão dos amigos pessoais do presidente “não enfraquece o governo porque Temer não tem nada a ver com isso”. Marún negou que o decreto dos Portos pudesse beneficiar a empresa Rodrimar e que o texto teria sido restabelecido em cima de uma negociação com todo o setor para dar mais visibilidade e competitividade aos portos. “A prisão dos amigos do presidente é uma situação em relação a qual ainda não temos o conhecimento específico dos motivos que levaram a ela, mas o que nós temos é uma certeza: de que o decreto não beneficia a Rodrimar”, afirmou. “No fim, estará esclarecida a absoluta inocência do presidente sobre isso”, completou.

Foram presos ainda Antônio Celso Grecco, um dos donos da Rodrimar, empresa que teria se beneficiado do decreto editado; Milton Ortolan, ex-assessor de Wagner Rossi; e Celina Torrealba, empresária e uma das proprietárias do Grupo Libra, que atua no ramo portuário e que teria participado de irregularidades junto ao presidente. O irmão de Celina, Gonçalo Torrealba, mora nos Estados Unidos e também teve a prisão decretada.

A assessoria da Rodrimar disse que foi surpreendida com a operação deflagrada em dia de feriado no Judiciário. A empresa esclareceu que “nunca pagou propina a nenhum agente público e nunca autorizou que alguém o fizesse em seu nome”. O advogado Daniel Kignel, que representa Milton Ortolan, afirmou que o ex-assessor jamais respondeu a qualquer ação penal. O Grupo Libra, no entanto, informou, por meio de nota, que “já está prestando todos os esclarecimentos à Justiça”.

Saiba mais

O que é a Operação Skala?
A Polícia Federal deflagrou ontem o cumprimento de mandados de prisão temporária e de busca e apreensão no inquérito dos Portos. O pedido foi feito pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e foi concedido pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso. A Polícia Federal ressaltou que, por ordem da Suprema Corte, não vai se manifestar.

O que é o inquérito dos Portos? 
Em maio de 2017, o presidente Michel Temer assinou o Decreto
nº 9.048/2017, responsável pela regulamentação e instalação das áreas portuárias no país. Com isso, as concessões aumentaram de 25 para 35 anos, com chance de prorrogação por até 70 anos.
No entanto, em junho do ano passado, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a abertura das investigações sobre o decreto. A suspeita é de que houve irregularidades por empresas portuárias e agentes do governo em troca de benefícios. Eles são acusados de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva. O ministro Luís Roberto Barroso aceitou a abertura da investigação em setembro.
Em fevereiro de 2018, Barroso autorizou a quebra de sigilo bancário do presidente Michel Temer, no período de 2013 a 2017.

Quem foi preso na operação de ontem?
» Wagner Rossi, ex-ministro da Agricultura nos governo Lula e Dilma, até 2011, e ex-presidente da estatal Companhia das Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Ele teve prisão temporária decretada. Foi citado, com o ex-assessor Milton Ortolan, em delação premiada do empresário Joesley Batista por receber propina a pedido do presidente Temer, assim que deixou o ministério.

» Milton Ortolan, ex-assessor de Wagner Rossi. Ele foi citado em delação premiada do Joesley por receber propina também a pedido de Temer.

» José Yunes, advogado, amigo pessoal e ex-assessor de Temer. A suspeita é de que ele seria responsável pelas propinas realizadas entre as empresas portuárias e o presidente. Ele já prestou depoimento à Polícia Federal em outras ocasiões.

» Antônio Celso Grecco, presidente do Grupo Rodrimar. Foi detido em Monte Alegre do Sul, em São Paulo. A empresa é suspeita de ter sido beneficiada em troca de propina com o decreto assinado pelo presidente Temer.

» Celina Torrealba, detida no Rio de Janeiro, é empresária e uma das proprietárias do Grupo Libra, que também atua no ramo portuário. Outras três pessoas ligadas à empresa também tiveram a prisão decretada.

» João Baptista Lima Filho, ex-coronel aposentado da Polícia Militar e amigo de Temer. Ele também estaria envolvido no controle do suposto pagamento da propina para o presidente.

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Reforma em apuração

30/03/2018

 

 

A Operação Skala busca avançar na apuração sobre suspeitas em torno da reforma de um imóvel de Maristela Temer, filha do presidente da República, Michel Temer, dentro do Inquérito dos Portos. A pedido da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou que fosse ouvida Maria Rita Fratezi, a mulher do coronel Lima, amigo do presidente Temer, e sócia do marido na PDA Projeção e Direção Arquitetônica LTDA.

O interesse em ouvir Maria Rita Fratezi é explicar a “reforma de alto custo em imóvel da senhora Maristela Temer, filha do Excelentíssimo senhor presidente da República”, segundo Barroso. “Há informações sobre pagamentos de altos valores em espécie”, registrou o ministro.

João Batista Lima Filho, o coronel Lima, é suspeito de ser responsável pela captação de recursos irregulares para Michel Temer, por meio de suas empresas, em especial a Argeplan, e vinha justificando não comparecimento para depor em razão de restrições de saúde. Desde junho do ano passado, a Polícia Federal não conseguia ouvi-lo.

Outro nome ligado à Argeplan que o ministro Barroso autorizou a Polícia Federal a ouvir é Almir Martins, contador da empresa. “Sua oitiva visa esclarecer a real capacidade operacional da empresa, bem como se de fato prestou ou ainda presta serviços para empresas concessionárias de terminais portuários”, apontou Barroso. Para a Polícia Federal, segundo Barroso, a análise conjunta dessas duas investigações “permite concluir que a Argeplan, agora oficialmente com o investigado João Batista Lima Filho como sócio, tem se capitalizado por meio do recebimento de recursos provenientes de outras empresas — as interessadas no denominado Decreto dos Portos — e distribuído tais recursos para os investigados”.

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"Os canhões da conspiração"

Alessandra Azevedo

30/03/2018

 

 

Enquanto repercutiam ontem pelo país as prisões do advogado José Yunes e do ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi — além do presidente da empresa Rodrimar, Antonio Celso Grecco, e do coronel da reserva da Polícia Militar João Batista de Lima Filho —, o presidente Michel Temer manteve a agenda normalmente, sem mencionar a amizade com os envolvidos nem os impactos da Operação Skala, deflagrada ontem pela Polícia Federal, na corrida presidencial. Suspeito de beneficiar a Rodrimar na edição do decreto dos Portos, em maio de 2017, Temer é alvo da mesma investigação que levou os aliados à prisão.

Embora o presidente não esteja feliz com a situação dos amigos, de acordo com o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, “isso não inviabiliza a candidatura” ao Palácio do Planalto. “Pode até ser um ponto favorável”, avaliou, após alinhar o discurso com o chefe do Executivo. Para o ministro, o objetivo da operação, definida por ele como um “complô”, é justamente inviabilizar a candidatura de Temer: “Faz com que novamente se dirijam contra nós os canhões da conspiração”.

Conhecido por ser um dos maiores defensores do presidente, Marun também disse não acreditar na possibilidade de uma terceira denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Temer, o que poderia inviabilizar o projeto de reeleição do emedebista. Outros interlocutores do Palácio do Planalto, no entanto, consideram altas as chances de que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, encaminhe uma nova denúncia. Caso o receio se concretize, as pretensões eleitorais de Temer seriam enterradas. A avaliação de parte dos aliados do presidente no Congresso é que ele não tem mais capital político para barrar outra denúncia na Câmara dos Deputados, especialmente em ano eleitoral.

Mesmo ciente desse possível desfecho, Temer se manteve “tranquilo” ontem e não mencionou as prisões dos aliados durante o trajeto entre Brasília e Vitória, segundo o líder da maioria na Câmara dos Deputados, Lelo Coimbra (MDB-ES), que viajou no mesmo avião. Quem está no governo está sujeito a “bombardeios a todo momento”, disse o presidente, ao falar das dificuldades enfrentadas pela gestão, durante o discurso que fez pela manhã na inauguração do novo Aeroporto de Vitória. Diante de uma plateia pouco empolgada, ele fez questão de manter o tom de campanha ao exaltar as obras do governo e afirmar que os opositores terão que “fazer muito malabarismo eleitoral” para criticar o que foi feito nos últimos dois anos.

Sob suspeita

Os “bombardeios” diretos ao presidente começaram no ano passado, quando o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o denunciou em duas oportunidades com base na delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista e outros executivos da J&F. Ambas foram barradas pelos aliados do governo na Câmara, o que impediu a continuidade das investigações até que Temer saia do cargo. Janot, que deixou a PGR em setembro do ano passado, usou o Twitter para comentar as prisões de aliados do presidente ontem. Ao citar uma notícia relatando a operação, perguntou: “Começou?” Em seguida, respondeu: “Acho que sim.”

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou as prisões e é o relator do inquérito do decreto dos Portos, mencionou que, em uma planilha contábil colhida na investigação, aparecem as siglas MT, MA e L como recebedores de recursos das empresas Rodrimar, Libra e Multicargo. Isso permite, segundo ele, “supor que sejam o excelentíssimo senhor presidente da República, Michel Temer, Marcelo Azeredo, presidente da Codesp (companhia Docas de São Paulo) entre 1995 e 1998, indicado por ele, e o amigo pessoal do senhor presidente João Batista Lima Filho”.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), agora “falta só Temer”. “Temer, o presidente sitiado, cercado de amigos e sócios presos, réus ou denunciados. O cargo de mandatário da nação, arrumado sabe-se como, é seu salvo-conduto. Até quando?”, questionou o deputado Chico Alencar (PSol-RJ), no Twitter.