Correio braziliense, n. 20036, 30/03/2018. Brasil, p. 6

 

Ceará tem média de 14 homicídios por dia

Maiza Santos

30/03/2018

 

 

Estado tem localização estratégica e se torna rota do tráfico de armas e drogas. População tem medo de facções como Comando Vermelho, PCC, Família do Norte e Guardiões do Estado. Nos dois primeiros meses, matou-se 38% mais que no mesmo período de 2017
Um clima de medo e preocupação domina as ruas de Fortaleza. A capital cearense viu o índice de homicídios subir em 96% de 2016 para 2017. O estado atingiu, no ano passado, uma média histórica de 14 homicídios por dia, que se mantém quando analisados os dois primeiros meses de 2018. A guerra entre as facções – pelo menos quatro atuam no estado – tem deixado um rastro de sangue e aterroriza moradores que são expulsos de casa, impedidos de circular em bairros vizinhos, dominados por facções rivais, e vivem sob uma série de regras impostas pelo crime organizado.

Por sua localização estratégica e estrutura de portos, o estado se tornou rota do tráfico de armas e de drogas. As facções Primeiro Comando da Capital (PCC), original de São Paulo e Comando Vermelho (CV), surgida no Rio de Janeiro, estenderam sua atuação para o resto do país e estabeleceram um braço no Ceará. A Família do Norte (FND), maior organização criminosa do Amazonas, também tem atuação ativa no estado, mas é uma facção local, a Guardiões do Estado (GDE), que tem aterrorizado os moradores por sua violenta forma de atuação.

“Cada facção dessas termina tendo uma especificidade que define muito não só a questão das disputas, como, inclusive, as formas de crimes que cometem. Os Guardiões do Estado é uma facção local, formada quase toda por membros jovens e tem como uma das grandes marcas a não cobrança de mensalidade. Tem duas características muito sérias em termos de não controle dessa facção. Uma é que não tem regras muito claras, como também as hierarquias não são bem definidas como temos no CV e no PCC. Nesse sentido, dá uma dimensão de coisa muito difusa, quase incontrolável”, explica César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.

Para ele, a quantidade de facções diferentes e em disputa por território faz com que a situação seja mais difícil de se controlar do que em outras partes do país, onde apenas uma ou duas facções agem. Os moradores descrevem com horror a abordagem violenta dos criminosos dentro das favelas. Com medo de represálias, eles evitam se identificar, mas contam o clima de horror que vivenciam no dia a dia. “Alguns integrantes invadiram a casa de uma vizinha, de madrugada, eles procuravam jovens. Queriam matar o neto dela, de 14 anos, dizendo que ele era de uma facção rival. Foi difícil convencer eles de que o menino não tinha nada a ver com facção nenhuma. Depois disso, a família foi embora de casa, se mudou”, conta uma moradora.

Um morador do bairro Castelão, dominado pelo GDE, conta que o terror começou há pouco mais de sete meses, quando a facção tomou de conta. “Eles ameaçam, colocam terror, a gente não pode sair de casa com medo. Antes, de madrugada, tinham pessoas na rua, hoje não pode mais. Ninguém tem paz porque, a qualquer hora, outra facção pode invadir e começar uma guerra aqui dentro”.

Segundo o Atlas da Violência 2017, o Ceará tem uma taxa de 101,9 homicídios para cada 100 mil habitantes. O número de vítimas registrado de janeiro a fevereiro deste ano é 38,1% maior do que o mesmo período do ano passado. Chacina se tornou uma palavra recorrente no vocabulário dos cearenses. Em 2017, foram seis massacres com 28 mortes registradas. Este ano, somente nos três primeiros meses, 35 pessoas foram vítimas de matanças motivadas por disputas de facções.

O relator do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, deputado estadual Renato Roseno (PSol-CE), critica a política de segurança adotada pelo estado. “É preciso um olhar moderno em segurança pública. No Brasil se prende muito e mal. Os esforços não visam quem está no topo da cadeia do mercado de ilícitos. O modelo atual não vai melhorar a situação, só amplia o conflito. A força do crime vem com a superlotação carcerária. É impossível reduzir a violência descontrolada se não combatermos o tráfico de armas. Nossas fronteiras são pouco vigiadas. A situação pode ser controlada reunindo inteligência, responsabilidade das autoridades e prevenção. Não é uma solução a curto prazo”, avalia.

Uma das respostas do governo foi o anúncio da criação do primeiro Centro Integrado de Inteligência e Controle para o Combate ao Crime Organizado do Brasil. O Ceará será a sede do nordeste, outros centros serão instalados pelo país e um em Brasília.


Escala da criminalidade

Número de mortes por homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte


2018     844 

(até 28 de fevereiro)*

2017      5.133

2016      3.407

2015      4.019

2014      4.439

2013      4.395

*Até fevereiro deste ano, número de crimes violentos aumentou  em 38,1% em relação ao mesmo período do ano passado

Fonte: Secretaria Segurança Pública e Defesa Social