O globo, n. 30768, 02/11/2017. País, p. 4

 

Inquérito sobre quadrilhão do PMDB ficará com Moro

André de Souza

02/11/2017

 

 

Fachin transfere casos de Cunha, Alves, Geddel e Rocha Loures

-BRASÍLIA- O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou parte do inquérito em que o presidente Michel Temer foi denunciado por organização criminosa e obstrução à Justiça para o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ficará com ele a parte sobre os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Henrique Alves (PMDB-RN), o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e o ex-assessor de Temer Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).

Os quatro foram denunciados pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, acusados de integrarem uma organização criminosa que desviou dinheiro público e ficou conhecida como quadrilhão do PMDB da Câmara.

As investigações contra Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência da República) continuam paralisadas, conforme decisão tomada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Fachin também determinou o envio para o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, da parte do inquérito sobre acusação de obstrução à Justiça contra Cunha, Rocha Loures, o empresário Joesley Batista, o executivo da JBS Ricardo Saud e Lúcio Funaro, apontado como operador de políticos do PMDB, além de sua irmã, Roberta Funaro Yoshimoto.

Esses casos foram encaminhados para a primeira instância porque nenhum deles tem cargo com foro privilegiado no STF. As investigações por obstrução à Justiça da Lava-Jato já eram analisadas anteriormente no DF e, por isso, não foram para Moro.

Em outro ponto de sua decisão, Fachin diz que medidas decretadas por ele determinando a prisão ou algum outro tipo de restrição a Cunha, Funaro e sua irmã ficam agora sob responsabilidade da Justiça Federal de Brasília. Já as prisões de Joesley e Saud serão submetidas a Moro.

PEDIDO DE CUNHA NEGADO

Fachin também negou um pedido de Cunha, que queria manter toda a investigação por organização criminosa ligada à Lava-Jato num só processo no STF. O ministro, porém, concordou com o Ministério Público Federal, segundo o qual “diversos integrantes da apontada única organização criminosa foram processados e, inclusive, já sentenciados pelo Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba”.

Fachin também determinou o sigilo de parte da delação de Funaro, que já era pública. Na prática, isso terá pouco efeito, uma vez que os depoimentos estavam à disposição no sistema eletrônico e puderam ser vistos e baixados por qualquer um com acesso ao sistema eletrônico do tribunal. O ministro também pediu uma manifestação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sobre eventual arquivamento da investigação em relação ao deputado Aníbal Gomes (PMDBCE), que não foi citado na denúncia de Janot.

A parte da investigação que trata de Temer, Padilha e Moreira fica suspensa enquanto eles permanecerem em seus cargos. Isso porque não houve o aval da Câmara para o prosseguimento da denúncia. Para que isso ocorresse, era preciso o apoio de pelo menos dois terços dos deputados, ou seja, 342 dos 513, mas apenas 233 votaram dessa forma.

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A remota delação de Palocci

Thiago Herdy e Gustavo Schmitt

02/11/2017

 

 

A equipe da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não analisou ainda a proposta da defesa do ex-ministro dos governos Lula e Dilma; não houve sequer reunião

As tratativas em torno da delação premiada do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci dos governos do PT estacionaram. A possibilidade de acordo só deve voltar à pauta em 2018, segundo fontes que participam das negociações.

Apesar de a gestão de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República (PGR) ter completado 45 dias, sua equipe de procuradores em Brasília sequer analisou a proposta do expetista, que pretendia delatar políticos com foro privilegiado em eventual acordo. A defesa de Palocci não conseguiu sequer agendar um encontro com os procuradores na capital federal.

O ritmo lento é uma ducha de água fria nas expectativas de Palocci, que chegou a cogitar a hipótese de passar o Natal fora da cadeia. Não está decidido nem mesmo se a quantidade e qualidade de informações levadas por Palocci são suficientes para o Ministério Público propor um acordo.

Em situação ainda pior está o deputado cassado Eduardo Cunha, que teve propostas de colaboração recusadas na gestão de Rodrigo Janot e na de Raquel. Ele não tem perspectiva de voltar a negociar colaboração com a Justiça.

Na prisão, Palocci ocupa boa parte do tempo acompanhando o que sai na imprensa. As notícias ajudam o ex-ministro a traçar cenários e a manter vivas as estratégias para sua delação.

A articulação do PMDB em torno da preservação do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG) deixou Palocci apreensivo. Para ele, qualquer movimento em torno de um “acordão” para estancar a Lava-Jato seria uma forma de jogar sua colaboração na geladeira. Palocci teme que lideranças partidárias considerem, em suas articulações, a sobrevivência política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como forma de reação do mundo político contra as investigações.

Do lado do Ministério Público Federal (MPF), a Lava-Jato em Curitiba está cada vez mais reticente com a hipótese de assinatura de novos acordos este ano, e não apenas no caso de Palocci. A avaliação considera a agenda apertada até dezembro e a falta de definição sobre a dinâmica de negociações da gestão da procuradora-geral, Raquel Dodge. Ainda que reconheça dificuldades, a força-tarefa mantém aberto o canal de negociação com o petista, diferentemente do que ocorreu com as tratativas sobre a colaboração de Cunha, cujas conversas foram encerradas por falta de elementos de prova.

IMPACTO NO MERCADO

Em sua primeira audiência após ser preso, há mais de um ano, Palocci disse ao juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba, Sergio Moro, ter disposição de virar colaborador da Lava-Jato sob a promessa de fornecer informações sobre instituições bancárias. De lá para cá, o ex-ministro foi condenado a 12 anos de prisão pelo juiz.

Desde o início das negociações, há grande expectativa sobre o impacto que o acordo poderia ter no sistema financeiro, em razão das funções que o ex-ministro exerceu nos governos Lula e Dilma. Uma das hipóteses levantadas foi a de estimular acordos de leniência no setor bancário antes da divulgação da delação. O objetivo seria reduzir danos à economia e o risco de demissões em massa, como ocorreu com as empreiteiras da Lava-Jato.