O globo, n.30796 , 30/11/2017. PAÍS, p.6

‘Fiz uma lambança’, diz Marcello Miller à CPI da JBS

EDUARDO BRESCIANI

 

 

Ex-procurador admite contato com empresa antes de deixar PGR

O ex-procurador Marcello Miller reconheceu ontem, em seu depoimento à CPI da JBS, ter feito uma “lambança” por manter relacionamento com a empresa antes de deixar oficialmente o Ministério Público, mas negou a prática de crime e afirmou que estava incentivando o grupo empresarial a “se limpar". Ele depôs por seis horas a deputados e senadores e negou ter orientado o empresário Joesley Batista a gravar conversa com o presidente Michel Temer. Mesmo protegido por um habeas corpus que lhe assegurava o direito ao silêncio, o ex-procurador respondeu a todas as perguntas, inclusive revelando ter acertado sua saída do escritório que defendia a JBS por R$ 1,6 milhão.

Miller negou que tenha atuado como advogado dos irmãos Batista e outros executivos da empresa no período em que sua exoneração do Ministério Público ainda não tinha sido efetivada. Afirmou que as trocas de informações com advogados e executivos ligados ao grupo eram “procedimentos preparatórios” para a atuação que teria depois, no escritório Trench, Rossi e Watanabe, na negociação do acordo de leniência da empresa. Ele reiterou não ter praticado crime, mas admitiu ter errado.

— Não foi tudo perfeito. Eu cometi um erro brutal de avaliação ao fazer isso. Eu não cometi crime. Pode apurar. Eu vim aqui falar. Eu não cometi crime, não, mas eu fiz uma lambança. Fiz uma lambança. É por isso que eu estou aqui — disse.

Miller questionou os argumentos utilizados pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot para pedir sua prisão, negada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin.

— Ele (Janot) me imputou tipos penais que são fora da ordem. Organização criminosa. Quais crimes eu teria me articulado para praticar? Eu estava incentivando uma empresa a se limpar. Obstrução de justiça? Pelo contrário, era desobstrução, era para que empresa fosse lá falar a verdade — sustentou.

O ex-procurador negou ter sido um “estrategista” da delação e citou um email que mandou para si próprio — no qual especulava penas como uso de tornozeleira eletrônica, prisão domiciliar e prestação de serviços comunitários para os executivos da JBS — como evidência de seu distanciamento da negociação, por não ter sequer cogitado a imunidade conseguida pelos irmãos Batista. Questionado diretamente pelo deputado Delegado Francischini (SD-PR), negou ter orientado Joesley a gravar a conversa com Temer.

— Não mandei gravar o presidente, não — disse.

Miller refutou ter dado orientação a qualquer candidato a delação para que utilizasse esse tipo de expediente, quando ainda estava na Procuradoria.

— Nunca mandei nem orientei, como membro do Ministério Público, ninguém a gravar ninguém. Pode apurar isso. Nunca mandei — afirmou o exprocurador.

Miller negou que tenha deixado o Ministério Público por “ganância”, mas disse que não seria “hipócrita” de negar que a remuneração melhor o incentivou a partir para a advocacia. Revelou que quando deixou o escritório, em julho — três meses após ser contratado —, acertou o recebimento de R$ 1,6 milhão para sua saída. Antes, já tinha recebido R$ 277 mil.

— Eu fui contratado pelo escritório com base permanente. Eu era sócio do escritório. Houve uma ocasião de um depósito de R$ 277 mil e uns quebrados, que eu já expliquei, tem estrita base contratual. E depois houve um distrato. Esse distrato reconhece direitos. Ele é bem inferior ao contrato. Ele prevê pagamento parcelado ao longo de 18 meses e o escritório está cumprindo esses pagamentos — disse Miller.

O ex-procurador afirmou que a minuta de um contrato de R$ 15 milhões em honorários, que seriam cobrados da JBS por êxito na leniência, nunca chegou a ser assinado. Destacou ainda que, devido à repercussão, o escritório Trench, Rossi e Watanabe decidiu por não receber nenhum recurso do grupo empresarial.

Miller rebateu afirmações da existência de grande proximidade entre ele e Janot, reforçando que tanto o ex-procurador quanto o então chefe de gabinete da PGR Eduardo Pelella não sabiam que ele atuaria para a JBS.

— Nunca fui braço-direito de Janot. Não era amigo próximo, minha relação era funcional. A gente trabalhou junto. Não tinha nenhuma predileção por mim — disse o ex-procurador.

Ele foi questionado pelo relator da CPI da JBS, Carlos Marun (PMDBMS), se dava para acreditar que o exchefe de gabinete da PGR Eduardo Pelella não tivesse passado informações a Rodrigo Janot sobre as primeiras negociações com o grupo. Miller afirmou que, pela sua experiência, as informações eram passadas em, no máximo, duas semanas.